A Verdadeira Meditação Ocorre nas 24 Horas do Dia
Damodar K. Mavalankar
Esta foto, dos anos 1880, reúne vários pioneiros
do movimento teosófico. Damodar Mavalankar está sentado no chão,
aos pés de Helena Blavatsky, à direita dela (à esquerda de quem olha para a foto).
0000000000000000000000000000000000000000000000000000000000
Nota Editorial
A trajetória do autor de “A
Contemplação”, Damodar Mavalankar, é um
caso único na história do movimento esotérico.
A parte visível da sua carreira foi curta e brilhante.
Em 1885, ainda jovem, ele era um dos principais
líderes e pensadores teosóficos quando foi convidado
pelos Mestres de Raja Ioga que inspiram o movimento
teosófico para viver em seus Ashrams nos Himalaias – e
desapareceu do mundo. Seus escritos, que não são muitos,
têm um longo alcance e grande profundidade. O primeiro
texto a seguir foi publicado em fevereiro de 1884 na revista
“The Theosophist”, cerca de um ano antes da transferência
de Damodar para os Himalaias. Na época, a publicação era
dirigida por H.P. Blavatsky. Em seguida, nas edições de abril
e agosto daquele ano, cartas ao editor levantaram questões em
torno deste texto, e as duas respostas de Damodar são incluídas
aqui na continuação do texto inicial. Todo o material foi
re-publicado pela revista “Theosophy”, edição de janeiro de
1948, pp. 119-128, de onde é feita essa tradução. Os textos
também estão incluídos no volume “Theosophical Articles and
Notes”, The Theosophy Company, Los Angeles, EUA, 1985,
314 pp., ver pp. 39-48 – e na obra “Damodar”, de Sven Eek,
TPH, Índia, 1978, 720 pp. O título original é “Contemplation”.
(Carlos Cardoso Aveline)
0000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000
A Contemplação
Parece haver uma falta de compreensão generalizada sobre o significado deste termo. A ideia popular é que se trata de ficar imóvel, confinado durante meia hora, ou no máximo duas horas, em uma sala determinada; e olhar fixamente para o próprio nariz, para um ponto na parede, ou talvez para um cristal. Se supõe que esta seja a verdadeira forma de contemplação usada em Raja Ioga.
Essa visão não leva em conta que, para o verdadeiro ocultismo, os desenvolvimentos “físico, mental, moral e espiritual” devem ocorrer em linhas paralelas. Se a concepção estrita de contemplação se aplicasse a todas estas linhas de desenvolvimento, não haveria uma necessidade tão urgente de que este artigo fosse escrito. O presente texto é dirigido especialmente para beneficio daqueles que não parecem ter compreendido o real significado de Dhyan, e que devido às suas práticas equivocadas atraíram e ainda atraem dor e sofrimento para si mesmos.
Em Bareilly [cidade do Norte da Índia, NT ], o autor destas linhas encontrou um certo teosofista de Farrukhabad, que narrou suas experiências e derramou lágrimas amargas de arrependimento pelas loucuras que fez, segundo a expressão usada por ele. A partir desse relato, parece que cidadão, tendo lido o “Bhagavad Gita” cerca de 15 ou 20 anos atrás, e mesmo sem compreender o significado esotérico da contemplação abordada naquela obra, dedicou-se à prática e perseverou nela vários anos. No início experimentou uma espécie de prazer, mas sentiu ao mesmo tempo que estava perdendo autocontrole; até que alguns anos mais tarde ele descobriu, com grande assombro e sofrimento, que não era mais senhor de si mesmo. Sentia que seu coração estava ficando pesado, como se uma carga tivesse sido colocada sobre ele. Não tinha controle sobre suas sensações; na verdade, a comunicação entre o cérebro e o coração estava como interrompida. Como a situação piorava cada vez mais, ele abandonou amargurado a sua “contemplação”. Isso aconteceu sete anos atrás; e embora desde então ele não tenha se sentido pior, nunca recuperou o estado saudável original em termos de corpo e mente.
Outro caso ocorreu em Jubbulpore. Um cidadão, depois de ler Patañjali e outras obras semelhantes, começou a sentar-se para praticar “contemplação”. Pouco tempo depois, começou a ter visões anormais e a ouvir sinos musicais, mas não podia exercer controle algum sobre estes fenômenos, nem sobre suas próprias sensações. Ele não podia produzir tais efeitos por vontade própria, nem conseguia pará-los quando estavam ocorrendo. Exemplos como estes são inúmeros. Enquanto escreve estas linhas, o autor tem sobre sua mesa duas cartas sobre este assunto, uma de Morabad e a outra de Trichinopoly. Em resumo, todo esse problema é devido a uma compreensão equivocada do significado da contemplação tal como é recomendada por todas as escolas de Filosofia Oculta. Com o objetivo de permitir um vislumbre da Realidade através do denso véu que encobre os mistérios desta Ciência das Ciências, foi escrito um artigo, “O Elixir da Vida” (“The Elixir of Life”) . Infelizmente, em muitos casos, a semente parece haver caído em solo árido. Alguns dos leitores do artigo só deram atenção a esta frase no texto:
“Deve ser praticado e encorajado o raciocínio que vai do conhecido para o desconhecido – a meditação.”
Mas, lamentavelmente, as concepções prévias deles impediram que compreendessem o que se queria dizer com “meditação”. Eles esqueceram de que, como mostra a frase seguinte, meditação “é a inexprimível ânsia do homem interior por ‘sair em direção ao Infinito’, o que nos tempos antigos constituía o real significado da adoração”. Uma boa quantidade de esclarecimento será obtida, nesse assunto, se o leitor examinar o trecho anterior do mesmo texto, e ler atentamente os seguintes parágrafos na página 141 de “The Theosophist” de Março de 1882 (Vol. III, número 6):
“Assim, então, chegamos ao ponto em que decidimos romper – literal e não figuradamente – a casca externa conhecida como espiral mortal, ou corpo, e sair dela vestidos com a nossa casca seguinte. Essa ‘casca seguinte’ não é uma forma espiritual, mas apenas uma forma mais etérea. Tendo alcançado uma adaptação para viver nesta atmosfera através de longos treinamento e preparação, durante os quais gradualmente fizemos com que a casca externa morresse através de um certo processo . . . temos de nos preparar para esta transformação fisiológica.”
“Como vamos fazer isto? Em primeiro lugar, nós temos que lidar com o corpo real, visível, material – o SER HUMANO, embora na verdade essa seja apenas a sua casca externa. Devemos lembrar que, segundo a ciência, a cada sete anos, mais ou menos , nós trocamos de pele tão literalmente como uma serpente; e isto de maneira tão gradual e imperceptível que, se a ciência não nos afirmasse isso depois de anos de estudo e observação incessantes, ninguém teria a menor ideia a respeito. . . . portanto, se um homem que perde parte da sua pele pode às vezes sobreviver e ser coberto por uma nova pele, – assim também o nosso corpo astral, nosso corpo vital . . . . pode ser levado a endurecer as suas partículas diante das mudanças atmosféricas. O segredo para isso está em conseguir fazer com que ele saia, separando-o do corpo visível; e, enquanto os seus átomos geralmente invisíveis passam a concretizar-se em uma massa compacta, deve-se gradualmente deixar de lado as velhas partículas do nosso corpo visível de modo a fazer com que morram e desapareçam antes que o novo conjunto tenha tido tempo de surgir e substituí-las . . . . Não podemos dizer mais a respeito.”
Uma compreensão correta do processo científico mencionado acima dará pistas para o significado esotérico da meditação ou contemplação. A ciência ensina que cada homem troca continuamente seu corpo físico, e esta mudança é tão gradual que é quase imperceptível. Por que deveria ser diferente com o homem interno? Este último também está constantemente desenvolvendo-se e trocando átomos a cada momento. E a atração destes novos conjuntos de átomos depende da Lei de Afinidade: os desejos do homem atraem à sua moradia corporal apenas as partículas que estejam em relação com eles ou mais precisamente que estejam dando a eles sua própria tendência e colorido.
“Porque a ciência mostra que o pensamento é dinâmico, e que a força do pensamento liberada pela ação dos nervos que se expande para o exterior deve afetar as relações moleculares do homem físico. O homem interno, por mais sublimado que possa ser o seu organismo, ainda está composto por partículas reais, não hipotéticas, e ainda está sujeito à lei segundo a qual uma ‘ação’ tende a repetir-se; há uma tendência a estabelecer uma ação análoga na ‘casca’ mais grosseira em cujo interior as partículas se ocultam e com a qual têm contato. (‘O Elixir da Vida’ ).”
O que é que o aspirante à Yog Vidya [Sabedoria da Ioga] busca, exceto obter Mukti, transferindo-se gradualmente do corpo grosseiro para o próximo corpo mais etéreo, até que todos os véus de Maya sejam eficientemente removidos e seu Atma se torne um com Paramatma? Será que ele supõe que este grande resultado pode ser alcançado por uma contemplação de duas ou quatro horas? Durante as vinte ou vinte e duas horas restantes, em que o devoto não se fecha em seu quarto para meditar – estarão interrompidos o processo de emissão de átomos e a substituição deles por outros? Caso não estejam interrompidos, então como ele pretende atrair, durante todo o tempo, apenas os que são adequados para o seu objetivo? A partir das considerações feitas acima, é evidente que, assim como o corpo físico requer uma atenção incessante para prevenir a entrada de uma doença, do mesmo modo o homem interno requer uma constante vigilância, de modo que nenhum pensamento consciente ou inconsciente possa atrair átomos inadequados para o seu progresso. Esse é o real significado da contemplação. O fator primordial na orientação do pensamento é a VONTADE.
“Sem isso, todo o resto é inútil. E, para que tenha eficácia, é preciso que não seja meramente uma decisão passageira e momentânea, um simples desejo intenso de curta duração, mas um esforço estabelecido e contínuo, e tanto quanto possível concentrado e continuado sem um só momento de interrupção (relaxamento).”
O estudante fará bem em reparar na parte colocada em itálico na citação acima. E ele também deve manter registrado de modo indelével em sua mente que –
“É inútil fazer jejum enquanto se necessita comida . . . . O essencial é deixar de lado o desejo interno, e fazer uma imitação da coisa real é pura hipocrisia e uma escravidão inútil.”
Se não compreender a importância deste fato extremamente significativo, qualquer um que em determinado momento encontra motivo para discordar de algum membro da sua família ou que vê a sua vaidade ferida, que tem algum impulso sentimental ou que sente um desejo egoísta de usar sua força divina para propósitos grosseiros – imediatamente se apressa a praticar contemplação, e se lança desastrosamente sobre a dura rocha que divide o conhecido do desconhecido. Chafurdando no lodo do exoterismo, ele não sabe o que é viver no mundo e não ser do mundo. Em outras palavras, defender o eu contra o eu é um axioma incompreensível para quase todos os profanos. Pelo menos os hindus deveriam ser capazes de compreender isto, ao lembrar da vida de Janaka, que, embora fosse um monarca exercendo o poder, era considerado raja-iogue e se dizia dele que havia alcançado o Nirvana. Ouvindo falar sobre sua vasta fama, alguns fanáticos sectários foram à sua Corte para testar os seus poderes de Ioga. O rei leu seus pensamentos – um poder que todo chela desenvolve em certo estágio – e assim que eles chegaram ao salão da corte, deu instruções secretas para que em uma certa rua da cidade fossem colocadas garotas dançando e cantando as canções mais sensuais. Ele mandou que alguns gharas (potes) fossem enchidos com água até o limite, de modo que a menor oscilação derramasse o seu conteúdo. Os indivíduos pretensiosos receberam então ordens de caminhar pela rua tendo um ghara (pote) cheio sobre a cabeça, rodeados de soldados com espadas desembainhadas que seriam usadas contra eles se uma só gota de água se derramasse.
Quando os pobres coitados voltaram ao palácio depois de passar exitosamente pelo teste, o Rei-Adepto perguntou a eles o que haviam visto na rua que tiveram que percorrer. Com grande indignação, eles responderam que a ameaça de serem cortados em pedaços havia tido tamanho impacto sobre suas mentes que não pensaram em coisa alguma exceto na água sobre suas cabeças; e a intensidade da sua atenção não havia permitido que tomassem conhecimento do que estava acontecendo ao redor deles. Então Janaka explicou-lhes: com base no mesmo princípio, eles poderiam entender que, embora externamente engajado na administração dos assuntos de estado do seu reino, ele podia ao mesmo tempo ser um Ocultista. Também ele, embora estivesse no mundo, não era do mundo. Em outras palavras, suas aspirações internas haviam-no levado continuamente para a frente, em direção àquela meta na qual todo o seu ser interior estava concentrado.
A Raja Ioga não encoraja qualquer fingimento, e não requer posturas físicas de espécie alguma. A Raja Ioga diz respeito ao homem interno, cuja esfera está no mundo do pensamento. Manter diante de si o mais elevado ideal e esforçar-se incessantemente para erguer-se até ele – essa é a única verdadeira concentração reconhecida pela Filosofia Esotérica, que lida com o mundo interno dos númenos, e não com a casca externa dos fenômenos.
A primeira exigência da filosofia esotérica é uma completa pureza de coração. O estudante de Ocultismo bem poderia dizer, como Zoroastro, que a pureza de pensamento, a pureza de palavras e a pureza de ações são os fatores essenciais para alguém que pretenda erguer-se acima do nível comum e unir-se aos “deuses”. O caminho que deve ser percorrido para alcançar essa meta é o cultivo do sentimento de filantropia inegoísta. Só isso pode levar ao Amor Universal, cuja compreensão constitui o progresso em direção à libertação dos grilhões construídos por Maya em torno do Eu Superior. Nenhum estudante pode alcançar isso de repente, mas, como o nosso VENERÁVEL MAHATMA afirma no livro “O Mundo Oculto”:
“Quanto maior o progresso em direção à libertação, menos ocorrerá isso, até que, na culminação de tudo, os sentimentos humanos e puramente individuais, os laços de sangue e amizade, o patriotismo e as predileções raciais irão todos ceder e transformar-se em um sentimento universal, o único Amor verdadeiro e sagrado, o único Amor inegoísta e eterno, um Amor Imenso pela Humanidade como um todo.”
Em resumo, o indivíduo se une com o TODO.
Naturalmente, a contemplação tal como entendida usualmente não é destituída de algumas pequenas vantagens. Ela desenvolve uma série de aptidões físicas, assim como a ginástica faz em relação aos músculos. Para o propósito de mesmerismo físico, é bastante eficaz; mas não serve para ajudar de modo algum o desenvolvimento de aptidões psicológicas, como o leitor atento pode perceber. Ao mesmo tempo, mesmo para propósitos comuns, todo cuidado é pouco. Alguns supõem que o praticante tem que estar completamente passivo e perder-se no objeto que está diante dele, mas eles deveriam lembrar que, ao praticar deste modo a passividade, eles estão na realidade permitindo o surgimento de funções mediúnicas em si mesmos. Como temos afirmado repetidamente – o Adepto e o Médium são os dois Pólos. Enquanto o primeiro é intensamente ativo e, assim, capaz de controlar as forças elementais, o segundo é intensamente passivo, e assim corre o risco de tornar-se vítima do capricho e da malícia de germes enganadores de futuros seres humanos – e também de Elementários [NT: Elementários são restos astrais de uma pessoa egoísta que já morreu].
000
Correspondência Sobre o Texto “A Contemplação”
I
Lamento que todo o artigo tenha sido inteiramente mal compreendido. Tudo o que quis dizer é que o afastamento temporário da família ou amigos não constitui uma qualificação essencial para fazer progresso em ocultismo. Isso deveria ficar claro para qualquer um que considere cuidadosamente a história de Janaka. Trata-se de, mesmo estando no mundo, não ser do mundo. Muitas pessoas, sem compreender o significado deste importante ensinamento, se apressam movidas por um desprezo sentimental pelas coisas mundanas – que surge provavelmente de uma decepção naquele nível – e começam a praticar o que consideram uma forma autêntica de contemplação. O próprio fato de que esta é a motivação que leva estas pessoas a adotar esta prática . . . . – este fato é uma indicação suficiente de que tais pessoas não sabem como é a “contemplação” de um Raja Iogue. É, portanto, impossível que essas pessoas possam seguir o método correto; e a prática física, que necessariamente realizam, as leva aos resultados desastrosos assinalados no artigo.
Qualquer leitor com intuição suficiente para ser um estudante prático de ocultismo verá de imediato que alcançar a perfeição é o ideal mais elevado que um ser humano pode ter diante de si. Essa não é a tarefa de um dia ou de alguns anos. “Alguém se torna um Adepto, ninguém É TRANSFORMADO em Adepto” – esse é um ensinamento que o estudante deve compreender desde o início. O aspirante trabalha por sua meta ao longo de uma série de vidas. O coronel Olcott diz em seu livro “O Catecismo Budista”: “. . . Incontáveis gerações são necessárias para transformar um homem em um Buddha, e a vontade de ferro de tornar-se um Buddha percorre igualmente todos os renascimentos sucessivos.”
Esta vontade de ferro de tornar-se perfeito deve estar operando incessantemente, sem um só momento de relaxamento, como ficará claro para alguém que leia cuidadosamente o artigo todo. É dito claramente que durante o tempo em que esta contemplação não é praticada, isto é, que a vontade de ferro não está sendo exercida, o processo de emissão e atração de átomos não pára, e que os desejos, instintivos ou não, devem ser regulados de modo a atrair apenas átomos que possam ser adequados a seu progresso. Portanto, não entendo por que meu correspondente pergunta o que ele deveria fazer em uma hora específica da manhã. Ele deve cultivar apenas os pensamentos que não sejam incompatíveis com o mais alto ideal em função do qual ele trabalha.
Devo acrescentar que entendo por perfeição – que deveria ser o seu ideal mais elevado – aquela divina condição humana que a Filosofia Oculta prevê para a sétima raça da sétima Ronda. Isso, como todo principiante sabe, depende em grande parte do cultivo de um sentimento de Amor Universal; portanto, um desejo intenso de fazer algum trabalho filantrópico prático é o primeiro requisito. Mesmo este estado, admito, não é absoluta perfeição: mas o limite máximo de perfeição Espiritual suprema está além da nossa compreensão, atualmente. Aquela condição só pode ser compreendida intelectualmente como um ideal prático por homens divinos como os Dhyan-Chohans. Para estar identificado com O TODO, devemos viver nele e sentir através dele. Como isto poderia ser feito sem a compreensão do sentimento de Amor Universal? Naturalmente, o Adeptado não está dentro do alcance fácil de todos. De outro lado, o ocultismo não atribui nenhum lugar ou localidade desagradáveis para aqueles que não aceitam as suas doutrinas. Ele apenas reconhece evoluções mais e mais altas de acordo com uma cadeia de causas e efeitos que trabalha sob o impulso da lei imutável da Natureza. O artigo sobre “Estudo Oculto” no último número [“The Theosophist”, Março de 1884, pp. 131-133] dá a explicação necessária sobre este ponto.
É desagradável para mim descobrir que exatamente aquilo que tentei assinalar naquele artigo como prejudicial em seus resultados é, novamente, apresentado como um atributo desejável ou como um suplemento da verdadeira contemplação. Eu pediria a quem escreveu a carta que lesse novamente o artigo, com esses comentários adicionais, antes de pensar sobre a necessidade de qualquer postura determinada para o propósito da contemplação. Eu, pelo menos, sou incapaz de indicar qualquer postura específica para o tipo de contemplação incessante que recomendo.
— D.K.M.
II
Apesar do artigo sobre o tema acima, publicado em “The Theosophist” de fevereiro, muitos dos seus leitores ainda imaginam que a “contemplação” é uma determinada forma de olhar fixamente para alguma coisa, um processo que, sendo realizado durante um número estabelecido de horas durante o dia, dará poderes psicológicos. Aparentemente essa compreensão equivocada se deve ao fato de que se perdeu de vista o ponto principal discutido. Em vez de compreender que há apenas uma ideia principal sendo transmitida naquele artigo, e que ela é defendida em muitos dos seus trechos, parece que imaginou-se que quase cada frase expressa uma ideia completamente diferente. Talvez não seja desinteressante nem inútil, portanto, voltar ao assunto e colocar a mesma ideia desde outro ponto de vista e, se possível, sob uma luz mais clara. Primeiro, deve ser levado em conta que o autor do artigo, ao usar a palavra “contemplação”, não queria de modo algum referir-se ao ato de olhar fixamente para algo. Se essa fosse a ideia, ele teria usado a expressão “olhar fixamente”. O Imperial Dictionary of the English Language (1883) define a palavra contemplação da seguinte maneira:
(1) O ato da mente de considerar com atenção; meditação; estudo; atenção continuada da mente para um assunto determinado. Especificamente – (2) Meditação sagrada; atenção a coisas sagradas.
O dicionário Webster’s, edição revista – também dá o mesmo significado.
Vemos assim que contemplação é a “atenção continuada da mente para um assunto determinado”, e, no plano religioso, é a “atenção a coisas sagradas.” É difícil imaginar, portanto, como a ideia de olhar fixamente possa ter sido associada com a palavra contemplação, a menos que seja porque, geralmente, quando um indivíduo está profundamente absorvido em seus pensamentos, ele parece estar olhando fixamente para alguma coisa no espaço vazio. Mas este tipo de olhar é o efeito do ato da contemplação. E, como acontece com frequência, aqui também o efeito parece ser confundido com a causa. Só porque a atitude de olhar fixamente acompanha o ato da contemplação, já se conclui que o olhar fixo é a causa que produz a contemplação! Tendo isso claro em nossas mentes, vejamos agora que tipo de contemplação (ou meditação) o texto “O Elixir da Vida” recomenda para os aspirantes. Ele diz: “Deve ser praticado e encorajado o raciocínio que vai do conhecido para o desconhecido – a meditação.”
Isto significa dizer que a meditação de um chela deve ser “o raciocínio que vai do conhecido para o desconhecido”. O “conhecido” é o mundo dos fenômenos, que é cognoscível pelos nossos cinco sentidos. E tudo o que vemos neste mundo são os efeitos, cujas causas devem ser buscadas no mundo dos númenos, o imanifestado, “o mundo desconhecido”: isto deve ser conseguido através da meditação, isto é, pela contínua atenção ao tema. O Ocultismo não depende de um só método, mas emprega tanto o método dedutivo como o método indutivo. O estudante deve aprender primeiro os axiomas gerais. Durante algum tempo, ele terá naturalmente que adotá-los como hipóteses de trabalho, se ele preferir chamá-los assim. Ou, como “O Elixir da Vida” coloca:
“O que podemos dizer é que se você está ansioso para beber do Elixir da Vida e viver durante mil anos ou algo semelhante, você deve aceitar neste momento o que dizemos a respeito, e avançar com base nesta hipótese. Porque a ciência esotérica não dá a menor esperança de que o objetivo desejado será alcançado de qualquer outro modo; enquanto a ciência moderna, a chamada ciência exata, ri diante do assunto.”
Estes axiomas já foram suficientemente expostos nos artigos sobre o Elixir da Vida e em vários outros que tratam sobre ocultismo, nos diferentes números de “The Theosophist”. O que o estudante tem que fazer primeiro é compreender estes axiomas e, empregando o método dedutivo, avançar do universal para o específico. Ele deve então raciocinar “do conhecido para o desconhecido”, e ver se o método indutivo de avançar do específico para o universal confirma estes axiomas. Este processo forma o primeiro estágio da verdadeira contemplação. O estudante deve primeiro captar o assunto intelectualmente, antes que possa ter a esperança de realizar as suas aspirações. Quando isto é alcançado, vem então o próximo estágio da meditação, que é “a inexprimível ânsia do homem interior por ‘sair em direção ao Infinito’.” Antes que qualquer ânsia desse tipo possa ser adequadamente direcionada, a meta que o estudante deverá ser levado a buscar deve ser determinada durante os estágios preliminares. O estágio mais alto, na verdade, consiste em compreender na prática aquilo que os primeiros passos colocaram dentro do campo da nossa compreensão. Em resumo, a contemplação, no seu verdadeiro sentido, consiste em reconhecer a verdade da afirmação de Eliphas Levi: – “Acreditar sem saber é fraqueza; acreditar porque sabemos, é poder.”
Ou, em outras palavras, trata-se de saber que “CONHECIMENTO É PODER”. O texto “O Elixir da Vida” não só dá os passos preliminares na escada da contemplação, mas também diz ao leitor como realizar as concepções mais elevadas. Ele investiga, em certa medida pelo processo de contemplação, a relação entre o ser humano – “o conhecido”, o manifestado, o fenômeno – e “o desconhecido”, o imanifestado, o númeno. Ele mostra ao estudante que ideal ele deve contemplar e como poderá erguer-se até ele. O texto coloca diante do estudante a natureza das potencialidades interiores do ser humano e diz como desenvolvê-las. Para um leitor superficial, talvez isto possa parecer o máximo do egoísmo. A reflexão ou a contemplação, no entanto, mostrarão que na verdade o que ocorre é o oposto. Porque o texto ensina ao estudante que, para compreender o numenal, ele deve identificar-se com a Natureza. Ao invés de olhar para si mesmo como um ser isolado, ele deve aprender a ver a si mesmo como parte do TODO INTEGRAL. Isso porque, no mundo imanifestado, pode ser claramente percebido que tudo é controlado pela “Lei da Afinidade”, pela atração entre um e outro. Assim, tudo é Amor Infinito, entendido em seu verdadeiro sentido.
Talvez seja apropriado recapitular agora o que já foi dito. A primeira coisa a ser feita é estudar os axiomas do Ocultismo e trabalhar com eles pelos métodos dedutivo e indutivo, o que constitui a real contemplação. Para colocar isto em função de um propósito útil, aquilo que é compreendido teoricamente deve ser compreendido e realizado praticamente. É de se esperar que esta explicação torne mais claro o significado do artigo anterior sobre este assunto.
— D.K.M.
(‘The Theosophist”, Índia, edições de fevereiro, abril e agosto de 1884.)
000
Para conhecer a teosofia original desde o ângulo da vivência direta, leia o livro “Três Caminhos Para a Paz Interior”, de Carlos Cardoso Aveline.
Com 19 capítulos e 191 páginas, a obra foi publicada em 2002 pela Editora Teosófica de Brasília.
000