Uma Reflexão Sobre Responsabilidade Ética
Monteiro Lobato
O escritor Monteiro Lobato
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Nota Editorial:
A luta pela ética na administração pública
não ocorre só no Brasil, e não começou ontem. Há
milênios, ela tem estado ligada às filosofias de Platão,
Aristóteles, Confúcio, Cícero, Sêneca e tantos outros.
O padre Antônio Vieira lutou duramente pela ética na
política no Brasil e no Portugal do século 17. Ruy Barbosa,
José do Patrocínio e outros fizeram o mesmo mais tarde no
Brasil. O escritor Monteiro Lobato (1882-1948) foi um dos
escritores mais populares do mundo lusófono do século 20,
e o curto e incisivo texto a seguir é oportuno no século 21.
(Carlos Cardoso Aveline)
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Uma nação é o conjunto organizado das criaturas humanas que habitam um certo território. Para promover a ordem e a justiça essas criaturas delegam poderes a certos indivíduos para a aplicação de uma coisa chamada lei, a qual não passa da vontade coletiva aceita por consenso unânime. Tais homens constituem o governo. O governo é, pois, um delegado, uma criatura da Nação. Só esta é soberana, porque só esta é a força e a verdade.
Quando os delegados fogem aos seus deveres e voltam contra a Nação os aparelhos defensivos que ela lhes entregou para salvaguardar a sua soberania das agressões externas, esse governo deixa de ser governo. Cessa de funcionar legalmente e – ou rei como Luís XVI, ou ministro, ou presidente, ou congresso – deve ser incontinenti varrido por todos os meios, a guilhotina como na França, ou a processo criminal como nas repúblicas livres.
O dever mais elementar dos delegados da Nação é aplicar sensatamente os dinheiros públicos. O povo dá o imposto para receber em troca um certo número de benefícios de caráter geral. Para fiscalizar esse emprego existe a imprensa, plenário onde se ventila o abuso, o qual abuso, competentemente autuado, sobe à Opinião Pública para o julgamento supremo. Se a opinião pública, por vício incurável, não toma as providências do caso, paciência. A imprensa não tem culpa disso. Seu papel limita-se a esclarecer o público.
Assim, todo jornalista, ou todo cidadão, tem o dever de agarrar pela gola os funcionários relapsos, sejam reis ou ministros, e expor os seus crimes na grande montra [vitrine].
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Reproduzido do livro “Mundo da Lua e Miscelânea”, Monteiro Lobato, Ed. Brasilense, SP, 339 pp., 1968, pp. 106-107.
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