Filosofia Esotérica Ensina Que Todos
Os Seres São Essencialmente Imortais
Os Seres São Essencialmente Imortais
Carlos Cardoso Aveline
Segundo a teosofia clássica, os mundos, as pessoas, as civilizações e mesmo as ideias reencarnam. Tudo que existe é cíclico: o universo inteiro não é uma exceção.
No Antigo Testamento, o Eclesiástico coincide com a tradição oriental e afirma o seguinte:
“Levanta-se o sol, e põe-se o sol, e volta ao seu lugar, onde nasce de novo. O vento vai para o sul e faz o seu giro para o norte; volve-se, e revolve-se, na sua carreira, e retorna aos seus circuitos. Todos os rios correm para o mar, e o mar não se enche; ao lugar para onde correm os rios, para lá tornam eles a correr.” (Eclesiástico, 1: 5-7)
O texto bíblico acrescenta:
“O que foi é o que há de ser; e o que se fez, isto se tornará a fazer; nada há, pois, novo debaixo do sol. Há alguma coisa de que se possa dizer: ‘Vê, isso é novo’? Não! Já foi nos séculos que foram antes de nós. Já não há lembrança das coisas que precederam; e das coisas posteriores também não haverá memória entre os que hão de vir depois delas.” (Eclesiástico, 1: 9-11)
Esta ideia é um ensinamento universal.
O caráter cíclico das manifestações da vida é um dos princípios básicos de “A Doutrina Secreta”, a obra em que Helena Blavatsky aborda a cosmologia e a antropologia esotéricas orientais. A onda de vida que habita nosso planeta avança e oscila ritmicamente, combinando expansão e retração.
A evolução é um movimento ondulatório, e ao longo dos anos tenho juntado evidências sobre a manifestação periódica de uma mesma reflexão poética, a respeito da onda de vida planetária. Inicialmente, o ensinamento adota a forma de um axioma que expressa verdades de uma antiguidade imemorial, ensinadas pela tradição do Oriente. Mais tarde, a ideia assume a forma de um poema na primeira pessoa do singular, e desde então vem-se manifestando em versos diferentes, ao longo dos séculos, sem perder sua essência.
A origem mais recuada no tempo que conheço (até o momento) vem da tradição judaica, anterior ao cristianismo. Em duas das suas obras mais importantes, “Ísis sem Véu” e “A Doutrina Secreta”, Helena Blavatsky cita este antigo ditado cabalístico:
“Uma pedra se torna uma planta; a planta, um animal; o animal, um ser humano; o ser humano, um espírito; e o espírito, um deus.” [1]
O princípio da peregrinação pelos vários reinos da natureza faz parte das chamadas “três proposições fundamentais” da Doutrina Secreta.
A ideia aparece em um poema dos druidas da Gália, datado do século seis da era cristã e publicado por Jorge Luis Borges e Alicia Jurado em seu livro “Buda”.
Disse um dos sábios gauleses tradicionais:
“Fui a folha de uma espada
Fui uma gota no rio
Fui uma estrela luzente
Fui palavra em um livro
Fui um livro no princípio
Fui a luz de uma lanterna
Fui ponte que atravessa sessenta rios
Viajei como uma águia
Fui uma barca no mar
Fui capitão na batalha
Fui uma espada na mão
Fui um escudo na guerra
Fui a corda de uma harpa
Durante um ano estive enfeitiçado na espuma da água.” [2]
A natureza cíclica da vida pode ser constatada por todos. Conforme escrevi no livro “O Poder da Sabedoria”, o tema da morte interior como caminho para o nascimento espiritual está presente em muitas tradições. “É morrendo que se nasce para a vida eterna”, ensinou o cristão Francisco de Assis. E o místico sufi Jalaluddin Rumi escreveu há 700 anos:
“Morri como mineral e me transformei em planta; morri como animal e vi que era homem. Por que teria algo a temer? Nunca perdi nada por morrer. Mais uma vez irei morrer como homem, para elevar-me à altura dos anjos abençoados; mas avançarei um dia até além do nível dos anjos. Tudo o que não é Deus, morre.” [3]
Já no século 19, o poeta português Antero de Quental (1842-1891) contemplou o tema, e compôs o poema intitulado “Evolução”, em que podemos ler esta confissão na primeira pessoa:
“Fui rocha, em tempo, e fui, no mundo antigo,
Tronco ou ramo na incógnita floresta…
Onda, espumei, quebrando-me na aresta
Do granito, antiquíssimo inimigo…
Na caverna que ensombra urze e giesta;
Rugi, fera talvez, buscando abrigo
Ou, monstro primitivo, ergui a testa
No limoso paul, glauco pascigo… [4]
Hoje sou homem – e na sombra enorme
Vejo, a meus pés, a escada multiforme,
Interrogo o infinito e às vezes choro…
Mas, estendendo as mãos no vácuo, adoro
E aspiro unicamente à liberdade.” [5]
Antero de Quental soube o que é angústia, e lutou para alcançar a sabedoria.
Um dos pioneiros da teosofia no Brasil, o poeta gaúcho Múcio Teixeira (1857-1926) foi parcialmente contemporâneo de Antero e fez reencarnar o mesmo poema. Múcio adotou também o título “Evolução”. Ele escreveu:
“Morri no mineral, para nascer na planta,
Fui pedra e fui semente:
brilhei no diamante e no cristal luzente,
E fez em mim o seu ninho o pássaro, que canta.
Na planta adormeci, e despertei um dia
No animal, que move os músculos e anda;
Percorri apressado uma senda sombria,
Vendo indistintamente uma luz na outra banda.
Do animal passei para as formas do homem,
E sendo homem estou muito perto do anjo;
Só assim chegarei aos círculos que abranjo
Com a Razão, que ainda as Dúvidas consomem.
Poderei amanhã flutuar, batendo as asas,
Pela vasta amplidão constelada de céus:
Faísca que desceu às cinzas e às brasas,
Acenderei mais tarde a eterna luz – que é Deus.” [6]
Até aqui, os versos de Múcio Teixeira.
O ensinamento transmitido por tais poemas mostra o mistério da reencarnação como um processo que atravessa os diversos reinos da natureza. Ao analisar este aspecto fundamental da filosofia esotérica, um breve artigo anônimo publicado em 1927 esclarece:
“Fisicamente (….) nenhuma forma reencarna, já que todas as formas são compostas; mas os elementos que foram reunidos em uma forma, reúnem-se outra vez em uma forma similar ou diferente.”
Provavelmente escrito por John Garrigues, o texto prossegue:
“…É sempre a Alma que evolui, através dos vários reinos. Certamente a mesma Alma ou Mônada, que agora nós chamamos de Ser Humano, recebe outros nomes quando está sob outras condições. Mas se a expressão ‘Ser humano’ significar autoconsciência, então devemos lembrar que não há autoconsciência nos reinos anteriores à humanidade.” [7]
Compreender esta ideia nos leva a uma noção mais nítida da nossa imortalidade essencial como seres que evoluem ao longo de eras incontáveis.
Deste modo percebemos melhor o caráter secundário daquilo que em nós e em nossas consciências é capaz de “morrer”, ou pode ser esquecido.
NOTAS:
[1] “Isis Unveiled”, Helena P. Blavatsky, Theosophy Co., Los Angeles, volume I, p. 301, nota de rodapé. E também “The Secret Doctrine”, H. P. Blavatsky, The Theosophy Co., 1982, volume I, p. 197.
[2] “Buda”, de Jorge Luis Borges e Alicia Jurado, Editora Difel, RJ e SP, 1977, 103 pp., ver p. 43.
[3] “O Poder da Sabedoria”, Carlos Cardoso Aveline, Ed. Teosófica, Brasília, p. 84. Em inglês, “Rumi, Poet and Mystic”, Reynold Nicholson, Oneworld Oxford, EUA, 190 pp.
[4] “No limoso paul, glauco pascigo…”; isto é, “No terreno pantanoso, onde pasta o gado…”
[5] Reproduzido de “O Teosofista”, a antiga revista da Sociedade Teosófica de Adyar no Brasil, edição de julho de 1947, p. 2. Fundada em 1911, a revista mudou de nome na década de 1990. Desde 2007, “O Teosofista” é o nome da revista eletrônica dos nossos websites associados.
[6] Reproduzido da obra “Terra Incógnita”, de Múcio Teixeira, Casa Duprat Editora, São Paulo, 1916, 407 pp., ver pp. 151-152. Uma versão popular do poema está publicada em meu livro “O Poder da Sabedoria”, Editora Teosófica, p. 30.
[7] Do artigo anônimo “When I Was A Mineral….!”, revista “Theosophy”, Los Angeles, August 1927, p. 465.
000
Para ler mais sobre o tema do texto “As Várias Encarnações de um Poema”, veja o artigo “As Três Proposições Fundamentais”, de Helena P. Blavatsky. Ele está disponível em nossos websites associados.
000