As Visitas de Helena P. Blavatsky ao Peru e à Bolívia
Carlos Cardoso Aveline
“Pachamama” é a Mãe-Terra na Tradição Andina
Mais que uma experiência traumática, a conquista e colonização dos povos andinos foi uma chacina. Atuando com as bênçãos do clero católico, os espanhóis dedicaram-se, desde a sua chegada no início do século 16, a perseguir, matar e saquear. Promoveram assim um genocídio de grandes proporções.
Alguns pesquisadores calculam que, menos de um século depois de os espanhóis chegarem ao império andino, a população havia caído drasticamente de nove milhões de pessoas para um milhão. As principais causas disso foram os assassinatos, a fome geral provocada pela desorganização social e econômica, e as doenças trazidas da Europa pelos colonizadores, diante das quais o organismo físico dos habitantes nativos não tinha mecanismos de defesa. [1]
Apesar de tudo, a cultura, os hábitos e os valores da civilização andina foram em grande parte preservados, e Helena Blavatsky pôde observar pessoalmente este fato. A fundadora do movimento teosófico esteve duas vezes na região andina. Ela escreveu em “Ísis Sem Véu” sobre a resistência cultural dos povos nativos, e abordou detalhadamente a relação entre a região do Peru e da Bolívia e a sabedoria antiga. HPB também mencionou a existência de uma cidade esplendorosa e secreta na Cordilheira, que permanecia desconhecida e inacessível para os colonizadores europeus, embora fosse eventualmente avistada à distância por algum explorador estrangeiro. Em “Ísis”, ela conta:
“Além do fato de que essa cidade misteriosa foi vista a uma grande distância por viajantes ousados, não há qualquer impossibilidade intrínseca na ideia da sua existência, pois quem pode dizer o que foi feito do povo primitivo que fugiu diante dos salteadores de Cortez e Pizarro? O dr. Tschuddi, em seu trabalho sobre o Peru, fala de uma lenda indígena segundo a qual um comboio de 10.000 lhamas carregadas de ouro, para completar o valor do resgate do desafortunado Inca, foi surpreendida nos Andes pela notícia de sua morte, e o enorme tesouro foi tão eficazmente escondido que nem um traço seu jamais foi encontrado. Ele, assim como Prescott [2] e outros escritores, informam que os índios até hoje preservam suas tradições e castas sacerdotais, e obedecem implicitamente às ordens de governantes escolhidos entre eles, enquanto são ao mesmo tempo nominalmente católicos e submetem-se de fato às autoridades peruanas. As cerimônias mágicas praticadas por seus ancestrais ainda prevalecem entre eles, e fenômenos mágicos ocorrem. Tão persistente é a lealdade deles ao passado, que parece impossível que não estejam se relacionando com alguma fonte central de autoridade que apoia e fortalece constantemente sua fé, mantendo-a viva. Será que as fontes dessa fé imorredoura repousam nessa cidade misteriosa, com a qual estão em comunhão secreta?” [3]
Além de ser um local fisicamente importante, este centro energético inspirador da cultura andina permanecia ativo no século 19 e irradiava sua influência apesar das novas condições históricas. Talvez ainda esteja atuante no século 21, de algum modo.
Seguramente, pelo menos uma grande cidade andina – Macchu Picchu – foi descoberta depois da publicação de “Ísis Sem Véu”. A impressionante cidade construída em plena cordilheira peruana foi descoberta em 1911 – 20 anos depois da morte de HPB – por uma expedição chefiada pelo cientista norte-americano Hiram Bingham (1875-1956). Bingham contou a descoberta em seu livro “The Lost City of the Incas”. [4]
Em “Ísis Sem Véu” (vol. II, p. 224), HPB menciona que o acesso à cidade secreta dos andinos se dava através de uma passagem subterrânea. Esse dado antecipado por HPB coincide com a narrativa de Hiram Bingham. Ele afirma – nas pp. 217-218 da sua obra – que o caminho nativo para chegar a Macchu Picchu era um túnel subterrâneo. O início do túnel estava oculto em uma caverna.
A Índia e o Peru
Entre outros motivos, os Andes sul-americanos têm um interesse especial para a teosofia clássica porque existe um forte parentesco cármico e cultural entre o povo andino e o povo indiano.
Na parte I do seu texto “Una Tierra de Misterio” – publicado em nossos websites associados – HPB traça diversos paralelos entre a civilização andina pré-colonial e a civilização hindu. O Manco Capac das tradições andinas, diz ela, é o Manu da América do Sul. Em “A Doutrina Secreta”, HPB mostra que, no passado remoto, os dois povos tinham muito em comum.
Nascido em 1936, o conhecido pensador peruano Hugo Neira aponta na mesma direção. Em sua obra “Hacia la Tercera Mitad” – que avalia a evolução do pensamento peruano desde o século 16 até o final do século 20 – Hugo Neira faz uma comparação sociológica e cultural entre a Índia e o Peru e afirma que nos dois países vige um sistema de castas étnicas essencialmente idêntico. [5]
Há, inegavelmente, inúmeros pontos em comum entre as civilizações andinas e as sociedades asiáticas. A filosofia esotérica valoriza as sociedades andinas, embora não caia na ingenuidade de adotar como válidas as suas numerosas superstições. A experiência e a sabedoria dos povos antigos é especialmente útil na atual transição planetária. Além disso, a cordilheira dos Andes tem, em si mesma, uma função inspiradora como centro de emissão de energias planetárias. Como se sabe, diferentes locais geográficos e ambientes naturais exercem influências psicológicas e espirituais sobre os seres humanos, e as cordilheiras não são exceção. Há nelas uma atmosfera mística, benéfica e espiritualizante.
HPB Visitou a Fronteira Entre Bolívia e Brasil
Durante uma das viagens de Helena Blavatsky aos Andes, ela esteve na fronteira entre Brasil e Bolívia. Ali, por algum motivo, ela juntou um punhado de areia de um rio para levar consigo. HPB conta que viajou com a pequena amostra de minérios para a Europa, onde confirmou que havia na terra pepitas de ouro levadas pela correnteza do rio desde o Brasil para a Bolívia. [6]
Sabendo-se das dificuldades que uma mulher sozinha, durante o século 19, deveria ter para viajar de um continente para outro com bagagens pesadas, é possível deduzir que houve alguma razão definida pela qual HPB decidiu recolher este punhado de areia. Na verdade, o episódio na fronteira da Bolívia com Brasil não foi um fato isolado. Para os ocultistas, o magnetismo é importante, e há uma passagem das Cartas dos Mahatmas em que um mestre pede a um discípulo leigo que lhe mande três pedras tiradas das margens do mar Adriático. O Adriático é um braço do Mar Mediterrâneo. O mestre escreveu a Alfred Sinnett:
“Você poderia encontrar um modo de recolher para mim três seixos? Eles devem vir das praias do Adriático – preferivelmente de Veneza; tão próximo do Palácio Dogal quanto eles puderem ser encontrados (….). Os seixos devem ter três cores diferentes; um vermelho, outro preto, o terceiro branco (ou acinzentado). Se conseguir pegá-los, por favor, mantenha-os separados de qualquer influência e contato exceto os seus…”. [7]
Para concluir, cabe examinar a seguinte questão: havia algum contato regular entre os mestres e aprendizes da sabedoria esotérica residentes na Ásia e nos Andes peruanos? HPB escreveu sobre isso. Ela disse em uma carta que certos altos discípulos asiáticos “são grandes amigos dos adeptos e chelas peruanos, mexicanos e indígenas de pele vermelha das Américas”. [8]
NOTAS:
[1] “The Wilson Quarterly”, revista publicada pelo Woodrow Wilson International Center for Scholars, Summer 1990, Cover Story, “Latin America’s Indian Question”, ver pp. 25-26.
[2] William H. Prescott, autor de “History of the Conquest of Peru”, ou “História da Conquista do Peru”, publicado no Brasil por Irmãos Pongetti, RJ, 1946, 560 pp.
[3] “Isis Unveiled”, Volume I, pp. 546-548, The Theosophy Company, Los Angeles, 1982 e “Ísis Sem Véu”, Volume II, p. 223, Editora Pensamento, São Paulo, 2008.
[4] A primeira edição da obra é de 1948. Há uma edição peruana de 1988, Librerías A.B.C., Lima, em inglês, com 240 pp.
[5] “Hacia la Tercera Mitad”, Hugo Neira, segunda edición, Ed. SIDEA, Lima, Perú, 1997, 754 pp.; ver especialmente, pp. 194-204.
[6] “Ísis Sem Véu”, Ed. Pensamento, SP, vol. II, nota 47, última linha da p. 298 e a suas linhas primeiras da p. 299. A chamada para esta nota, no texto principal, está na linha número 9, contando de baixo para cima, na página 268.
[7] “Cartas dos Mahatmas”, Editora Teosófica, Brasília, edição em dois volumes, ver Carta C, vol. II, p. 334.
[8] “The Letters of H.P. Blavatsky to A.P. Sinnett”, Theosophical University Press, Pasadena, California, USA, 1973, 404 pp., ver p. 85.
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O texto acima foi publicado originalmente na edição de março de 2010 de “O Teosofista”.
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Veja o artigo “A Teosofia dos Andes”, de Carlos Cardoso Aveline. Ele está disponível em nossos websites associados.
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Em setembro de 2016, depois de cuidadosa análise da situação do movimento esotérico internacional, um grupo de estudantes decidiu formar a Loja Independente de Teosofistas, que tem como uma das suas prioridades a construção de um futuro melhor nas diversas dimensões da vida.
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