Mas Há Conflito Quando
Os Líderes Mentem e Roubam
 
 
Platão
 
 
 
A balança é um antigo símbolo de equilíbrio e sabedoria
 
 
 
Nota Editorial de 2017:
 
Os políticos corruptos pensam que são espertos e que serão mais felizes roubando e mentindo. Estão errados, como ensina Sócrates neste texto em estilo coloquial sobre ética na política.
 
A teosofia clássica concorda com a ideia. Um Mestre de Sabedoria escreveu:
 
“…Para nós um lustrador de botas honesto é tão bom quanto um rei honesto, e (…) um varredor de ruas imoral é muito melhor e mais desculpável do que um imperador imoral.” [1]
 
O homem justo é feliz em seu mundo interior, mesmo enfrentando as dificuldades naturais da vida. O homem injusto gera conflito e infelicidade desnecessários para si e para os outros, segundo mostra o fragmento a seguir, de “A República”, de Platão. [2]
 
Na transcrição, deixamos de fora algumas linhas que não têm importância para o raciocínio. As omissões são assinaladas através de reticências entre parênteses: “(…….)”.
 
(Carlos Cardoso Aveline)
 
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Justiça Traz Felicidade
 
Platão
 
Sócrates: (….) Não sabes que o amor à honra e ao dinheiro é considerado coisa vergonhosa e, efetivamente, o é?
 
Glauco: Sei.
 
Sócrates: Devido a isso, os homens de bem não querem governar nem pelas riquezas nem pela honra; porque não querem ser considerados mercenários, exigindo abertamente o salário correspondente à sua função, nem ladrões, tirando desta função lucros secretos; também não trabalham pela honra, porque não são ambiciosos. Portanto, é preciso que haja obrigação e castigo para que aceitem governar. É por isso que tomar o poder de livre vontade, sem que a necessidade a isso obrigue, pode ser considerado vergonha, e o maior castigo consiste em ser governado por alguém ainda pior do que nós, quando não queremos ser nós a governar. É com este receio que me parecem agir, quando governam, as pessoas honradas, e então assumem o poder não como um bem a ser usufruído, mas como uma tarefa necessária, que não podem confiar a outras melhores do que elas, nem a iguais. Se surgisse uma cidade de homens bons, é provável que nela se lutasse para fugir do poder, como agora se luta para obtê-lo, e ficaria evidente que, na verdade, o governante autêntico não deve visar o seu próprio interesse, mas o do governado; de modo que todo homem sensato preferiria ser liderado por outro do que preocupar-se em liderar. Portanto, de forma alguma concordo com Trasímaco, quando ele afirma que a justiça significa o interesse do mais forte. Mas voltaremos a este ponto mais tarde; dou uma importância muito maior ao que diz agora Trasímaco: que a vida do homem injusto é superior à do justo. Que partido tomas, Glauco? Qual destas afirmativas te parece mais verdadeira?
 
Glauco: A vida do homem justo me parece mais proveitosa.
 
Sócrates: Ouviste a relação que Trasímaco faz dos bens ligados à vida do injusto?
 
Glauco: Ouvi, mas não me convenci.
 
Sócrates: Queres então que o convençamos, se conseguirmos encontrar o meio, de que ele não está na verdade?
 
Glauco: Como não haveria de querer?
 
Sócrates: Se, juntando as nossas forças contra ele e opondo  argumento a argumento, relacionarmos os bens que a justiça proporciona e, por seu turno, ele replicar, e nós também,  será preciso contar e avaliar as vantagens citadas por uma e outra parte em cada argumento e iremos precisar de juízes para decidir. Se, ao contrário, como há pouco, debatermos a questão até conseguirmos um mútuo acordo, nós seremos conjuntamente juízes e advogados.
 
Glauco: É verdade.
 
Sócrates: Qual destes dois métodos preferes?
 
Glauco: O segundo.
 
Sócrates: Então, Trasímaco, voltemos ao começo e responde-me. Acreditas que a injustiça total é mais proveitosa do que a justiça total?
 
Trasímaco: Com certeza, e já expliquei por que razões.
 
Sócrates: Muito bem, mas da maneira que entendes estas duas coisas, chamas  uma de virtude, e a outra de vício?
 
Trasímaco: É o que dou a entender, encantadora criatura, quando digo que a injustiça é proveitosa e a justiça não o é?
 
Sócrates: Como é, então?
 
Trasímaco: O contrário.
 
Sócrates: A justiça é um vício?
 
Trasímaco: Não, mas uma nobre simplicidade de caráter.
 
Sócrates: Então a injustiça é perversidade de caráter?
 
Trasímaco: Não, é prudência.
 
Sócrates: Será, Trasímaco, que os injustos te parecem sábios e bons?
 
Trasímaco: Sim, aqueles que são capazes de cometer a injustiça com perfeição e de submeter cidades e povos. Pensas, talvez, que me refiro aos ladrões?  Sem dúvida, tais práticas são rendosas, enquanto não são descobertas; mas não merecem menção ao lado das que acabo de indicar.
 
Sócrates: Percebo perfeitamente o teu raciocínio, mas o que me surpreende é que classifiques a injustiça como virtude e sabedoria, e a justiça como um oposto disso.
 
Trasímaco: Mas é exatamente assim que as classifico.
 
Sócrates: Isso é grave, amigo, e é difícil saber o que dizer.  Se admitisses que a injustiça é proveitosa, admitindo ao mesmo tempo, como alguns outros, que é vício e coisa vergonhosa, poderíamos responder-te invocando as noções convencionais sobre o assunto; mas, evidentemente, tu dirás que ela é bela e forte e lhe concederás todos os atributos que nós concedemos à justiça, visto que ousaste compará-la com a virtude e a sabedoria.
 
Trasímaco: Tu adivinhas muito bem.
 
Sócrates: Contudo, não devo recusar-me a continuar com este exame enquanto puder acreditar que falas seriamente. É que me parece, Trasímaco, que não se trata de uma pilhéria da tua parte e que estás exprimindo a tua verdadeira opinião.
 
Trasímaco: Que importância tem que seja ou não a minha opinião? Limita-te a refutar-me.
 
Sócrates: De fato, não tem importância. Mas responde a mais isto: parece-te que o homem justo procura prevalecer de algum modo sobre outro homem justo?
 
Trasímaco: Jamais, porque então não seria educado e simples como é.
 
Sócrates: Nem mesmo numa ação justa?
 
Trasímaco: Nem assim.
 
Sócrates: Mas ele pretenderia prevalecer sobre o homem injusto e pensaria ou não fazê-lo de modo justo?
 
Trasímaco: Pensaria, e o pretenderia, mas não poderia.
 
Sócrates: Não foi isso que perguntei; quero saber se o justo não teria nem a pretensão nem o desejo de prevalecer sobre o justo, mas apenas sobre o injusto.
 
Trasímaco: Assim é.
 
Sócrates: E o injusto pretenderia prevalecer sobre o justo e sobre a ação justa?
 
Trasímaco: Como não seria assim, se ele pretende prevalecer sobre todos?
 
Sócrates: Então, prevalecerá sobre o homem injusto e sobre a ação injusta e se empenhará em prevalecer sobre todos?
 
Trasímaco: Isso mesmo.
 
Sócrates: Resumindo: o justo não prevalece sobre o seu semelhante, mas sobre o seu contrário; o injusto prevalece sobre o seu semelhante e sobre o seu contrário.
 
Trasímaco: Excelentemente expresso.
 
Sócrates: Porém o injusto é sábio e bom, ao passo que o justo não é uma coisa nem outra?
 
Trasímaco: Excelente, também.
 
Sócrates: Como consequência, o injusto parece ser sábio e bondoso, mas o justo não parece ser assim? 
 
Trasímaco: Como poderia ser diferente? Sendo o que é, ele se assemelha aos seus semelhantes e o outro não se assemelha a eles.
 
Sócrates: Muito bem. Portanto, cada um é tal como aquele a quem se assemelha?
 
Trasímaco: Quem pode duvidar disso?
 
Sócrates: Que seja, Trasímaco. Agora, não afirmas que um homem é músico  e que outro não é?
 
Trasímaco: Afirmo.
 
Sócrates: Qual dos dois é conhecedor e qual não é?
 
Trasímaco: Certamente o músico é conhecedor e o outro não é.
 
Sócrates: E um não é bom nas coisas de que é conhecedor e o outro não o é?
 
Trasímaco: Certamente.
 
Sócrates: Mas a respeito da medicina não é assim?
 
Trasímaco: É assim.
 
Sócrates: Agora, crês, excelente homem, que um músico que afina a sua lira, esticando ou soltando as cordas, pretende prevalecer sobre um músico  ou ter vantagem sobre ele?
 
Trasímaco: Não, não creio.
 
Sócrates: Mas quererá prevalecer sobre um homem ignorante em música?
 
Trasímaco: Sim, com certeza.
 
Sócrates: E o médico? Ao recomendar alimento e bebida, quererá prevalecer sobre um médico ou sobre a prática médica?
 
Trasímaco: Certamente que não.
 
Sócrates: E sobre um homem que ignora a medicina?
 
Trasímaco: Sim.
 
(……)
 
Sócrates: Ora, o conhecedor é sábio?
 
Trasímaco: É.
 
Sócrates: E o sábio é bom?
 
Trasímaco: É.
 
Sócrates: Portanto, o homem sábio e bom não quererá prevalecer sobre o seu semelhante, mas sobre aquele que não se assemelha a si, sobre o seu oposto.
 
Trasímaco: Aparentemente.
 
Sócrates: Ao passo que o homem mau e ignorante quererá prevalecer sobre o seu semelhante e o seu oposto.
 
Trasímaco: Pode ser.
 
Sócrates: Mas, Trasímaco, o nosso homem injusto não prevalece sobre o seu oposto e o seu semelhante? Não o disseste?
 
Trasímaco: Disse.
 
Sócrates: E não é verdade que o justo não prevalecerá sobre o seu semelhante, mas sim sobre o seu oposto?
 
Trasímaco: É verdade.
 
Sócrates: Então, o justo assemelha-se ao homem sábio e bom e o injusto, ao homem mau e ignorante.
 
Trasímaco: Pode ser.
 
Sócrates: Mas nós havíamos afirmado que cada um deles é aquele a que se assemelha.
 
Trasímaco: De fato, afirmamos.
 
Sócrates: Logo, o justo é bom e sábio e o injusto, ignorante e mau.
 
Trasímaco concordou com tudo isto, não tão facilmente como o meu relato, mas contra sua vontade e a muito custo. Suava abundantemente, tanto mais que fazia muito calor – e foi então que, pela primeira vez, vi Trasímaco enrubescer!
 
(…..)
 
Sócrates: Far-te-ei a mesma pergunta que há pouco, para podermos continuar a discussão; o que é a justiça em comparação com a injustiça? Com efeito, foi dito que a injustiça é mais poderosa que a justiça; mas agora, se a justiça é sabedoria e virtude, conclui-se facilmente, penso eu, que ela é mais poderosa que a injustiça, visto que a injustiça é a ignorância.
 
(…..)
 
Sócrates: (…..) A injustiça faz nascer entre os homens dissensões, ódios e brigas, enquanto a justiça alimenta a concórdia e a amizade. Concordas?
 
Trasímaco: Assim seja! Não quero entrar em discussão contigo.
 
Sócrates: Estás te portando muito bem, excelente homem. Mas responde a esta pergunta: se é próprio da injustiça provocar o ódio em todo lugar onde acontece, aparecendo em homens livres ou escravos, não fará que eles se odeiem, briguem entre si e sejam impotentes para empreender seja o que for em comum?
 
Trasímaco: Sem dúvida.
 
(….)
 
Sócrates: (…..)  É obrigatório que uma alma má comande e vigie mal e que uma alma boa  faça bem tudo isso.
 
Trasímaco: É obrigatório.
 
Sócrates: Ora, não concluímos que a justiça é uma virtude e a injustiça, um vício da alma?
 
Trasímaco: Concluímos.
 
Sócrates: Em consequência disso, a alma justa e o homem justo viverão bem e o injusto, mal?
 
Trasímaco: Assim parece, de acordo com o teu raciocínio.
 
Sócrates: Então, aquele que vive bem é feliz e afortunado e o que vive mal, o contrário.
 
Trasímaco: Não há dúvida.
 
Sócrates: Portanto, o justo é feliz e o injusto, infeliz.
 
Trasímaco: Que seja!
 
Sócrates: E não é vantajoso ser infeliz, mas feliz.
 
Trasímaco: Sem dúvida.
 
Sócrates: Por conseguinte, divino Trasímaco, a injustiça nunca é mais vantajosa do que a justiça.
 
NOTAS:
 
[1] Palavras de um Raja-Iogue dos Himalaias, em “Cartas dos Mahatmas Para A. P. Sinnett”, Ed. Teosófica, Carta 29, volume I, p. 158.
 
[2] “A República”, Platão, Ed. Nova Cultural, 1997, páginas 30-37, Coleção “Os Pensadores”, tradução de Enrico Corvisieri.
 
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Em setembro de 2016, depois de cuidadosa análise da situação do movimento esotérico internacional, um grupo de estudantes decidiu formar a Loja Independente de Teosofistas, que tem como uma das suas prioridades a construção de um futuro melhor nas diversas dimensões da vida.
 
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