Para Desenvolver a Sua Vontade, Estabeleça
em Seu Espírito Uma Firme Escala de Valores
Jean des Vignes Rouges
A força e o ímpeto da vontade dependem da intensidade do desejo. Esta verdade básica é tão evidente que não há necessidade de grandes comentários. [1]
Mas o que é que você deseja?
Diante dessa pergunta, você fica tão surpreso quanto o comprador indeciso que, no shopping center por onde anda, não sabe se quer comprar um chapéu, um cachimbo ou um barbeador elétrico. Tudo é uma tentação. Em outras palavras, na sua consciência os desejos lutam entre si, cada um querendo ser atendido primeiro.
Admita, você com frequência tem essa mesma atitude diante da vida. Você não sabe exatamente do que gosta, ou o que detesta. É o acaso que fabrica as suas preferências. Como a criança que, ao ver uma ostra, declara, sem prová-la: “Parece cuspe, não gosto!” Você sente repugnâncias arbitrárias. A não ser que – tal como a criança a quem a mãe diz: “Ah, que delícia essa sopa de rutabaga!” – você adore isso ou aquilo, na música, na política ou nos esportes, apenas porque o seu vizinho lhe disse que essas coisas eram ótimas.
De fato, uma grande incoerência reina em nossos desejos. E isso não deveria ser surpreendente, porque eles têm origens muito diversas e obscuras. Alguns dos nossos desejos nascem sob influências cósmicas. O clima está quente ou frio? O Sol tem manchas? O solo úmido ou seco em que vivemos nos envia radiação misteriosa? Veja se estamos entusiasmados ou calmos, alegres ou melancólicos. Na primavera, quando respiramos o perfume das rosas, os nossos desejos assumem formas diferentes do que no outono, quando as folhas caem e apodrecem. O vento, a chuva, a pressão atmosférica, etc., modificam o nosso estado de espírito. Precisamos mencionar também todas as influências que agem no nível mais profundo do nosso organismo: os fatores hereditários, o tipo de alimentação, o temperamento, a saúde melhor ou pior, a força física, as secreções das glândulas endócrinas, abundantes ou não, e assim por diante.
Não esqueçamos o nosso caráter, que as circunstâncias fizeram e nós mesmos fizemos com que fosse enérgico, fraco, entusiasmado, desconfiado, cético, altruísta, curioso, ambicioso, apaixonado, medroso, ousado, ganancioso, etc.; o nosso caráter nos predispõe, por isso mesmo, a certos desejos.
Devemos somar a isso tudo as influências sociais como os costumes, as superstições, as tradições, as crenças, os hábitos, as modas, a educação, o espírito de imitação, a propaganda, a publicidade. Deste modo percebemos que os nossos desejos têm causas tão numerosas, e às vezes tão difíceis de identificar, que não é uma surpresa ouvir as pessoas afirmarem: “Gosto não se discute, cada um tem o seu!” E, depois de dizer isso, elas desistem de colocar uma ordem na confusão das suas sensibilidades.
O único problema é que o resultado desta abdicação é lamentável. Se não tratamos de organizar os nossos desejos conforme uma ordem de prioridades, vivemos todos numa completa anarquia afetiva. Aprovamos ou detestamos este sujeito cuja presença nos é imposta pelas circunstâncias? Não sabemos bem; depende do momento. Gostamos de estudar na solidão ou de ir ao café? Preferimos a justiça à arbitrariedade? Admiramos o homem leal ou o sujeito maligno que “luta para sobreviver”? O nosso ideal é uma vida tranquila e calma, ou será uma existência aventureira? São bem definidas as nossas opiniões, as nossas crenças religiosas, morais e políticas?
Diante de todas estas questões, a maior parte das pessoas fica perplexa. É natural que sintamos e atuemos de forma incoerente. Gostamos das pessoas pelas qualidades que elas não possuem, ou as odiamos pelos defeitos que não têm. Ouça este velho marido: ele reclama que sua esposa tem um mau humor insuportável, mas ficaria muito ofendido se um vizinho se permitisse questionar a boa educação exemplar da sua mulher. Quanto à esposa rabugenta, ela repreende o marido de forma violenta ou sorrateira por possuir todos os defeitos possíveis, e por ser ridículo, e depois disso mostra que tem por ele uma devoção sem limites.
Poderia multiplicar estes exemplos, comprovando que o capricho rege os nossos gostos e que deveríamos ter o maior interesse em colocar um pouco de ordem no caos da nossa vida emocional.
Não é fácil, eu sei! Mas será que isso é motivo para não tentar? Portanto, tente decidir com antecedência quais desejos você valoriza mais. Ouço você protestar, alegando que não existe uma medida única, comum a todas as coisas e pessoas de que gosta. “Podemos comparar”, pergunta você, “o meu respeito pela justiça com o amor que tenho por minha esposa e por meus filhos? Também é impossível medir exatamente o quanto me custa deixar de ouvir música e renunciar ao prazer de ficar em casa estudando. Portanto, sou obrigado a agir ao acaso, isto é, a satisfazer os meus desejos à medida que eles surgem e de acordo com as circunstâncias.”
Esta é a solução dos preguiçosos! É fácil perceber que você a aplica de maneira inadequada a todos os problemas da sua vida emocional. No entanto, há casos em que você poderia muito bem organizar os seus desejos por ordem de prioridade. É isso que estou pedindo que você faça.
Definir o Que é Mais Importante
Para desenvolver este esforço, não espere que o desejo se desencadeie em você; neste caso você já não teria sangue-frio e objetividade. Nos momentos em que você tem um pleno domínio de si mesmo, pergunte-se, em relação a um desejo qualquer, se você está dando demasiada atenção a ele, em detrimento de outro. Em outras palavras, estabeleça em seu espírito uma escala de valores.
Concordo que essa classificação será, em parte, errada. Como é possível pesar, medir, contar os seus desejos? Você terá que atribuir a cada um deles uma “quota de afetividade”, um número dado à sua avaliação. Bem, aceite esta necessidade. Querer muitas vezes consiste em “ir ao que interessa”, “cortar laços”, “agir por iniciativa própria”, recusar, reclamar, “fazer-se de surdo”. Em resumo, cabe fazer uma opção do tipo “tudo por tudo”.
Na hora de saber qual desejo seu deve predominar sobre os outros, diga a si mesmo: “Este será o desejo número 1; e lamento muito pelo número 2.” Isto o levará a admitir que alguns desejos devem ser sacrificados pelo bem de outros, e que você precisa aguentar a ausência de um determinado prazer para garantir a satisfação de outro desejo, que foi classificado como estando em um nível superior.
Quanta segurança, e que facilidade esse método dará a todas as suas ações! Você terá, desde o início, avaliado os objetos, as ideias, as pessoas, desde o ponto de vista das possibilidades de progresso material ou moral que oferecem; saberá portanto o que é bom para você, e se você deseja ou não caçar a presa que está diante de você. Portanto, não tem mais nada a temer de alguma surpresa que possa colocá-lo em perigo.
Não ouso esperar que esta escala de valores vá incluir todos os seus desejos. Isso seria fácil demais! Porém, por pequeno que seja o número das suas vontades situadas numa classificação razoável, esta hierarquia de prioridades servirá também para garantir a predominância da sua vontade, sobretudo se tiver a sabedoria de não colocar em discussão as preferências que foram devidamente estabelecidas em momentos de lucidez.
Vejamos um exemplo. Você decidiu tratar de ver a vida numa perspectiva otimista. Porém, nesta manhã de dezembro, ao acordar, você está num estado de espírito “massacrante”. A razão disso pode ser que uma das suas glândulas está funcionando mal, ou o fígado ou alguma outra coisa qualquer, ou talvez uma ideia desagradável tenha atravessado o seu espírito. Se não tiver cuidado, esse pequeno choque no plano mental pode repercutir longo tempo dentro de você. A ideia que você associou a uma impressão de mal-estar vai buscar aliados; e estes aliados serão outras “ideias escuras”. O descontentamento irá invadir o seu espírito todo como uma inundação asquerosa. Você vai achar que “está dando tudo errado” e que a sua esposa, os seus filhos, o seu chefe, a administração pública e o governo – todas as pessoas, na verdade – lhe dão nojo. Resultado: você ficará infeliz, e será mal visto pelos outros!
Isso vai ensinar você a não permitir que a sua vida emocional caia em um estado de anarquia. Uma boa política mental seria pensar: “Sim, tenho que fazer uma tarefa desagradável hoje, mas esse pequeno inconveniente está situado numa posição inferior na minha escala de valores. Portanto, devo esquecer este incômodo e não transformá-lo em uma tortura insuportável.”
NOTA:
[1] Neste ponto, em nota entre parênteses, JVR convida o leitor a ver o item “Imagination”, que pode ser encontrado à página 177 da obra «Dictionnaire de la Volonté», de Jean des Vignes Rouges, Éditions J. Oliven, Paris, 1945, 320 páginas. (CCA)
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O texto “Desejo – A Organização da Vida Afetiva” foi publicado pelos websites da Loja Independente de Teosofistas em 03 de dezembro de 2024.
Trata-se de uma tradução do livro «Dictionnaire de la Volonté», de Jean des Vignes Rouges, Éditions J. Oliven, Paris, 320 pp., 1945, ver pp. 95-98. O artigo original em francês está disponível online: “Désir – L’Organisation de la Vie Affective”. Tradução: CCA.
Jean des Vignes Rouges é o pseudônimo literário usado pelo pensador e militar francês Jean Taboureau (1879-1970).
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Helena Blavatsky (foto) escreveu estas palavras: “Antes de desejar, faça por merecer”.
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