O Critério Para Nomear
Juízes da Suprema Corte
 
 
Malba Tahan
 
 
 
O conto faz parte de um livro clássico de Malba Tahan (1895-1974)
 
 
 
Achando-se vago o ambicionado lugar de primeiro juiz da Suprema Corte de Justiça, apresentaram-se três doutos candidatos.
 
A fim de fazer uma escolha acertada, capaz de consultar os altos interesses do país, resolveu o Rei submeter os três magistrados a prova de competência. Chamou-os, pois, à sua presença, e mandou que um pajem colocasse a pequena distância uma casca de ovo, por um orifício da qual já haviam previamente extraído a clara e a gema.
 
– Que é aquilo? – perguntou o Rei dirigindo-se ao primeiro candidato.
 
– É um ovo! – respondeu o interpelado sem hesitar um segundo.
 
– Não me serve para juiz – declarou peremptoriamente o soberano. – O senhor é muito precipitado em seus julgamentos!
 
O segundo pretendente, ao ser submetido à prova, foi mais cuidadoso; antes de responder à pergunta – “Que é aquilo?” – aproximou-se da casca, tocou-a de leve com a ponta de um bastão, virando-a e revirando-a de um lado para o outro; depois, voltando-se para o monarca, asseverou:
 
– É uma casca de ovo!
 
– Muito bem! – acudiu pressuroso o Rei. – Vejo que a sua prova foi muito melhor que a do primeiro. Vejamos, entretanto, que poderá dizer, sobre o caso, o terceiro pretendente.
 
Sendo convidado a proferir a sua sentença, o último candidato tomou a casca na mão, quebrou-a e examinou-a minuciosamente por dentro e por fora; retirou dela um pequeno fragmento que foi levado, com os necessários cuidados, a um microscópio moderno para o indispensável exame dos tecidos; fez, com auxílio de preparados químicos, uma análise completa das principais substâncias contidas na preciosa casca; consultou, em seguida, vários livros, dicionários, revistas e tratados sobre aves e ovos. Depois desse longo e apurado estudo apresentou ao Rei um relatório que terminava do seguinte modo:
 
“Do estudo feito posso concluir, com absoluta certeza, que o objeto submetido a exame é uma casca de ovo de pata. (Seguiam-se indicações sobre a idade da pata e do ovo.) Se, porém, convier aos interesses particulares de Vossa Majestade, serei capaz de jurar publicamente que aquilo não era um ovo e sim um espeto!”
 
– Admirável! – exclamou o Rei, cheio de alegria. É este exatamente o homem que me convém para juiz!
 
E nomeou-o.
 
* * *
 
E, ainda hoje, há reis que de outra forma não escolhem os seus juízes…
 
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O conto “O Juiz e o Ovo”, foi publicado nos websites associados dia 30 de dezembro de 2019.
 
Reproduzido da obra “Lendas do Oasis”, Civilização Brasileira Editora, 1933, Rio de Janeiro, 211 pp., ver pp. 133-137.  A ortografia foi atualizada.
 
A reveladora história de como surgiu a narrativa “O Juiz e o Ovo” é contada no texto “Uma Conversa com Malba Tahan”, de Silveira Peixoto. 
 
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A respeito do uso de fábulas para transmitir verdades, veja o conto Uma Fábula Sobre a Fábula”.
 
Clique para ver outros escritos de Malba Tahan. Leia também  “O Mundo de Malba Tahan”.
 
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