O Texto Mais Longo do Volume
Não Foi Escrito por Helena P. Blavatsky
Carlos Cardoso Aveline
Visão parcial de uma escultura de Helena Blavatsky feita por Alexey
Leonov, e a imagem de capa da edição em inglês de “Ocultismo Prático”
Leonov, e a imagem de capa da edição em inglês de “Ocultismo Prático”
Todo peregrino sabe que a caminhada espiritual inclui inúmeras ilusões e armadilhas. Por isso deve-se ter atenção crescente a cada novo trecho do caminho.
Algumas armadilhas são internas. Outras são externas. Todas são sutis. Parte das armadilhas externas está na própria literatura que circula como sendo “teosófica”. Isso ocorre porque, tendo abandonado o caminho estreito da verdade, a Sociedade de Adyar desenvolveu uma notável falta de atenção em suas práticas editoriais, e cometeu erros sem conta nas obras que publicou desde a morte de Helena Blavatsky em 1891. As consequências atingem o conjunto do movimento esotérico e o grande público.
Nossos websites associados apresentam textos documentando os principais erros editoriais que ainda hoje atrapalham a literatura teosófica, iludindo estudantes em todo o mundo. Uma radiografia a respeito foi realizada no meu livro “The Fire and Light of Theosophical Literature”.[1]
A distorção do texto de “A Doutrina Secreta” nos anos 1890 por parte de Annie Besant é um exemplo entre muitos. A versão de Annie Besant ainda é a edição de “A Doutrina Secreta” que predomina em mais de um idioma, embora a própria Sociedade de Adyar já a tenha abandonado em inglês desde 1979. O projeto de publicar em português a edição original desta obra máxima da literatura filosófica é um desafio presente na agenda do e-grupo SerAtento e da Loja Independente de Teosofistas.
Outro exemplo prático desta política editorial pouco séria está no pequeno volume “Ocultismo Prático”, publicado em língua portuguesa pela Editora Pensamento, de São Paulo, e pela editora Teosófica, de Brasília. O volume inclui como se fosse de Helena Blavatsky o texto “Algumas Sugestões Práticas para a Vida Diária”. Seu autor, no entanto, não é a sra. Blavatsky. Além disso, o texto contém ideias falsas e que levam os estudantes à confusão.
Os outros dois textos do volume publicado sob o título de “Ocultismo Prático” são, efetivamente, de H.P. Blavatsky. Eles são os artigos “Ocultismo Prático”, que dá título ao volume, e “Ocultismo Versus Artes Ocultas”. O longo texto “Algumas Sugestões Práticas para a Vida Diária”, no entanto não só não foi escrito pela sra. Blavatsky como, em vários pontos, cai no terreno pantanoso da pseudoteosofia neocristã.
Logo no primeiro parágrafo, o texto aconselha o leitor:
“Levanta cedo, logo que tenhas despertado, sem ficar deitado indolentemente na cama, meio sonolento e meio desperto. Então reza com fervor pedindo para que toda a Humanidade possa ser regenerada espiritualmente, que aqueles que estão lutando no caminho da verdade possam ser encorajados por tuas preces, que trabalhem com mais ardor e que obtenham sucesso, e que tu possas ser fortalecido e não ceder às seduções dos sentidos. Imagina mentalmente a figura de teu Mestre em estado de Samadhi. Fixa essa imagem diante de ti, preenche-a com todos os detalhes, pensa nele com reverência, e reza para que todos os erros de omissão e comissão possam ser perdoados. Isso facilitará grandemente a concentração, purificará o teu coração, e muito mais.”[2]
Ocorre que, em teosofia, não se recomenda rezar. H. P. Blavatsky abordou o tema no capítulo quinto da sua obra “A Chave da Teosofia”.
Ao fazer preces e pedidos, o devoto toma uma atitude passiva, optando pela irresponsabilidade cármica. Na verdade, cabe ao aprendiz desenvolver uma vontade ativa e criativa, e plantar o carma que ele deseja colher. É uma ingenuidade pedir ou fazer preces para que isso ou aquilo ocorra. No discipulado e na aspiração ao discipulado, é inadmissível pedir favores a algum Mestre, e muito menos esperar que o perdão de um Instrutor remova as consequências dos erros cometidos. O parágrafo citado do texto coloca o suposto Mestre na posição lamentável de um padre ouvindo a confissão de alguém.
O discípulo e o aspirante ao discipulado devem assumir a responsabilidade pelos seus próprios erros. Devem tratar de eliminar as suas consequências, no que for possível, e sobretudo as suas causas, para que os erros não se repitam no futuro. O aprendiz não deve tentar transferir a responsabilidade para algum Mestre, pedindo “perdão” e assim lavando as mãos em relação à responsabilidade pelo que fez. Ao invés disso, o aspirante deve agir corretamente para que sua própria consciência interna o aprove; ou para eliminar as razões de alguma desaprovação que sinta em sua consciência mais profunda. O papel do Mestre não é fazer favores pessoais ou distribuir absolvições. Cabe ao Mestre dar elementos para que o aprendiz trabalhe com autonomia e eficiência, produzindo sua autolibertação através do autoconhecimento, da autorresponsabilidade e do caminho do altruísmo.
O alerta sobre esta bem-intencionada falsificação editorial de Adyar é oportuno para evitar que os estudantes sejam desorientados pelo texto “Algumas Sugestões Práticas para a Vida Diária”.
A responsabilidade dos editores em língua portuguesa limita-se ao fato de que traduziram o volume editado originalmente em inglês. No entanto, nada impede que sejam tomadas medidas práticas, por parte dos editores, para a correção deste erro em nosso idioma.
Um simples exame do texto mostra que ele é uma coletânea de parágrafos tirados de várias publicações. Os pesquisadores canadenses Ernest Pelletier e Ted G. Davy alertam para o fato de que estas transcrições não são nem mesmo fiéis aos seus respectivos originais, o que compromete o seu valor como citações. O teosofista norte-americano Dallas Tenbroeck [3] também fez pesquisas reveladoras a respeito.
NOTAS:
[1] Publicado em 2013 em Portugal por The Aquarian Theosophist, com 255 páginas. O tema e o enfoque do presente artigo são desenvolvidos no capítulo 12 de “The Fire and Light”.
[2] “Ocultismo Prático”, Helena Blavatsky, Ed. Teosófica, Brasília, edição de bolso, 208 pp., ver pp. 13-15. Veja também “Ocultismo Prático”, H. P. Blavatsky, Ed. Pensamento, SP, pp. 51-79. A primeira edição em língua inglesa desse volume é de 1948. A sua oitava impressão foi realizada em Adyar, Índia, em 1989, e tem 106 páginas em formato de bolso, sob o título “Practical Occultism”. Ali, o texto falsamente atribuído a H.P. Blavatsky aparece às pp. 63-106.
[3] O teosofista norte-americano Jerome Wheeler ajudou a levantar dados. As análises de Ernest Pelletier, Ted G. Davy, Jerome Wheeler e Dallas Tenbroeck foram repassadas individualmente ao autor da presente nota no segundo semestre de 2005.
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Uma versão anterior do texto acima foi publicado pela primeira vez sem indicação de nome de autor, na edição de novembro de 2010 de “O Teosofista”.
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Em setembro de 2016, depois de cuidadosa análise da situação do movimento esotérico internacional, um grupo de estudantes decidiu formar a Loja Independente de Teosofistas, que tem como uma das suas prioridades a construção de um futuro melhor nas diversas dimensões da vida.
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