O Esforço Solidário Acelera o Despertar da Alma
Carlos Cardoso Aveline
“Se eu não for por mim, quem será
por mim? Mas se eu for só por mim,
o que sou eu? E se não agora, quando?”
[Rabino Hillel, citado na obra
“A Ética do Sinai”, Livraria e Editora
Sêfer, SP, 1998, 522 pp., ver pp. 54-55.]
“A Ética do Sinai”, Livraria e Editora
Sêfer, SP, 1998, 522 pp., ver pp. 54-55.]
1. A Arte Zen de Transmitir Sabedoria
É o Sr. D. T. Suzuki, o pensador zen-budista do século 20, que conta a história.
O abade de um certo mosteiro quis que fosse pintado um dragão no teto da sala em que todos meditavam. Um pintor bem conhecido foi convidado a fazer a pintura. Ele aceitou, mas fez questão de avisar:
“Nunca vi um dragão na vida real – se é que os dragões existem. Ainda não sei como poderei pintá-lo.”
E o abade respondeu:
“Não dê importância ao fato de ainda não ter visto um dragão. Não siga o modelo convencional. Transforme-se você mesmo num dragão, primeiro. Depois pinte o dragão.”[1]
Os estudantes de teosofia estão convidados a fazer a mesma coisa. Eles não viram o “dragão”, o animal mitológico do extremo oriente que simboliza o sábio imortal e a inteligência divina. Eles não viram um grande sábio, mas podem transformar-se em sábios. Eles conhecem apenas parte da sabedoria, mas está a seu alcance viver a parcela de sabedoria que já conhecem.
Assim a vida de um estudante passa a ser uma expressão da sabedoria – ainda que imperfeita. Quando o estudante une sua mente a um ideal universal, ele passa a ser a sabedoria na medida exata da sua compreensão. Ao passar adiante o que já sabe, ele se capacita para aprender mais.
Deste modo germinam as sementes de estudo e vivência da teosofia original.
2. O Exemplo e a Gratidão ao Transmitir
Sem o ensino pelo exemplo não seria possível uma transmissão de conhecimento filosófico. Mas o exemplo não basta.
O teosofista deve também compartilhar a fonte em que sua alma se alimenta. Deve construir um poço de uso comum onde um número ilimitado de pessoas poderá beber a água pura da impessoalidade transcendente.
De que modo ele poderá colocar ao alcance de outros a fonte da inspiração e dos ensinamentos que orientam sua vida?
A percepção da verdade pode ser transmitida assim como uma vela acende outra vela, que acende outra, e outra, e assim sucessivamente.
O movimento esotérico autêntico é como um “refúgio”. Ele é um porto seguro, um ambiente em que a pequena luz da alma imortal de um indivíduo estimula o fortalecimento da luz na alma de outro, e em mais um, e assim sucessivamente, de modo que todos ganham energia, sem perder a energia espiritual que possuem. Eles só irão “perder”, e não sem sofrimento, as diversas formas de ignorância a que o ser humano se apega às vezes com intenso fervor.
O exemplo é a base indispensável da transmissão. Mas não é o suficiente, porque nenhum edifício é feito apenas de alicerces. O verdadeiro aprendizado começa depois que o estudante passa a fazer algo pelos outros, movido por uma intenção que está livre de egocentrismo.
Quando percebe que uma energia o ilumina desde o seu interior e o faz compreender verdadeiramente a vida, o estudante é às vezes visitado por um sentimento de gratidão e devoção. Tal sentimento pode mostrar-se através do nascimento de uma vontade concreta e profunda de devolver à Vida aquilo que a Vida lhe deu, construindo um reservatório maior e mais forte de conhecimento, no qual outros indivíduos também possam encontrar a paz.
3. Acelerando o Processo do Autoconhecimento
A ação altruísta limpa as lentes dos óculos com que olhamos para a vida.
O aprofundamento da caminhada prática acelera o processo do autoconhecimento. As duas coisas são inseparáveis, e a obra “A Voz do Silêncio” esclarece:
“Irás abster-te de agir? Não é assim que tua alma ganhará sua liberdade. Para alcançar o Nirvana é necessário obter o Autoconhecimento, e o Autoconhecimento é resultado de ações amáveis.”[2]
Cada um é seu próprio mestre e seu próprio aluno. Depois que o estudante toma uma decisão firme sobre o rumo da sua própria vida, ele deve definir por si mesmo o ritmo e o modo como avançará.
Ele deve saber que duas substâncias centrais do eu superior são altruísmo e discernimento.
4. Transmitir é Convidar a Pensar
Um leitor escreveu:
“Estudo teosofia há algum tempo. Tem sido até agora um estudo solitário. Mas me pergunto como é possível divulgar a teosofia sem parecer que queremos fazer lavagem cerebral ou evangelizar as pessoas.”
A questão é da maior importância.
No início, o teosofista não será corretamente compreendido por todos. Mas mesmo as pessoas que não o compreendem comentarão para alguém que aquele indivíduo pensa isso e aquilo. Se a pessoa que ouve o comentário tiver a “chama” acesa em seu interior, ela virá até a fonte. Além disso, falando, o indivíduo ganha experiência. E devemos lembrar que as pessoas mudam: quem hoje ouve falar de teosofia e não dá importância ao assunto, talvez tenha amanhã um despertar interno que hoje não se pode prever.
O que se pode fazer é “emitir o sinal” de modo claro, incondicionalmente, sem esperar nada em troca a curto e médio prazo.
O teosofista que não compartilha com ninguém o modo como vê a vida não poderá ser um sinal de luz para aqueles que aguardam – até sem saber – por uma compreensão mais ampla das coisas.
A chamada “evangelização” é um processo pelo qual alguém diz a uma pessoa que ela deve acreditar e “ter fé” nisso ou naquilo. A teosofia, ao contrário, convida as pessoas a pensarem sobre a vida e o universo. A teosofia ensina as pessoas a examinarem profundamente as seguintes questões, entre outras:
1) Em que sentido posso dizer que sou feliz?
2) Qual é a verdadeira causa do meu sofrimento?
3) De que modo tem funcionado a lei do carma em minha vida e em minha família?
4) Como posso plantar o que gostaria de colher?
5) Qual o caminho para obter uma felicidade de longo prazo, a felicidade da alma imortal?
Fazer perguntas é uma boa maneira de conhecer as pessoas. Pequenas oportunidades existem por toda parte; e é fácil criá-las, onde elas não aparecem por si mesmas.
5. Tudo Está Interligado
Há um momento em que distinguimos palidamente o que é correto e verdadeiro para nós – e isso é bom. Num segundo momento, vemos com nitidez o que é verdadeiro e correto, e ainda assim, entre ver e viver há uma diferença.
A visão de um ideal se caracteriza pela percepção daquilo que está a uma certa distância de nós, mas para o qual podemos caminhar.
A distância entre o sonho e a prática, entre a meta do estudante e o ponto em que ele está, se relaciona com o processo probatório da caminhada. A distância deve ser vista como um motivo para ir adiante. A diferença entre sonho e realidade implica que há um sonho nobre a ser buscado.
Como dar o passo que vai desde a nítida percepção do que é correto, até a vivência direta?
Ninguém é uma ilha cármica. Tudo e todos se inter-relacionam. Se não emitirmos nossa energia, ela não será confirmada. Robert Crosbie escreveu:
“Uma vez que as ideias corretas estejam estabelecidas em nossas mentes, nós poderemos ajudar o mundo falando sobre elas e exemplificando-as. Isso é algo que nós podemos fazer, por mais egoísta que seja o modo do mundo se movimentar.” [3]
Quando compreendemos algo profundamente, o próximo passo é irradiar a compreensão em direção ao mundo e assim confirmá-la. Assim “emitimos o mantra”.
Isto tem um momento próprio e adequado para ocorrer. Quando o discípulo está pronto, ele percebe que a Inspiração Superior estava lá o tempo todo. Assim que o filhote de pássaro amadurece, ele faz as devidas considerações sobre o novo estágio do seu aprendizado. Em seguida, ele se atira para fora do Ninho da Rotina e testa na prática os seus conhecimentos sobre a arte de voar. Deste modo ele passa a conhecer a sua própria força.
6. Construindo o Movimento Teosófico
Sendo um processo vivo, o movimento teosófico reúne em seu corpo físico células que nascem, células que morrem, e células que se renovam. A expansão da vida é um processo que pode ser compreendido, e Helena Blavatsky escreveu:
“Para a expansão do movimento teosófico – um canal útil para a irrigação dos campos ressequidos do pensamento contemporâneo com as águas da vida – Lojas são necessárias em todo lugar. Não meramente grupos de simpatizantes passivos, assim como os exércitos adormecidos de frequentadores de igrejas, cujos olhos estão fechados enquanto o ‘demônio’ varre o chão; não, isso não. São necessárias Lojas ativas, profundamente despertas, dedicadas, inegoístas, cujos membros não estarão revelando constantemente o seu próprio egoísmo ao perguntar: ‘o que é que nós ganhamos ao aderir à sociedade teosófica, e em que isso pode nos prejudicar?’; mas estarão examinando a seguinte questão: ‘será que nós podemos ajudar substancialmente a humanidade ao trabalhar por esta boa causa com todos nossos corações, nossas mentes, e nossas forças?’.”[4]
A ação nem sempre será fácil. O trabalhador voluntário será testado pela pressa ou pela rotina, pelo excesso de confiança ou pela falta de confiança; pela cobiça ou pelo desânimo.
Em relação ao surgimento de dificuldades, William Judge alertou: “Não fique desencorajado. Não há motivo para isso. Nada que é feito com facilidade é realmente muito bom, ou durável. Deve haver aborrecimentos e tensões de vez em quando.” [5]
Todo processo vivo inclui tensões criativas. A função dos obstáculos é fortalecer a vontade espiritual.
7. Como Ajudar na Prática
A Loja Independente de Teosofistas leva em consideração o fato de que, desde a fundação do movimento teosófico em 1875, uma lei básica tem operado constantemente:
“É fazendo que se aprende”.
O estudante não deve enganar a si mesmo alimentando a ideia de que a aprendizagem é apenas intelectual. A aprendizagem só começa quando o intelecto é colocado a serviço do coração. Sem a prática solidária, o aprendiz fica limitado ao plano do “ouvir dizer”.
A ação deve combinar independência, discernimento e solidariedade.
Como então é possível ajudar com equilíbrio e discernimento o esforço que está sendo posto em movimento através da Loja Independente de Teosofistas e dos seus websites e e-grupos associados?
Há muitas pequenas frentes de ação e esforço. Elas vêm sendo criadas a partir dos talentos e das circunstâncias que cada estudante já possui.
NOTAS:
[1] “Zen Buddhism and Psychoanalysis”, D.T. Suzuki, E. Fromm, and R. De Martino, Evergreen-Harper, 1960, 180 pp., ver p. 13.
[2] “A Voz do Silêncio”, Helena Blavatsky, primeira metade do Fragmento II, aforismo 136, edição online em nossos websites associados. Na edição original em inglês, “The Voice of the Silence”, HPB, Theosophy Co., Los Angeles, pp. 33-34.
[3] “A Book of Quotations”, Robert Crosbie, Theosophy Co., Mumbai, Índia, 108 pp., ver p. 52. A obra está publicada em nossos websites associados.
[4] “Lodges of Magic”, artigo publicado em “Theosophical Articles”, H. P. Blavatsky, coletânea em três volumes, Theosophy Co., Los Angeles, volume I, ver p. 290.
[5] “Letters That Have Helped Me”, William Q. Judge, Theosophy Co., Los Angeles, 1946, 300 pp., p.168.
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Leia também “Os Três Tipos de Associados”, “Três Frentes de Ação” e “Examinando Sete Perguntas”.
Uma versão inicial do artigo “Sete Notas Sobre a Transmissão do Saber” faz parte da edição de fevereiro de 2011 de “O Teosofista”, indicando como nome de autor apenas “Um Estudante de Teosofia”. O texto foi publicado como item independente nos websites associados dia 4 de março de 2013.
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