O Compromisso Prático de Melhorar a Si Mesmo
Carlos Cardoso Aveline
Considera-se em geral que a vitalidade do movimento esotérico ou teosófico depende da pureza do compromisso dos seus membros, que em alguns casos envolve diretamente a alma do indivíduo e invoca a sua relação com a lei da justiça universal.
Se essa ideia é correta, sempre que quisermos discutir e avaliar a real força do movimento esotérico será necessário examinar a vitalidade dos compromissos e intenções dos teosofistas, começando pelo nosso próprio exemplo. Os votos podem ser formais ou informais, isso não importa.
Samuel Pufendorf afirma que “um juramento é feito para dar um forte apoio à nossa fala e a todas as ações que envolvem a fala”, porque “é uma afirmação religiosa, pela qual renunciamos ao nosso direito” à compaixão divina, e “chamamos pelo castigo divino se não estivermos falando a verdade”.[1]
“Um juramento”, diz ele, “faz com que se acredite que há sinceridade ao invocar uma testemunha e um juiz severo” – o nosso eu superior, um instrutor divino, a lei universal. Achamos difícil acreditar que alguém possa ser tão materialista que evoca para si mesmo – se podemos usar termos teosóficos – a retribuição negativa da lei universal.
No entanto, afirma Pufendorf, não há uma compulsão real em um voto feito diante de uma divindade na qual não se acredita, e pela qual não há nem medo nem respeito. [2] O compromisso só será real se for feito enquanto evocamos como testemunha alguma forma de inteligência divina na qual sinceramente acreditamos.
Pufendorf acrescenta:
“Esta é também a razão pela qual, se o indivíduo jura por falsos deuses que considera deuses autênticos, ele está indubitavelmente comprometido pelo voto, e se quebrar o seu compromisso estará de fato cometendo perjúrio. Porque era a noção geral da divindade que ele tinha diante de si, sob qualquer forma externa particular; e portanto, ao cometer conscientemente perjúrio ele destrói, no que depende dele, a reverência [que deve haver diante do mundo divino].” [3]
Como poderíamos explicar então o fato de que desde os anos 1880 muitos teosofistas romperam a promessa interior feita a si mesmos, embora ao fazê-la tenham invocado a presença secreta da Lei universal, e dos seus próprios níveis superiores de consciência?
Em tais circunstâncias, talvez seja inevitável deduzir que eles não acreditavam de fato na Lei, e não tinham uma ligação consciente suficientemente forte com os seus próprios eus superiores. Como resultado, o compromisso não tinha valor real, ou valor prático, para eles.
A vida é um professor severo. Não há dúvida sobre isso. No entanto os fracassos sempre podem ser curados, enquanto houver sinceridade consigo mesmo. E ainda quando o cenário de curto prazo for desfavorável, cabe lembrar que outras oportunidades se apresentarão em vidas futuras.
A Substância de um Compromisso
Para que sejam reais, o juramento, o voto e a palavra de honra devem ser pronunciados com uma intenção deliberada, afirma Pufendorf.
“…O cidadão certamente não fica ligado a um juramento”, acrescenta o pensador alemão, “se ele apenas o enuncia ao lê-lo ou pronuncia as suas palavras (na primeira pessoa do singular) na presença de outro indivíduo. Mas aquele que faz o procedimento externo de assumir seriamente um compromisso estará com certeza ligado ao voto por uma obrigação, seja o que for que estivesse passando pela sua cabeça enquanto ele assumia o compromisso. Porque toda a utilidade do voto na vida humana seria destruída, e desapareceriam todos os meios de alguém comprometer-se a uma obrigação pelo uso de palavras e símbolos, se uma tácita atitude de reserva pudesse evitar que a ação produzisse aqueles efeitos que é realizada para provocar.”
Pufendorf diz que os votos não criam qualquer obrigação nova, ou adicional. Funcionam como reforço de alguma obrigação que deve ser válida em si mesma. Nenhum voto de cometer ações erradas é legítimo. O efeito de um compromisso solene é anulado se o peregrino descobre que a ação a ser feita é fraudulenta, desonesta, ou moralmente errada.
Por outro lado, o juramento deve dar mais força a um dever viável, e não a alguma tarefa impossível.[4] Em filosofia, a consciência interna de cada um é o principal juiz das suas ações, dos seus compromissos e dos seus esforços para alcançar uma meta sagrada.
O Carma irá operar como uma lei de ação e reação diante de tudo o que eu faça nos níveis visíveis e invisíveis da vida. No entanto, cabe a mim ser responsável por meus compromissos, e nenhuma autoridade externa pode substituir minha responsabilidade no que diz respeito ao caminho espiritual. A prática jesuítica de obter autoridade sobre pessoas ao induzi-las a fazer votos religiosos não pode ser aceita em teosofia. O peregrino deve ser corretamente informado sobre a natureza e as implicações de assumir um sério compromisso consigo mesmo e com os seus níveis superiores de consciência. No entanto, nenhuma “autoridade” pode tomar uma decisão pelo peregrino em tais questões. Ninguém tem o direito de induzi-lo a esta ou aquela escolha. [5]
Naturalmente, a energia transformadora de um compromisso espiritual é bastante forte. Ela sacode as estruturas da rotina e do carma passado do indivíduo.
Administrar as ondas magnéticas de testes não é uma tarefa simples. A preservação da pureza e da força da decisão de expandir o contato com o eu superior requer um tipo específico de conhecimento prático. A partilha da experiência acumulada por diferentes peregrinos em várias circunstâncias pode ser útil a aqueles que conhecem a lei inevitável da autorresponsabilidade.
Uma Intenção que Renasce
A experiência histórica mostra que tanto no movimento teosófico como nos outros aspectos da vida, as decisões individuais baseadas em altruísmo precisam ser renovadas com regularidade.
O compromisso no sentido de melhorar a si mesmo requer uma luta diária contra velhos hábitos, individuais e coletivos. Queiramos ou não, a estrutura das relações profissionais mudará de dentro para fora. As relações familiares e as amizades serão testadas e alteradas. A transfiguração é às vezes lenta, outras vezes súbita. O caminho do conhecimento divino abrange todas as dimensões da vida e traz formas desconfortáveis de mudança externa.
O progresso é com frequência invisível, enquanto os obstáculos chamam facilmente a atenção. Várias formas anuais e diárias de renovar a decisão sagrada podem ser praticadas de modo a gradualmente fortalecer a vontade.
A obediência cega e o mero apego a este ou aquele procedimento ritualista serão basicamente inúteis. A semente de sabedoria – o compromisso de agir com intenção correta – deve ser preservada e protegida de formas constantemente renovadas.
Não há um manual de instruções sobre como administrar a vida depois que é tomada a decisão de buscar a sabedoria divina. A paciência de uma tartaruga é tão necessária quanto a velocidade de um relâmpago. O que fazer e como agir depende de muitos fatores. Em qualquer ocasião, o aprendizado da alma é mais importante que as atividades externas. O êxito ou fracasso no reino das aparências não significa coisa alguma para o compromisso interior. A derrota pessoal pode trazer lições sagradas. As vitórias com frequência abrem a porta para a indulgência e o fracasso.
Deixar de lado o apego ao conforto e concentrar-se no trabalho diante de si é algo decisivo para quem deseja preservar a sua lealdade à meta do autoaperfeiçoamento. Dois fatores ajudam o peregrino a permanecer humilde e a aumentar a sua capacidade de aprender: um deles é reconhecer a inutilidade de alguns sentimentos pessoais. O outro é praticar a auto-observação desde o ponto de vista da sua potencialidade sagrada.
O autoesquecimento purifica o modo como alguém olha a vida e prepara a alma para aprender a filosofia do altruísmo universal. No entanto, nada no caminho é tão fácil como o peregrino poderia esperar.
Durante muitos anos, depois da sua decisão de fazer o melhor possível, ele terá de identificar pacientemente e neutralizar a energia do egoísmo infiltrada nas suas intenções nobres, e nas de outras pessoas. O mesmo acontece com os seus próprios sentimentos altruístas e pensamentos elevados, e com os daqueles que o rodeiam. “Ninguém é inteiramente seu amigo, ninguém é inteiramente seu inimigo, todos são seus professores de um modo ou de outro”, diz a filosofia esotérica.
A ignorância espiritual se disfarça constantemente sob a aparência de uma profunda autenticidade. Nos indivíduos, assim como em grupos esotéricos e instituições religiosas, a deslealdade à alma espiritual usa centenas de máscaras elegantes. Cada vez que o peregrino sente orgulho do seu progresso, uma campainha de alarme deveria tocar para ele. Quando o desânimo surge, cabe lembrar das razões para estar feliz com a decisão de longo prazo de buscar o autoaperfeiçoamento.
Década após década, enquanto o peregrino pratica a arte de agir de modo correto, um velho Eu gentilmente morre, e o futuro Eu ganha terreno passo a passo.
Este tipo de ressurreição avança a cada minuto e a cada hora. E também inclui várias encarnações, à medida que a Alma lentamente desenvolve um processo de unidade consciente com a lei universal.
NOTAS:
[1] Do livro “On the Duty of Man and Citizen According to Natural Law”, de Samuel Pufendorf, Cambridge University Press, Reino Unido, 1991, 183 pp., ver p. 80.
[2] “On the Duty of Man and Citizen According to Natural Law”, pp. 80-81.
[3] “On the Duty of Man and Citizen According to Natural Law”, p. 81.
[4] “On the Duty of Man and Citizen According to Natural Law”, pp. 81-82.
[5] Veja em nossos websites associados os artigos “A Força de um Compromisso Sagrado”, “A Fraude da Escola Esotérica”, “Pledges in Theosophy, Real and Phony”, e “Whether Crosbie Broke His Vows”.
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Veja também os artigos “A Escada de Ouro”, “A Motivação Correta”, “Comentários à Escada de Ouro”, “As Sete Cláusulas de um Compromisso”, “O Significado de um Compromisso” e “Examinando Sete Perguntas”. Todos estão disponíveis em nossos websites associados.
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