Relato Sobre os Meus Irmãos de Sangue
Carlos Cardoso Aveline
Descrevo agora a família a que pertenço.
Meus irmãos de sangue são os negros escravizados e espancados em qualquer século e qualquer lugar.
São meus familiares os integrantes dos povos indígenas das três Américas, massacrados em nome de uma igreja imperial. Sou filho humilde dos seis milhões de judeus assassinados a sangue frio na segunda grande guerra.
São meus irmãos os vinte milhões de russos caídos enquanto seu país derrotava o nazismo na década de 1940. Assim como os civis inocentes mortos nas guerras dos últimos três mil anos em todos os continentes.
Sou irmão dos cristãos anabatistas, os menonitas seguidores da lei da não-violência. Membros do meu núcleo familiar básico, eles foram perseguidos, torturados e assassinados na Europa “cristã” – até encontrarem refúgio nos Estados Unidos e outros países.
São meus irmãos, portanto, os Amish, e os Huteritas.
Corre nas minhas veias o mesmo sangue dos adventistas. São meus irmãos os milhões de andinos que durante o período colonial foram presos e massacrados em nome de Jesus.
Meus irmãos foram mortos no genocídio armênio, começado em 1915 e que prosseguiu até depois da primeira guerra mundial.
São meus irmãos os que sangraram nas guerras europeias de todos os tempos.
Assim como os que lutaram e morreram pelo bem de Portugal e do Brasil, frequentemente iludidos por algum ideal generoso e sem base firme.
Sou irmão gêmeo do povo chinês, do povo japonês, da população da Mongólia, dos habitantes da Coreia do Norte e da Coreia do Sul.
Meus irmãos habitam cada cidade de Israel.
São da minha família mais próxima os árabes israelenses que amam a paz, e cada árabe, de qualquer país, que respeita a Vida.
São meus irmãos os milhões de persas-iranianos que querem o bem da humanidade,
E os que combatem o uso da violência física ou mental contra judeus, e contra qualquer ser humano.
São meus irmãos os membros de todas as famílias terrestres.
O casal humano é sagrado.
Cada grupo familiar é um processo divino e deve ser visto como um centro de luz espiritual.
São meus irmãos e primos os habitantes dos países lusófonos. Devo esclarecer minha nacionalidade: sou moçambicano, angolano, português e timorense. Sou de Guiné-Bissau. Vivo em Cabo Verde, em Macau, e cada pequena comunidade em que se fala o português.
Nasci em todos os estados do Brasil. Algo de mim vive em cada município e aldeia de Portugal. Meu nascimento ocorreu no mundo hispânico. E teve lugar no universo cultural anglófono.
Não nasci apenas uma vez, mas muitas, e faço isso todas as manhãs. Vim ao mundo nos mais diferentes povos, falei em idiomas que hoje desconheço.
São meus irmãos as florestas, as árvores, os oceanos, a chuva, o relâmpago.
Sou filho do sol. Sou irmão dos leitores destas linhas. Entre meus familiares mais próximos estão a pedra, a grama e o vento. A fraternidade me une aos pássaros e às abelhas. Sou irmão dos cachorros, dos gatos, dos porcos-espinhos – e dos eucaliptos.
Meu núcleo familiar mais imediato, que acabo de descrever, é um microcosmo. Resume a família maior de galáxias a que pertencem os seres humanos.
O limite último deste núcleo de parentescos não está em parte alguma.
O seu centro, por sua vez, é onipresente. Ele pulsa aqui e agora, em todos os lugares e nas mais diversas eternidades.
(Om, shanti.)
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O texto “A Família de um Teosofista” foi publicado dia 01 de agosto de 2018.
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