Cabe à Alma Treinar e Controlar
o Corpo Físico e as Suas Emoções
 
 
Theodoro D’Almeida
 
 
 
Theodoro D’Almeida, nascido em 7 de janeiro de 1722, e a página de abertura
de “O Feliz Independente”, uma obra-prima da literatura e da filosofia lusófona
 
 
 
Em todos os povos há leis, em todos há conselhos, e amigáveis avisos; logo há liberdade para segui-los. Que nação existiu jamais no Mundo tão bárbara, onde não houvesse castigo para o mal, prêmio para o bem? Mas seria tudo inútil, se por um cego ímpeto cada um fosse arrastado para este ou aquele objeto pela paixão que o domina.
 
A nossa alma em relação ao corpo é como o cavaleiro em relação ao animal em que vai montado. Se o animal é manso e bem ensinado, com descanso vai andando o cavaleiro, sem fadiga, nem grande problema pela estrada direita. Se o animal é rebelde e furioso, muito trabalho terá o cavaleiro; mas também glória e merecimento, se impedir que se desmande.
 
Pouca dificuldade tinha o homem para caminhar direito, quando saiu das Mãos de seu Autor, tendo então sujeitas e domadas todas as paixões do ânimo, todos os apetites dos sentidos. Não estavam então todas as paixões mortas, mas domadas: e quando a rédea da Razão acenava ligeiramente, o apetite logo obedecia: assim maior foi o seu crime então, e menos desculpável a sua culpa, porque era muito mais fácil que obrasse como devia.
 
Porém depois da rebelião dos sentimentos, é que o cavaleiro tem necessidade de vigilância, de força, de estudo, e de constância para impedir a sua ruína. Não tem culpa o cavaleiro nos saltos impetuosos que o animal dá ao princípio, ou quando inesperadamente se espanta; nem também é culpável o homem nos primeiros movimentos, quando sem dar tempo à Razão os humores obram o que a razão impediria: mas uma vez que a Razão abriu os olhos, deve com toda a força ter a rédea segura, puxar a rédea, subjugar o animal a todo o custo; e isto ainda que o cavaleiro se canse, trabalhe, e sue; porque ele trabalha para si e trata de evitar a morte, ou o perigo dela [o que ocorreria] se frouxamente se deixasse arrastar pelo furioso cavalo: por isso toda sua fadiga é bem empregada; e maior glória terá, e maior merecimento.
 
Embora o preguiçoso frouxo que não quer fatigar-se domando as suas paixões diga que elas o arrebatam e largue as rédeas ao animal que o leva, a sua queda e ruína serão o castigo da sua indigna preguiça. E os outros, que vão ao seu lado, subjugando com estudo, cuidado e força os animais das suas paixões, talvez mais furiosas, esses que as conduzem pelo caminho direito, sem lhes permitir saltar fora da estrada para os barrancos, que já de um, já de outro lado se oferecem, eles serão a sua condenação, a sua afronta, e a da sua inútil doutrina.
 
Que é o que louvais nos Heróis? Acaso é o seguirem as suas paixões? Isso faz qualquer animal. Qual é portanto o seu merecimento, que tanto vos obriga aos louvores? Que é o que justamente ocupa todos os clarins da fama? Será o terem obrado bem, não tendo paixões que vencer? Mas que merecimento é esse? Vencer sem batalha, triunfar sem inimigo? Vedes logo que para o louvor de Heróis me é preciso obrar bem, vencendo nisso grandes dificuldades; e que na grande dificuldade, que nos oferecem as nossas paixões furiosas, é que consiste o merecimento dos Heróis da Filosofia e da Virtude.
 
Negai a liberdade, e eu da parte da Boa Razão vos proíbo desde este momento de louvar a ninguém; e de condenar qualquer procedimento. Louvareis vós por ventura o Sol, quando saindo do Horizonte derrama com as suas luzes as benéficas influências sobre a face da terra? Ou condenareis a Noite como criminosa, porque com o seu tenebroso manto protege os crimes, e vos rouba a vista, deixando-vos quase cego, quando tendes olhos perfeitos? Quem não acharia ridícula a vossa cólera contra os trovões e os raios; ou as vossas políticas adorações ao zéfiro brando, que vos recreia, sendo todos esses movimentos uma consequência cega e necessária da ordem do Universo? Pois outro tanto devemos dizer do que fazem os homens se neles não há liberdade; porque sem ela nem merecem os nossos louvores, nem o menor vitupério.
 
O Cocheiro, o Cavalo e a Carruagem
 
As paixões, amigos, são, como já vos disse, semelhantes aos animais: domadas, servem para nos dar satisfação; rebeldes e soltas, só servem para a nossa ruína. Se o cocheiro frouxo e negligente larga as rédeas aos animais, porque os considera indômitos e furiosos, que efeitos pode esperar da sua frouxidão e preguiça? A carruagem vai sem governo e corre precipitada; lá se inclina, lá cai, lá vai o cocheiro sendo arrastado, os cavalos passam por cima dele, as rodas lhe passam por cima, e lá o atiram atropelado, ferido, e morto. Quanto melhor teria sido manter as rédeas firmes, e domar (ainda que lhe custasse) os animais? Meus amigos, sempre os danos que nos acontecem, quando deixamos as nossas paixões correrem à rédea solta, são muito maiores que o trabalho de refreá-las, e assim, ainda que fosse apenas para nos poupar de grandes desgostos, deveríamos sempre governar pela razão as nossas paixões e apetites.
 
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O texto acima foi publicado nos websites da Loja Independente de Teosofistas no dia 09 de março de 2025. Trata-se de uma reprodução do livro “O Feliz Independente do Mundo e da Fortuna, ou a Arte de Viver Contente em Quaisquer Trabalhos da Vida”, Volume II, de Theodoro D’Almeida, da Congregação do Oratório, Lisboa, Officina Typografica de Antonio Rodrigues Galhardo, 1786. Ver páginas 158-161 e, para o parágrafo final, página 196. Na transcrição, palavras de uso antigo e hoje pouco compreensíveis foram substituídas por sinônimos atuais. A obra tem três volumes. A ortografia foi atualizada. (CCA)
 
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Helena Blavatsky (foto) escreveu estas palavras: “Antes de desejar, faça por merecer”. 
 
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