Um Relato dos Anos 1940
Sobre o Trabalho na Loja São Paulo
 
 
César D’Almeida Campos
 
 
 
Cena da cidade de São Paulo na década de 1940
 
 
 
Nota Editorial de 2017:
 
Em 1921, César D’Almeida Campos foi eleito presidente da loja teosófica “Sirius”, em São Paulo. Quinze anos mais tarde, em dezembro de 1936, ele assumiu  a Presidência da Loja São Paulo e depois foi reeleito por vários mandatos.[1]
 
A partir de 1946, com Armando Sales na presidência da Sociedade Teosófica no Brasil, César passou a ocupar a função de redator-chefe da revista “O Teosofista”. Armando Sales pertencia à mesma loja São Paulo.
 
César D’Almeida Campos é autor  do livro “A Religião Viva do Cristo” (Editora Cultura, 1951).
 
O texto a seguir foi lido no Congresso Teosófico de São Paulo em 1947.[2] Ele mostra a necessidade de determinação e sinceridade para que o movimento teosófico  cresça internamente. Visto no seu contexto histórico, é um retrato da força com que o movimento  retoma impulso no Brasil logo após a  retração dos anos da segunda guerra mundial.[3]
 
Por outro lado, o artigo descreve o desafio enfrentado pelos teosofistas em todo tempo e qualquer lugar. A força interna deste testemunho de 1947 é uma referência e uma lição útil para o trabalho da Loja Independente de Teosofistas, fundada em 2016.
 
(Carlos Cardoso Aveline)
 
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A Teosofia no Brasil
 
César D’Almeida Campos
 
O atual Congresso, que se desenvolve sob grande animação e entusiasmo da parte dos teosofistas das várias partes do nosso querido Brasil, vem lembrar-nos o penúltimo Congresso realizado na vizinha cidade de Santos, em que eu tive oportunidade de defender uma tese, aliás modesta, conquanto sincera, segundo a qual o movimento teosófico somente se desenvolveria de maneira cabal e eficiente, se se fundamentasse em seu princípio básico e fundamental: a FRATERNIDADE.
 
Apoiado neste princípio, desenvolvi a tese pela qual o nosso êxito na obra teosófica dependeria única e exclusivamente de tornarmos este princípio uma coisa vívida, real, profunda e eloquentemente inspiradora de todos os nossos gestos e atitudes dentro de uma Loja Teosófica, preliminarmente, para depois se estender às demais Lojas, englobando o maior âmbito possível.
 
Partimos do princípio de que uma Loja deve firmar-se, antes de mais nada e acima de tudo, na formação de um bloco coeso, amigo e inseparável de, pelo menos sete ou dez pessoas, que se propusessem firme e sinceramente à tarefa de organizar uma Loja Teosófica. Essas pessoas assim unidas, alimentando esse propósito firmemente, cultivando intensamente a amizade entre si, alicerçando realmente esse sentimento profundamente fraternista, estariam fadadas a triunfar em todas as suas atividades, pois que os alicerces estariam sabiamente firmados. Tudo o que se afastasse desse alto objetivo seria um incitamento ao fracasso, seria um motivo sério para a desorganização da Loja, um convite eloquente para a sua própria destruição, porque falsamente constituída.
 
Tenhamos em mente o fato de que, ao ser proposto ao nosso movimento mundial a FRATERNIDADE como seu fundamento, de cujo espírito todos os membros da S. T. devem estar possuídos, para estarem em coerência com o compromisso assumido, tenhamos em mente que o estabelecimento do princípio da fraternidade em nossa instituição mundial obedecia a uma orientação sábia, inspirada por Aqueles que a fundaram dos planos invisíveis da natureza, para isso se servindo de Helena P. Blavatsky e do Coronel Henry Olcott.
 
Assim, pois, a sabedoria da nossa instituição se afirma a cada passo, pela atenção que dermos ao seu principal fim, que é o estabelecimento de um núcleo fraternista no mundo, sem distinção de credo, raça, cor, casta ou nacionalidade. Fugir a esse imperativo é fugir da própria essência do espírito teosófico, é negar justamente o fator preponderante de sua força originariamente divina, de sua sabedoria firme e incontestavelmente comprovada a cada passo de nossa vida.
 
Falar, pois, do trabalho teosófico no Brasil, é falar da nossa Loja Teosófica “São Paulo”, na qual procuramos imprimir séria e honestamente o princípio da FRATERNIDADE por norma e orientação de sua vida. Não o fazemos no intuito de desmerecer o mérito de outras Lojas, pois que todas o têm. Fazemo-lo como o cientista que observa, atento, meticulosamente, o resultado de sua ação. Fazemo-lo para que estejamos cada vez mais integrados no princípio que constitui a força dominante em nosso movimento, o motivo de êxito em nossas atividades, porque tudo escudado nas leis imutáveis e eternas na UNIDADE DO SER.
 
A Loja de São Paulo sempre passou por grandes lutas, sempre teve os seus tropeços, sempre marcou passo, porque, se é verdade que às vezes teve os seus dias transitoriamente felizes, por maior expansão de suas atividades, também é verdade que passava depois por dias de maior obscurecimento e quase letargia mesmo.
 
Foi quando tivemos intuição de que devíamos começar quase inteiramente de novo a obra encetada, com material bom, renovado, unido, perfeitamente leal e sinceramente amigo. 
 
Fôssemos sete, dez, embora. O número era pequeno, mas era um número que representava uma esperança, era um número que falava de sua consistência e durabilidade, porque estava profundamente integrado no ideal teosófico de serviço e realização. Não negamos que, mesmo neste trabalho incipiente tivemos dificuldades, e grandes, a vencer. Houve infiltração de forças contrárias, houve tentativa para estremecer a amizade principalmente entre aqueles mesmos que se propunham a sustentar o movimento. Mas, tudo contribuiu para o êxito final da nossa causa, porque nos servimos dos nossos próprios erros para corrigirmos os nossos passos, acertando-os daí por diante, numa marcha compassada, rítmica e triunfante empós do ideal do verdadeiro serviço e da verdadeira obra teosófica, que era a expansão da Luz dentro do espírito do AMOR entre os membros constituintes da Loja.
 
Tivemos dores de cabeça, por que não dizê-lo, sofremos amargas experiências, tivemos algumas decepções. Afinal, e sempre cônscios de que a VERDADE teria que triunfar, os horizontes se desanuviaram e o sol esplêndido da espiritualidade brilhava no céu azul impregnado do espírito da devoção e do sacrifício, afastando para sempre as últimas trevas que tentavam opor-se às tentativas de maior progresso, às iniciativas visando a maior beleza da revelação teosófica através dos homens.
 
E a nossa Loja se consolidou em sua estrutura mais íntima, e os alicerces foram fincados, realmente, com material de primeira qualidade, visto que era material constituído daquele elemento verdadeiro e eterno: a harmonia de todos para o bem do maior número possível. Assim, contribuímos, nós todos, que constituímos a Loja de São Paulo da Sociedade Teosófica, para a implantação da fraternidade entre nós. Cada um, desde o mais humilde, deu a sua cooperação para o erguimento deste edifício. Por isso não sabemos quem mais brilhou, quem mais se exaltou em seus princípios fraternistas, quem mais se avantajou no espírito dadivoso de tudo oferecer pelo bem da causa teosófica. Preferimos, como Blavatsky dizia, tudo atribuir à Divindade, Única capaz de fazer o Bem, pois é a origem de tudo quanto é Bom, Belo e Verdadeiro.
 
Quero lembrar-vos, pois, do Congresso de Santos, no qual defendi a tese segundo a qual todo trabalho feito dentro de uma Loja Teosófica que não se baseie na união de seus membros, na perfeita harmonia entre todos os seus membros componentes, será um trabalho inútil e falso, e por isso mesmo tenderá ao fracasso; será uma casa construída na areia, na linguagem do Cristo. Mas toda Loja que se alicerçar deveras no espírito de verdadeira fraternidade e harmonia entre todos os seus membros, partindo, primeiro, de um grupo pequeno, para depois ir aos poucos aumentando, representa uma casa construída nas rochas graníticas da estabilidade e do triunfo, porque se assenta na Verdade.
 
E não deixamos a tese apenas em teoria, pois, às vezes costumam dizer que os teosofistas são muito teóricos. O fato de que não nos contentamos com a simples enunciação de belas ideias, está aí, no quadro que a Loja de São Paulo da S. T. oferece a todos os seus visitantes, quadro animador e feliz, porque formado de elementos amigos e idealistas, cada um porfiando por mais fazer em favor da nossa causa.
 
E não vamos atribuir o êxito desse trabalho a nós, pequeníssimas criaturas, comparadas com os Grandes Seres que regem majestosamente, sabiamente, todos os fenômenos incríveis da natureza, Aqueles Grandes Seres que constituem verdadeiramente a Luz, a Força, a Grandeza, a Sabedoria e o AMOR irradiados através do nosso movimento teosófico. Acreditamos no que dissera uma grande Entidade, o próprio Maha-Chohan, que, enquanto houver duas ou três pessoas verdadeiramente identificadas com esta grandiosa causa, a Sociedade Teosófica não havia de perecer. Basta que nos adestremos na difícil arte de nos abrirmos ao influxo dessas Vidas maravilhosas, que a toda hora buscam canais através dos quais extravasar a riqueza infinita de que são possuidoras.
 
NOTAS:
 
[1] A Loja São Paulo foi fundada em  primeiro de fevereiro de 1919, conforme João Batista Brito Pinto informa em seu artigo “Breve Histórico da Teosofia no Brasil”. O texto de Brito está disponível em nossos websites associados. (CCA)
 
[2] O artigo “A Teosofia no Brasil” é reproduzido da edição de novembro de 1948 da revista “O Teosofista”, pp. 394-397. Sobre César D’Almeida Campos, veja “A Teosofia e a Sociedade Teosófica no Brasil – Subsídios, 1896-1946”, dossier de João Batista Brito Pinto, 1995, 105 pp., especialmente páginas 38, 45, 47, 48, 49, 55. O livro “A Religião Viva do Cristo” ainda pode ser encontrado em algumas livrarias de livros usados. (CCA)
 
[3] Sobre a marcada retração das atividades teosóficas durante a segunda guerra mundial, especialmente depois que o Brasil entra na guerra em 1943, veja o dossier “A Teosofia e a Sociedade Teosófica no Brasil – Subsídios”, de João Batista Brito Pinto, 1995, pp.  49-50. (CCA)
 
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Sobre a história do movimento teosófico no Brasil, veja em nossos websites associados os artigos “Breve Histórico da Teosofia no Brasil”, “Leadbeater Diz Que Matou Brasileiros”, “Bispo Católico Visita Plantações em Marte”,  “Besant Anuncia Que é Mahatma”, “Origem do Movimento Teosófico no Brasil” e “A Fraude da Escola Esotérica”. 
 
Outros exemplos de  textos de interesse histórico disponíveis em nosso acervo online: “Carta de Seidl Para Gervásio, Sem Data”, “Como Surge a Loja Rio de Janeiro”, “Krishnamurti e a Teosofia”, “Fabricando um Avatar”, “Celebrando o Dia Oito de Maio”, “Krishnamurti e as Ilusões Besantianas”, “O Racismo em Nome da Teosofia”, “A Teosofia e a Segunda Guerra Mundial” e “Prelúdio Para Um Irmão Que Parte”. Vale a pena ler o artigo “O Que a Teosofia Ensina”, de Aleixo Alves de Souza.
 
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Em setembro de 2016, depois de uma análise da situação do movimento esotérico internacional, um grupo de estudantes decidiu formar a Loja Independente de Teosofistas. Duas das prioridades da LIT são tirar lições práticas do passado e construir um futuro saudável
 
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