Pensador Hegeliano é Influente na Rússia de
Hoje e Começa a Ser Conhecido no Ocidente
Carlos Cardoso Aveline
Ivan A. Il’in, à esquerda, e o líder revolucionário
Vladimir I. Lênin com o jornal “Pravda” em suas mãos
Assim como a alma do seu povo, o território físico da Rússia é imenso. A força espiritual desta nação constitui um mistério, porque as principais lições que ela transmite para os povos ocidentais transcendem o reino das palavras.
A alma russa possui raízes na Ásia: ela funciona como uma ponte cultural, uma área de transição mística e geográfica entre o Oriente e o Ocidente. A Rússia é inseparável das regiões nevadas do planeta. É paradoxal, cheia de contrastes e contradições. A sua alma e a sua atmosfera sutil entusiasmam e também decepcionam. A Rússia tem algo a ensinar a outros povos, e algo a aprender com eles. No entanto o país é raramente compreendido no Ocidente.
Debaixo da superfície, o sentimento de fraternidade é universal na Rússia. A sabedoria espiritual do país encanta a muitos, mas outros tantos reagem do modo oposto. Em sua obra clássica “Interpretação do Brasil”, o pensador Gilberto Freyre escreveu sobre a afinidade natural entre o povo russo e os povos do Brasil e de Portugal. Segundo Freyre, todo o mundo ibérico é internamente semelhante ao país de Dostoievsky. [1]
Vejamos um exemplo.
O cuidadoso diagnóstico feito pelo filósofo Ivan A. Il’in (1883-1954) sobre a Rússia pode ser usado, com eficiência, para um exame em profundidade dos países ibéricos na Europa e na América Latina – sem excluir outros países ocidentais.
Quatro Doenças Para Curar
Influentes na Rússia de hoje, prestigiadas pelo governo de Vladimir Putin, as obras de Il’in afirmam que quatro doenças espirituais levaram o seu país ao caos, à guerra civil e à revolução de 1917.
O primeiro fracasso, afirma Il’in, está na ausência de uma consciência da necessidade de cumprir as leis e as normas. Ou seja, uma falta de “consciência legal”.
A segunda enfermidade decorre da primeira. É a incapacidade coletiva de compreender o funcionamento correto de um Estado organizado, e uma falta de vontade de construir um Estado eficiente e que responda ao povo. A população não se sentia incluída no Estado. Os russos, segundo Il’in, não viam diferença entre o Estado e as pessoas que estavam no governo.
A terceira falha é a incapacidade de compreender a essência da vida democrática, e de aceitar o fato de que a democracia exige ao mesmo tempo a sinceridade mútua e o respeito mútuo.
O quarto e último fracasso está na falta de amor pelo seu próprio país. [2]
A presença dos quatro problemas é fácil de ver nos povos ocidentais durante o século 21. No entanto, a própria descrição das doenças parece indicar a chave para o processo da cura.
Lênin Salva a Vida de um Adversário
Ivan Il’in não era um filósofo que passasse despercebido. Embora lutasse contra o comunismo, era respeitado por Vladimir I. Lênin. O líder da revolução socialista salvou sua vida porque admirava a obra de Il’in sobre o filósofo alemão Georg Wilhelm Friedrich Hegel.
A realidade humana é paradoxal: Hegel, um pensador ético e religioso, foi uma fonte central de inspiração para o materialista Karl Marx. Até hoje Hegel é respeitado pelos pensadores marxistas. De modo semelhante, na Rússia, a vida do filósofo religioso hegeliano foi salva por Lênin, o líder materialista da revolução de 1917.
O que colocou Il’in em perigo foi o fato de que ele não só escrevia. Ele participava ativamente da resistência contra a revolução de Lênin. Por duas vezes, em 1918 e 1920, Il’in foi preso pela polícia política do estado comunista. A tendência natural seria o fuzilamento. Nas duas ocasiões, Lênin intercedeu pessoalmente para salvar Il’in.
Em 1920, Lênin escreveu em um memorando para as autoridades encarregadas do prisioneiro:
“Il’in não é um dos nossos, mas tem talento, soltem-no.” [3]
Il’in acabou por ser expulso da Rússia em setembro de 1922. Viveu e escreveu no exílio até a chegada da morte, em 1954. Seus escritos sobre autoconhecimento têm muito em comum com a teosofia de Helena Blavatsky. No entanto, foi só depois de 2005 que este pensador espiritual e amigo da natureza começou a ser conhecido no Ocidente.
Algumas Ideias Desafiantes
Ivan A. Il’in escreveu:
* “Através de todos os sofrimentos do mundo, surge e brilha a antiga verdade, e ela convida as pessoas a uma nova compreensão e um novo reconhecimento: a vida de um ser humano só é justificada quando a sua alma vive desde um único centro, um centro objetivo, movida por um amor autêntico pela divindade como supremo bem.” (Tomando Posse da Nossa Própria Natureza)
* “Uma alma espiritualmente cega vive com os conteúdos desestruturados e as medidas precárias de um estilo pessoal de vida; percebe tudo no plano das suas necessidades e paixões, e mede a vida em termos de interesse e poder. E precisamente por esta razão a sua vida se transforma em um pântano de fraqueza, confusão e vício. Mas a sua principal confusão está no não-reconhecimento do espírito, da sua objetividade e do seu valor incondicional.” (O Respeito Espiritual por Si Mesmo)
* “Na base de toda corrupção – subornos, corrupção pública, todo tipo de demagogia e traição mercenária internacional – estão uma cegueira espiritual e uma ausência de valor espiritual do próprio indivíduo. A cegueira dá lugar a uma incapacidade de ver a gradação das metas de acordo com o seu valor, e a falta de valor espiritual cria uma vontade seriamente desequilibrada, uma disposição sem escrúpulos de desistir do espiritual, do objetivo e do universal, em função do interesse próprio e da posse.” (O Respeito Espiritual por Si Mesmo)
* “… Um regime político incapaz de alimentar no povo uma percepção do seu próprio valor está condenado a desintegrar-se, finalmente, devido ao triunfo do egoísmo privado sobre o interesse público e da vulgaridade sobre o espírito.” (O Respeito Espiritual por Si Mesmo)
* “Pessoas e povos incapazes de respeitar o seu próprio valor espiritual criam um poder governante doentio, e produzem um sentido de eu e uma ideologia igualmente doentes.” (O Respeito Espiritual por Si Mesmo)
* “Um povo que ainda não tenha compreendido e realizado a sua autoafirmação espiritual não respeita o espírito nem em si mesmo, nem no objeto ou ideia do Estado; e, portanto, desenvolve formas mórbidas de vida espiritual, produzindo fenômenos doentios de cultura espiritual. Essas formas e fenômenos podem estar aparentemente desconectados entre si, mas em sua substância elas revelam uma só doença espiritual orgânica.” (O Respeito Espiritual por Si Mesmo)
* “Uma calamidade natural sempre revela a derrota, a limitação e a falha do espírito, porque a transformação criativa da natureza continua sendo a tarefa mais elevada do espírito. E, por maior que seja essa calamidade, e por mais vastos e arrasadores que sejam os sofrimentos causados por ela, o espírito humano deve aceitar seu fracasso e na própria intensidade do seu sofrimento ver um chamado ao renascimento e à regeneração. Mas isso significa compreender o desastre que cai sobre nós como um grande desmascaramento espiritual.” (Tomando Posse da Nossa Própria Natureza)
* “A natureza que agora envolve a humanidade na incalculável infelicidade de grandes guerras e convulsões é a natureza de uma alma humana desorganizada e amargurada.” (Tomando Posse da Nossa Própria Natureza)
NOTAS:
[1] “Interpretação do Brasil”, Gilberto Freyre, Livraria José Olympio Editora, RJ, SP, 1947, 323 pp., ver capítulo um, pp. 43-44, e capítulo cinco, pp. 235 a 241.
[2] Veja o livro “On the Essence of Legal Consciousness”, de Ivan A. Il’in, publicado por Wildy, Simmonds & Hill Publishing, Reino Unido, 2014, 391 páginas. Especialmente as pp. 68-69.
[3] “On the Essence of Legal Consciousness”, de Ivan A. Il’in, obra citada, pp. 75-76.
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O texto acima foi publicado nos websites da Loja Independente de Teosofistas no dia primeiro de janeiro de 2023. O seu equivalente em inglês, “Il’in, the Anticommunist Who Was Saved by Lenin”, pode ser lido em nosso blog no The Times of Israel.
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Veja mais:
* A seção temática A Rússia, a Teosofia e Helena P. Blavatsky.
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Helena Blavatsky (foto) escreveu estas palavras: “Antes de desejar, faça por merecer”.
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