Teosofia Exotérica e Esotérica
Helena P. Blavatsky
Helena Blavatsky em seu escritório em 1887
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Nota do Tradutor:
Edição original: “The Key to Theosophy”,
Theosophical Publishing Company, London,
and W. Q. Judge, New York, 1889, 310 pp.
O presente capítulo dois foi traduzido
ao português a partir da edição fac-similar
da edição original de 1889, publicada pela
Theosophy Co., em Los Angeles, EUA, em 1987.
Todas as notas numeradas são de H.P. Blavatsky,
a menos que se indique expressamente sua autoria.
A Sociedade Teosófica original, a que se refere
a obra, deixou de existir na década de 1890. Desde
então tem havido uma pluralidade de sociedades e
associações teosóficas independentes. Portanto,
onde se lê “Sociedade” e “Sociedade Teosófica”,
deve-se ler “movimento” e “movimento teosófico”.
(Carlos Cardoso Aveline)
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II
Teosofia Exotérica e Esotérica
O QUE A SOCIEDADE TEOSÓFICA MODERNA NÃO É
PESQ.: As suas doutrinas, então, não são um redespertar do budismo, nem são inteiramente copiadas da teosofia neoplatônica?
TEOS.: Não são. Mas a melhor maneira de responder a esta pergunta seja reproduzir o texto de uma exposição sobre “Teosofia” feita pelo Dr. J. D. Buck, membro da Sociedade Teosófica, durante a última Convenção Teosófica em Chicago, na América do Norte (em abril de 1889). Nenhum teosofista expressou ou compreendeu melhor do que o nosso honrado amigo dr. Buck a verdadeira essência da teosofia: −
“A Sociedade Teosófica foi organizada com o propósito de promulgar as doutrinas teosóficas e de promover a vida teosófica. A atual Sociedade Teosófica não é a primeira a existir. Eu tenho um volume intitulado ‘Atas Teosóficas da Sociedade Filadélfia’, publicado em Londres em 1697; e um outro livro com o seguinte título: ‘Introdução à Teosofia, ou à Ciência do Mistério de Cristo; isto é da Divindade, da Natureza, e da Criatura, abrangendo a filosofia de todos os poderes ativos da vida, mágica e espiritual, e formando um guia prático para a mais sublime pureza, santidade, e perfeição evangélica; e também para as sagradas artes e potências angelicais, e outras prerrogativas da regeneração’, publicado em Londres em 1855. A dedicatória deste volume é a seguinte:
“ ‘Aos estudantes de Universidades, Faculdades, e escolas do cristianismo: aos professores de Ciências Metafísicas, Mecânicas e Naturais, em todas as suas formas: para homens e mulheres cultos em geral, e de fé ortodoxa fundamental: para deístas, arianos, unitários, swedenborgianos e outras crenças defeituosas e sem base, racionalistas e céticos de todos os tipos: para muçulmanos, judeus, e seguidores da religião dos patriarcas orientais que tenham uma mente justa e iluminada: mas especialmente para os ministros e missionários do evangelho, sejam entre povos bárbaros ou intelectualizados, esta introdução à teosofia, a ciência da base e do mistério de todas as coisas, é humilde e fraternalmente dedicada.’
“No ano seguinte (1856) outro volume era publicado, no formato royal octavo, com 600 páginas, um volume de ‘Miscelânea Teosófica’. Desta obra foram tirados apenas 500 exemplares, para distribuição gratuita a bibliotecas e universidades. Estas ações iniciais, que foram muitas, surgiram dentro da Igreja, com pessoas muito piedosas e dedicadas e de caráter sem manchas; e todos estes escritos foram feitos de forma ortodoxa, usando as expressões cristãs, e, como nas obras do eminente clérigo William Law, eles só chamariam atenção do leitor comum por sua grande seriedade e seu caráter piedoso. Todas estas foram tentativas de extrair e de explicar os significados mais profundos das escrituras cristãs, e de ilustrar e revelar a vida teosófica. Estas obras foram logo esquecidas, e agora são, em geral desconhecidas. Elas buscavam reformar o clero e fazer reviver a autêntica piedade, e nunca foram bem-vindas. Uma única palavra, “heresia”, foi suficiente para enterrá-las no limbo de todas estas Utopias. Na época da Reforma, John Reuchlin fez uma tentativa similar com o mesmo resultado, embora ele fosse íntimo amigo de Lutero e merecesse toda sua confiança. A ortodoxia nunca desejou ser melhor informada e esclarecida. Foi afirmado a estes reformadores, assim como Festo disse a Paulo, que eles haviam enlouquecido, devido ao excesso de aprendizado, e que seria perigoso ir mais além. Descontada a linguagem externa, que no caso destes escritores era em parte uma questão de hábito e educação, e em parte uma exigência das restrições religiosas e do poder secular, quando se chega à essência se vê que estes escritos eram teosóficos no sentido mais estrito da palavra, e que diziam respeito apenas ao conhecimento, por parte do homem, da sua própria natureza e da vida superior da alma. O movimento teosófico atual tem sido descrito, às vezes, como uma tentativa de converter o Cristianismo ao Budismo, o que significa simplesmente que a palavra “heresia” perdeu a sua carga de horror e renunciou ao seu poder. Indivíduos de todas as épocas têm compreendido as doutrinas teosóficas, com claridade maior ou menor; e têm construído com elas o tecido das suas vidas. Estas doutrinas não pertencem exclusivamente a religião alguma, e não estão confinadas a qualquer sociedade ou qualquer época. Elas pertencem, por direito, a cada alma humana. Cada indivíduo deve criar sua ortodoxia, de acordo com sua natureza, suas necessidades, e suas experiências. Isso pode explicar por que aqueles que têm imaginado que a teosofia é uma nova religião buscam em vão pelo seu credo e seu ritual. O seu credo é Ser Leal à Verdade, e o seu ritual ‘honrar cada verdade através da ação’.
“Pode-se constatar que este princípio da Fraternidade Universal é pouco compreendido pelas massas, e pode-se ver como é raro que a sua importância transcendente seja reconhecida, observando a diversidade de opiniões e de interpretações fictícias que há em relação à Sociedade Teosófica. Esta Sociedade foi organizada com base neste único princípio, a Fraternidade essencial da Humanidade, tal como aqui é brevemente descrita e imperfeitamente demonstrada. Ela tem sido acusada de ser budista e anti-cristã, como se fosse possível ser estas duas coisas ao mesmo tempo, quando tanto o budismo como o cristianismo − tal como estabelecidos pelos seus inspirados criadores − fazem da fraternidade o ponto essencial da doutrina e da vida. A teosofia também tem sido vista como se fosse algo de novo sob o sol, ou, na melhor das hipóteses, um velho misticismo usando como máscara um nome novo. Embora seja verdade que muitas Sociedades fundadas com base nos princípios do altruísmo, ou da fraternidade essencial − e organizadas para apoiá-los − têm usado vários nomes, também é verdade que muitas delas têm sido chamadas de teosóficas, e adotado princípios e metas semelhantes aos da atual sociedade que usa este nome. Para estas sociedades, cada uma e todas elas, a doutrina essencial tem sido a mesma, e todo o resto tem sido circunstancial, embora isso não anule o fato de que muitas pessoas são atraídas pelos fatores circunstanciais e subestimam, ou ignoram, o que é essencial.”
Não poderia haver, para as suas perguntas, uma resposta melhor nem mais clara do que esta, dada por um homem que é um dos nossos teosofistas mais estimados e mais dedicados.
PESQ.: Que sistema vocês preferem, ou seguem, neste caso, além da ética budista?
TEOS.: Nenhum sistema, e todos os sistemas. Não nos apegamos a religião alguma e a nenhuma filosofia em particular: nós selecionamos o que encontramos de bom em todas elas. Mas aqui, novamente, deve ser dito que, como todos os outros sistemas antigos, a teosofia é dividida em uma seção exotérica e uma seção esotérica.
PESQ.: Qual é a diferença?
TEOS.: Os membros da Sociedade Teosófica em geral têm a liberdade de seguir qualquer religião ou filosofia que quiserem, uma vez que estejam em harmonia com, e dispostos a colocar em prática, pelo menos um, dos três objetivos da Associação. A sociedade é um corpo filantrópico e científico que visa a propagação da ideia da fraternidade em termos práticos, ao invés de em termos teóricos. Os membros podem ser cristãos ou muçulmanos, judeus ou zoroastristas, budistas ou brâmanes, espíritas ou materialistas, não interessa. Mas todo membro deve ser um filantropo, ou um estudioso, ou um pesquisador da literatura ariana ou outra literatura antiga, ou um estudante dos fenômenos psíquicos. Em resumo, ele tem que ajudar, se isso for possível, na realização de pelo menos um dos objetivos do programa de ação. De outra forma não há motivo para que ele se torne membro. Tais são os membros da Sociedade exotérica na maior parte dos casos, composta dos membros “vinculados” e “livres”. [1] Os membros podem ser ou não teosofistas de fato. Eles são membros porque ingressaram à Sociedade; mas a Sociedade não pode transformar em teosofista alguém que não tem a percepção da divina adequação das coisas, e tampouco alguém que vê a teosofia do seu modo próprio e − se a expressão pode ser usada − de um modo sectário e egoísta. A expressão “elegante é quem age com elegância” poderia ser parafraseada, neste caso, de modo que teríamos este princípio: “teosofista é aquele que age teosoficamente”.
TEOSOFISTAS E MEMBROS DA S. T.
PESQ.: Isto se aplica aos membros leigos, se entendo bem. E quanto a aqueles que buscam o estudo esotérico da Teosofia; são eles os reais teosofistas?
TEOS.: Não necessariamente, até que eles tenham comprovado isso. Eles entraram no grupo interno e se comprometeram a seguir, de modo tão estrito quanto possível, as regras do círculo oculto. Esta é uma tarefa difícil, porque a principal regra, entre todas, é a completa renúncia à personalidade − isto é, um membro que assumiu o compromisso tem que tornar-se um completo altruísta, não pensar jamais em si mesmo, e esquecer sua própria vaidade e seu orgulho, pensando no bem dos seus semelhantes, além de pensar no bem dos seus colegas no seu círculo esotérico. Para que as instruções esotéricas sejam úteis a ele, ele deve viver uma vida de abstinência em tudo, de autonegação e estrita moralidade, cumprindo seu dever em relação a todos os homens. Os poucos verdadeiros teosofistas estão entre estes membros. Isso não significa que fora da S. T. e do círculo interno não haja teosofistas; porque eles existem, e são mais numerosos do que se pensa; seguramente muito mais do que entre os membros leigos da S. T.
PESQ.: Então, neste caso, qual é a vantagem de ingressar na chamada Sociedade Teosófica? Onde está o incentivo?
TEOS.: Não há vantagem alguma, exceto a de obter instruções esotéricas, as autênticas doutrinas da “Religião da Sabedoria”; e, se o programa real for colocado em prática, obter grande ajuda através do apoio e da simpatia mútuos. A união significa força e harmonia, e esforços simultâneos bem regulados produzem maravilhas. Este tem sido o segredo de todas as associações e comunidades, desde que a humanidade existe.
PESQ.: Mas por que um homem que possui uma mente bem equilibrada e uma capacidade de concentração na meta − alguém, digamos, de uma energia indômita e perseverante − não poderia se tornar um Ocultista e até um Adepto, trabalhando sozinho?
TEOS.: Ele pode: mas há dez mil chances contra uma de que ele fracassará. Uma razão, entre muitas outras, é que não existe nenhum livro sobre Ocultismo ou Teurgia em nossos dias que revele os segredos da alquimia, ou Teosofia medieval, em uma linguagem clara. Todos são simbólicos ou estão sob a forma de parábolas; e como a chave para entender as parábolas foi perdida há eras atrás no Ocidente, de que modo alguém poderia perceber o significado correto do que está lendo e estudando? Nisso está o grande perigo, que leva à magia negra inconsciente, ou à mais irremediável mediunidade. Aquele que não tem como mestre um Iniciado faria melhor em deixar de lado o perigoso estudo. Olhe ao redor de você e observe. Enquanto dois terços da sociedade civilizada ridicularizam a mera ideia de que haja qualquer verdade na teosofia, no ocultismo, no espiritismo ou na cabala, a outra terça parte é composta pelos elementos mais heterogêneos e opostos. Alguns acreditam no que é místico, e até no sobrenatural (!), mas cada um acredita à sua própria maneira. Outros se apressam a mergulhar no estudo da cabala, do psiquismo, do mesmerismo, do espiritismo, ou desta ou daquela forma de misticismo. Resultado: não há dois homens que pensem da mesma forma, não há duas pessoas que concordem sobre quaisquer princípios ocultos fundamentais, embora sejam muitos os que reivindicam para si mesmos o grau supremo de conhecimento, e gostariam de convencer os outros de que são adeptos completos. Inexiste um conhecimento científico e preciso de Ocultismo que seja acessível no Ocidente – nem mesmo de astrologia, o único ramo de Ocultismo que, nos seus ensinamentos exotéricos, tem leis definidas e um sistema definido –; além disso, ninguém tem qualquer noção sobre o que significa “real Ocultismo”. Alguns limitam a sabedoria antiga à cabala e ao Zohar judaico, que cada um interpreta a seu modo, de acordo com a letra morta dos métodos rabínicos. Outros consideram Swedenborg ou Boehme como a expressão última da maior sabedoria; e outros ainda veem no mesmerismo o grande segredo da magia antiga. Todos e cada um dos que colocam em prática suas próprias teorias estão indo à deriva e rapidamente, através da ignorância, para a magia negra. Felizes são aqueles que escapam disso. Porque eles não têm como testar, nem têm critérios para avaliar e distinguir o verdadeiro do falso.
PESQ.: Devemos concluir que o grupo interno da S. T. afirma receber ensinamentos de verdadeiros iniciados ou mestres da sabedoria esotérica?
TEOS.: Não diretamente. A presença pessoal de tais mestres não é necessária. É suficiente que eles deem instruções a alguns que tenham estudado sob sua orientação durante anos, e que tenham colocado suas vidas inteiras a serviço deles. Então, por sua vez, estes podem passar o conhecimento recebido para outros que não tiveram a mesma oportunidade. Mesmo uma parte das verdadeiras ciências é melhor que uma massa de dados não digeridos e mal compreendidos. Vinte ou trinta gramas de ouro valem tanto quanto uma tonelada de pó.
PESQ.: Mas como se pode saber se estas vinte ou trinta gramas são de ouro puro, ou apenas imitação?
TEOS.: A árvore se conhece pelos frutos, um sistema se conhece pelos seus resultados. Quando nossos adversários puderem provar para nós que algum estudante solitário de Ocultismo, em qualquer época, tornou-se um santo adepto como Amônio Saccas, ou mesmo como um Plotino, ou um teurgista como Jâmblico, ou que realizou feitos como os que são atribuídos a Saint Germain, sem que qualquer mestre o tenha guiado, e tudo isso sem ser um médium, nem um sensitivo auto-iludido e tampouco um charlatão − então nós confessaremos que estávamos errados. Mas até que isso ocorra, os teosofistas preferem seguir a comprovada lei natural da tradição da Ciência Sagrada. Há místicos que fizeram grandes descobertas em Química e Física, quase chegando à alquimia e ao Ocultismo; e outros, ajudados apenas pelo seu gênio, descobriram partes, se não a totalidade, de antigos alfabetos da “língua dos Mistérios”, e são capazes, portanto, de ler corretamente os pergaminhos hebraicos; e outros ainda, sendo videntes, tiveram vislumbres maravilhosos dos segredos ocultos da Natureza. Mas todos estes são especialistas. Um é um inventor teórico, outro é um hebreu − isto é, um cabalista sectário -, um terceiro é um Swedenborg dos tempos modernos, que nega tudo o que estiver fora da sua própria ciência ou religião. Nenhum deles pode alegar que produziu um benefício universal, ou mesmo nacional , e nem mesmo para si mesmo. Com a exceção de alguns poucos curadores – que a instituição dos médicos britânicos chamaria de charlatões – nenhum deles ajudou a Humanidade com sua ciência, nem mesmo um número apreciável de homens da sua própria comunidade. Onde estão os caldeus da antiguidade, aqueles que produziam curas maravilhosas, “não por feitiço, mas por ervas medicinais”? Onde está um Apolônio de Tiana, que curava os doentes e erguia os mortos sob quaisquer climas e circunstâncias? Sabemos de alguns especialistas do primeiro grupo de curadores na Europa; mas nenhum do segundo grupo, exceto na Ásia, onde o segredo do Iogue, “viver na morte”, ainda é preservado.
PESQ.: O objetivo da Teosofia é produzir tais adeptos curadores?
TEOS.: Seus objetivos são vários; mas entre eles os mais importantes são aqueles que levarão mais provavelmente ao alívio do sofrimento humano, sob qualquer forma e sob todas as formas, tanto no plano moral como no plano físico. E nós acreditamos que o plano moral é muito mais importante que o plano físico. A teosofia tem que estimular a ética. Ela deve purificar a alma, para que possa aliviar o corpo físico, cujas doenças, salvo no caso de acidentes, são todas hereditárias. Não é estudando Ocultismo com objetivos egoístas – para a gratificação de ambição, orgulho ou vaidade pessoais – que alguém poderá jamais alcançar a verdadeira meta, isto é, a meta de ajudar a humanidade que sofre. Tampouco é estudando apenas uma das áreas de conhecimento da filosofia esotérica que alguém se torna um Ocultista. É estudando todas elas, ainda que não se possa dominá-las completamente.
PESQ: Então a ajuda para alcançar esta meta de suprema importância é dada apenas para aqueles que estudam as ciências esotéricas?
TEOS.: De modo algum. Todo membro leigo tem direito a uma instrução geral, bastando para isso que ele queira aprender. Mas são poucos os que estão dispostos a tornar-se o que se chama de “membros que trabalham”, e a maior parte prefere permanecer como os ociosos da teosofia. Deve ficar claro o fato de que a pesquisa individual é encorajada na S. T., uma vez que não ultrapasse o limite que separa o exotérico do esotérico, a magia inconsciente da magia consciente.
A DIFERENÇA ENTRE TEOSOFIA E OCULTISMO
PESQ.: Você fala de teosofia e ocultismo. Eles são idênticos?
TEOS.: De maneira nenhuma. Um homem pode ser um teosofista realmente muito bom, tanto dentro como fora da Sociedade, sem ser, de modo algum, um ocultista. Mas ninguém pode ser um verdadeiro ocultista, sem ser um verdadeiro teosofista. De outro modo, ele seria apenas um mago negro, seja consciente ou inconsciente.
PESQ.: Como assim?
TEOS.: Eu já disse antes que um verdadeiro teosofista deve colocar em prática o mais elevado ideal moral; ele deve esforçar-se por compreender a sua unidade com o conjunto da humanidade; e deve trabalhar incessantemente pelos outros. Se um ocultista não fizer isso tudo, ele estará trabalhando egoisticamente para o seu próprio benefício pessoal; e se ele tiver adquirido mais poder prático que outros homens comuns, ele se tornará imediatamente um inimigo muito mais perigoso − para o mundo e para aqueles que o rodeiam − do que o homem comum. Isso é evidente.
PESQ.: Então um Ocultista é apenas um homem que possui mais poder que as outras pessoas?
TEOS.: Muito mais – se ele for um Ocultista prático, e realmente instruído, e não for Ocultista apenas no nome. Ao contrário do que dizem as enciclopédias, as ciências ocultas não são “aquelas ciências imaginárias da Idade Média que se relacionam com a suposta ação ou influência de qualidades Ocultas ou poderes sobrenaturais, como alquimia, magia, necromancia e astrologia”. Porque são ciências reais, efetivas e muito perigosas. Elas ensinam a potência secreta das coisas na Natureza, e desenvolvem e cultivam os poderes ocultos “latentes no homem”, dando a ele, deste modo, vantagens tremendas sobre os mortais mais ignorantes. O hipnotismo, que agora se tornou tão comum e transformou-se em objeto de sérias pesquisas científicas, é um bom exemplo disso. O poder hipnótico foi descoberto quase por acidente, depois que o caminho até ele foi preparado pelo mesmerismo. E agora um hipnotizador hábil pode fazer qualquer coisa com este poder, desde forçar um homem, sem que ele saiba, a fazer o papel de tolo, até fazer com que ele cometa um crime – frequentemente em lugar do hipnotizador, e para benefício deste último. Este não será um poder terrível, se deixado nas mãos de pessoas inescrupulosas? E lembre-se, por favor, de que este é apenas um, entre os ramos menores do Ocultismo.
PESQ.: Mas todas estas ciências Ocultas, a magia e a feitiçaria, não são consideradas pelas pessoas mais cultas e instruídas como restos da ignorância e da superstição da antiguidade?
TEOS.: Deixe-me lembrá-lo de que esta sua ponderação tem dois sentidos. As pessoas “mais cultas e instruídas” entre vocês consideram também o cristianismo e qualquer outra religião como restos de ignorância e superstição. As pessoas começam a acreditar agora pelo menos no hipnotismo, e alguns – mesmo entre os mais cultos – na teosofia e em fenômenos psíquicos. Mas quem, entre eles, confessará acreditar nos milagres bíblicos? E este é o ponto em que surge a diferença. Há teosofistas bons e puros que podem acreditar no sobrenatural, inclusive em milagres divinos, mas nenhum Ocultista acreditará nisso. Porque um Ocultista pratica teosofia científica, com base em um conhecimento exato das funções secretas da Natureza; mas um teosofista, ao usar os poderes chamados de anormais, sem a luz do Ocultismo, simplesmente tenderá para uma forma perigosa de mediunidade. Porque, embora aderindo à teosofia e ao mais alto código de ética que se possa conceber, ele os usará no escuro, a partir de uma fé sincera, mas cega. Qualquer um, seja teosofista ou espírita, que tentar cultivar um dos ramos da ciência Oculta – por exemplo, o hipnotismo, o mesmerismo, ou mesmo os segredos que permitem produzir fenômenos físicos de origem psíquica, etc. – se não tiver conhecimento da explicação racional destes poderes, será como um barco sem leme, lançado a um oceano tempestuoso.
DIFERENÇA ENTRE TEOSOFIA E ESPIRITISMO
PESQ.: Mas vocês não acreditam no espiritismo?
TEOS.: Se você considera que “espiritismo” é a explicação que os espíritas dão para certos fenômenos anormais, então, decididamente, não acreditamos. Eles afirmam que estas manifestações são todas produzidas pelos “espíritos” dos mortais que partiram, geralmente seus parentes, e que retornam à terra, dizem os espíritas, para comunicar-se com aqueles que eles amaram, ou com aqueles a quem estavam apegados. Nós negamos totalmente isso. Nós afirmamos que os espíritos dos mortos não podem voltar à terra − salvo em casos raros e excepcionais, dos quais falarei mais adiante; e eles tampouco podem comunicar-se com os homens, exceto através de meios inteiramente subjetivos. Aquilo que aparece objetivamente é apenas o fantasma do antigo homem físico. Mas nós acreditamos, sem dúvida alguma, no espiritismo “psíquico” e, digamos assim, “espiritual”.
PESQ.: Vocês também rejeitam os fenômenos?
TEOS.: Seguramente não − salvo nos casos de fraude consciente.
PESQ.: De que modo vocês os explicam, então?
TEOS.: De muitas maneiras. As causas de tais manifestações não são, de modo algum, tão simples quanto os espíritas gostariam de acreditar. Antes de tudo, o instrumento providencial das chamadas “materializações” é normalmente o corpo astral ou “duplo” do médium, ou de algum dos presentes. Este corpo astral também é o produtor ou a força que opera nas manifestações de escrita sobre pedras, nas manifestações como as de “Davenport”, e assim por diante.
PESQ.: Você diz “normalmente”; então, o que é que produz o resto?
TEOS.: Isto depende da natureza das manifestações. Às vezes são os restos astrais, as “cascas” kamalókicas de personalidades que não existem mais. Outras vezes, são elementais. A palavra “espírito” tem significados múltiplos e amplos. Eu realmente não sei como os espíritas definem este termo; mas o que nós entendemos que eles alegam é que os fenômenos físicos são produzidos pelo Eu reencarnante, a “individualidade” Espiritual e imortal. E nós rejeitamos inteiramente esta hipótese. A Individualidade Consciente do desencarnado não pode materializar-se, nem pode voltar da sua própria esfera mental devachânica para o plano da objetividade terrestre.
PESQ.: Porém muitas das comunicações recebidas dos “espíritos” mostram não só inteligência, mas um conhecimento de fatos desconhecidos do médium, e às vezes de fatos nem mesmo conscientemente presentes na mente do investigador, ou de qualquer membro da audiência.
TEOS.: Isso não prova necessariamente que a inteligência e o conhecimento de que você fala pertençam a espíritos, nem que emanem de almas desencarnadas. Sabe-se que sonâmbulos têm composto música e poesia e resolvido problemas matemáticos enquanto estão no seu estado de transe, sem que jamais tenham aprendido música ou matemática. Outros responderam inteligentemente perguntas feitas para eles, e até mesmo, em vários casos, falaram línguas que ignoravam completamente quando estavam em estado de vigília, como hebraico e latim. E fizeram isso em um estado de sono profundo. Você dirá, então, que isso foi causado por “espíritos”?
PESQ.: Mas como você poderia explicar estes fatos?
TEOS.: Nós afirmamos que a centelha divina no homem é igual e idêntica em sua essência ao Espírito Universal, e portanto o nosso “Eu espiritual” é praticamente onisciente; mas ele não pode manifestar o seu conhecimento devido aos obstáculos materiais. Quanto mais forem removidos estes obstáculos – em outras palavras – quanto mais o corpo físico ficar paralisado em relação à sua própria atividade e consciência independentes, como no caso do sono profundo ou transe profundo, ou também, no caso de uma doença, tanto mais completamente pode o Eu interno manifestar-se neste plano. Esta é a nossa explicação para aqueles fenômenos verdadeiramente maravilhosos e de um nível superior, nos quais são demonstrados uma inteligência e um conhecimento inegáveis. Quanto ao nível inferior de manifestações, como os fenômenos físicos e as trivialidades e lugares-comuns dos “espíritos” em geral, necessitaríamos, para explicar os ensinamentos mais importantes sobre este ponto, de mais espaço e tempo do que pode ser dedicado a isso agora. Não desejamos interferir com a crença dos Espíritas nem com qualquer outra crença. O ônus da prova deve ficar a cargo dos que acreditam em “espíritos”. E atualmente, embora ainda acreditem que o tipo mais elevado de manifestações ocorre através de espíritos desencarnados, os seus líderes e os mais cultos e inteligentes entre os espíritas são os primeiros a confessar que nem todos os fenômenos são produzidos por espíritos. Gradualmente, eles serão levados a reconhecer toda a verdade; mas, enquanto isso, nós não temos o direito de defender junto a eles os nossos pontos de vista. Inclusive porque, como no caso de manifestações puramente psíquicas e espirituais, nós acreditamos na intercomunicação entre o espírito do homem vivo e o espírito de personalidades desencarnadas. [2]
PESQ.: Isto significa que vocês rejeitam a filosofia do espiritismo em sua totalidade?
TEOS.: Se você chama as teorias rudimentares deles de “filosofia”, sim, rejeitamos. Mas eles não têm filosofia, na verdade. Até os seus melhores, mais intelectualizados e mais dedicados defensores dizem isto. Ninguém irá negar e ninguém pode negar – exceto algum materialista cego da escola de “primatas” de Huxley – a única verdade fundamental e irrecusável deles, isto é, que ocorrem fenômenos através de médiuns controlados por forças e inteligências invisíveis. Com relação à filosofia espírita, no entanto, quero ler a você o que diz o hábil editor da revista “Light”, um dos espíritas mais sábios e mais devotados. “M. A. Oxon”, um dos poucos espíritas filosóficos, escreve o seguinte sobre a falta de organização e sobre o fanatismo dos espíritas:
“Vale a pena olhar atentamente para este ponto, porque ele é de importância vital. Nós temos uma experiência e um conhecimento ao lado dos quais qualquer outro conhecimento é, comparativamente, insignificante. O espírita comum fica colérico se alguém ousa questionar seu conhecimento confirmado do futuro e sua absoluta certeza sobre a próxima vida. Num terreno em que outros homens tateiam vagamente buscando por um futuro indefinido, ele caminha com muita confiança, como alguém que possui um mapa e sabe que caminho seguir. Enquanto outros homens se dão por satisfeitos com uma aspiração devocional, ou se contentam com uma fé hereditária, ele afirma ter a vantagem de saber o que os outros apenas acreditam, e diz que, com base em seu profundo estoque de conhecimento, pode socorrer a fé enfraquecida cujo alicerce é apenas a esperança. Ele lida de modo magnífico com as grandes expectativas dos homens. ‘Vocês têm esperança’, parece dizer ele, ‘em relação a aquilo que eu posso demonstrar. Vocês têm aceitado uma crença tradicional sobre algo que eu posso provar experimentalmente de acordo com os métodos mais científicos. As velhas crenças estão perdendo força; abandonem estas crenças, separem-se delas. Elas contêm tanta verdade quanta falsidade. É só construindo um alicerce com fatos demonstrados que a sua superestrutura pode ser estável. Tudo está caindo ao redor das velhas crenças. Evitem o impacto e venham para fora.’
“Quando alguém conhece esta magnífica pessoa de um modo prático, qual é o resultado? Muito curioso, e muito decepcionante. Ele é tão confiante no terreno onde pisa que não se dá ao trabalho de examinar de que modo os outros interpretam os seus fatos. A sabedoria de todos os tempos tem se dedicado a explicar o que ele corretamente considera comprovado; mas ele prefere ignorar as suas pesquisas. Ele nem sequer concorda totalmente com seu irmão espírita. É como na antiga história de uma velha escocesa que, junto com o seu marido, fundou uma ‘igreja’. Eles tinham chaves exclusivas para o céu, ou, mais precisamente, ela tinha, porque ela ‘não tinha certeza sobre Jaime’. Assim as seitas espíritas, infinitamente divididas, subdivididas e re-subdivididas, sacodem suas cabeças e ‘não têm certeza’ umas sobre as outras. Também neste caso, a experiência coletiva da humanidade é sólida e invariável, no sentido de que a união faz a força, e de que a desunião é uma fonte de fraqueza e fracasso. Unindo-se ombro a ombro, treinada e disciplinada, a massa popular torna-se um exército, e cada homem valerá por uma centena de homens destreinados que sejam mobilizados contra ela. Em todos os tipos de trabalho humano, organização significa êxito, vantagens, desenvolvimento, economia de tempo e de trabalho. A falta de método, a falta de um plano, o trabalho feito ao azar, a energia inconstante, os esforços indisciplinados − estes fatores significam fracasso através da ineficiência. A opinião geral confirma esta verdade. Será que o espírita aceita o veredicto e age de acordo com a conclusão? A resposta é negativa. Ele se recusa a se organizar. Ele é a lei para si mesmo, e ele é um espinho para o seu próximo.” (revista “Light”, 22 de junho de 1889.)
PESQ.: Ouvi dizer que a Sociedade Teosófica foi fundada originalmente para destruir o espiritismo e a crença na sobrevivência da individualidade do homem.
TEOS.: Você está mal informado. Todas as nossas crenças se baseiam na individualidade imortal. O problema é que, como tantos outros, você está confundindo a personalidade com a individualidade. Os seus psicólogos ocidentais não parecem ter estabelecido nenhuma diferença entre as duas. No entanto, é precisamente esta diferença que dá a nota-chave para a compreensão da filosofia oriental, e que está na base da divergência entre os ensinamentos teosóficos e os ensinamentos espíritas. E embora isso possa despertar ainda mais antipatia dos espíritas em relação a nós, devo afirmar que a teosofia é o verdadeiro e puro espiritismo, enquanto que o esquema moderno que usa este nome, tal como hoje praticado pelas massas, é apenas um materialismo transcendental.
PESQ.: Explique um pouco mais essa sua ideia, por favor.
TEOS.: O que quero dizer é que embora os nossos ensinamentos insistam sobre a identidade que há entre espírito e matéria, embora nós digamos que o espírito é matéria potencial, e que a matéria é apenas espírito cristalizado (assim como, por exemplo, o gelo é vapor solidificado), apesar disso, como a condição eterna do todo não é o espírito mas o meta-espírito, digamos assim ( e a matéria visível e sólida é apenas a sua manifestação periódica), nós afirmamos que o termo “espírito” só pode ser aplicado à verdadeira individualidade.
PESQ.: Mas qual é a diferença entre esta “verdadeira individualidade” e o “eu” ou “ego” do qual todos nós temos consciência?
TEOS.: Antes que eu possa responder, devemos examinar o que você quer dizer com a ideia de “eu” ou “ego”. Nós fazemos uma distinção entre o simples fato da autoconsciência, o simples sentimento de que “eu sou eu”, e o pensamento complexo de que “eu sou o Sr. Smith” ou “a Sra. Brown”. Acreditamos em uma série de nascimentos do mesmo Eu, ou seja, na reencarnação, e esta diferença é o ponto fundamental de toda a ideia. A noção de “Sr. Smith” significa, na verdade, uma longa série de experiências diárias reunidas pelo fio da memória, e que formam aquilo que o Sr. Smith chama de “eu”. Mas nenhuma destas experiências é realmente o “Eu” ou “Ego”; nem elas dão ao “Sr.. Smith” o sentimento de que ele é ele mesmo, porque ele esquece a maior parte das suas experiências diárias, e elas produzem nele o sentimento de egoidade apenas enquanto duram. Portanto, nós, teosofistas, distinguimos entre este conjunto de “experiências”, que chamamos de personalidade falsa (porque é muito finita e impermanente), e aquele elemento, no homem, a que se deve o sentimento de “eu sou eu”. É este “eu sou eu” que nós chamamos de verdadeira personalidade; e nós dizemos que este “Ego” ou individualidade vive, como um ator, muitos papéis no palco da vida. [3] Devemos ver cada nova vida do mesmo Ego na Terra como uma noite no palco do teatro. Uma noite, o ator, ou o Ego, aparece como “Macbeth”, na outra noite como “Shylock”, numa terceira como “Romeu”, na quarta noite como “Hamlet”, ou “Rei Lear”, e assim sucessivamente, até completar todo o ciclo de reencarnações. O Ego começa a sua peregrinação vital como um espírito menor, um duende, um “Ariel”, um “diabinho”; ele faz o papel de um figurante, de um soldado, de um servo, de um membro do coro; ele se eleva até os papéis “falantes”, vive papéis centrais, a que se sucedem papéis insignificantes, até que finalmente se retira do palco como “Próspero”, o mago.
PESQ.: Entendo. Você diz, então, que este verdadeiro Ego não pode retornar à terra depois da morte. Mas seguramente o ator estará livre, se ele preservou o sentido de individualidade, para retornar como quiser à cena das suas ações passadas?
TEOS.: Nós dizemos que não, simplesmente porque um tal retorno à terra seria incompatível com qualquer estado de pura bem-aventurança depois da morte, conforme posso provar. Nós dizemos que o homem sofre tanta dor não-merecida durante a sua vida, devido aos erros dos outros com os quais ele se relaciona, ou por causa do seu ambiente, que ele tem direito, seguramente, a um perfeito descanso e uma paz perfeita – se não bem-aventurança – antes de assumir outra vez o fardo da vida. No entanto, podemos discutir isso em detalhe mais adiante.
POR QUE A TEOSOFIA É ACEITA?
PESQ.: Eu entendo até certo ponto: mas vejo que os seus ensinamentos são muito mais complicados e metafísicos que o espiritismo e o pensamento religioso comum. Você pode explicar, então, por que motivo este sistema da Teosofia, que você apóia, despertou tanto interesse e tanta hostilidade ao mesmo tempo?
TEOS.: Acredito que há várias razões para isso. Entre outras causas que podem ser mencionadas, em primeiro lugar, há a grande reação provocada pelas teorias grosseiramente materialistas hoje dominantes entre os professores da ciência. Em segundo lugar, há uma insatisfação geral com a teologia artificial das várias igrejas cristãs, e com o número de seitas conflitantes entre si, que cresce a cada dia. Em terceiro lugar, há uma percepção sempre crescente do fato de que crenças religiosas tão obviamente auto-contraditórias – e mutuamente contraditórias – não podem ser verdadeiras; e de que alegações não-verificadas não podem ser reais. Esta desconfiança natural em relação às religiões convencionais é fortalecida pelo completo fracasso delas quando se trata de preservar a moral e de purificar a sociedade e as massas. Em quarto lugar, uma convicção da parte de muitos, e um conhecimento da parte de alguns, de que deve haver em algum lugar um sistema filosófico e religioso que seja científico e não apenas especulativo. Finalmente, uma crença, talvez, de que um tal sistema deve ser buscado em ensinamentos muito mais antigos do que qualquer religião moderna.
PESQ.: Mas como ocorreu que este sistema veio a ser apresentado logo agora?
TEOS.: Simplesmente porque avaliou-se que o momento certo havia chegado, e este fato é demonstrado pelo esforço decidido de tantos estudantes sérios que buscam a verdade, a qualquer preço, e onde quer que ela esteja oculta. Ao ver isso, os seus guardiões permitiram que algumas porções, pelo menos, da verdade fossem divulgados. Se a formação da Sociedade Teosófica tivesse sido postergada mais alguns anos, metade das nações civilizadas teria se tornado a esta altura materialista, e a outra metade teria crenças antropomórficas ou fenomenalistas.
PESQ.: Devemos ver a Teosofia, de algum modo, como uma revelação?
TEOS.: De modo algum; e certamente não no sentido de uma nova divulgação de conhecimentos feita por seres mais elevados, sobre-naturais ou, pelo menos, super-humanos; mas só no sentido de um “desvelamento” de verdades extremamente antigas, para mentes que até agora as ignoravam, e que desconheciam inclusive a existência e a preservação deste conhecimento arcaico. [4]
PESQ.: Você falou de “perseguição”. Se a verdade é como a teosofia a representa, por que a teosofia tem encontrado tamanha oposição, ao invés de uma aceitação geral?
TEOS.: Por muitas e variadas razões, uma das quais é o ódio que os homens sentem em relação a “inovações”. O egoísmo é essencialmente conservador, e detesta ser perturbado. Ele prefere a mentira cômoda e que nada exige, ao invés da maior verdade, se esta última exigir mesmo uma pequena quantidade de desconforto. O poder da inércia mental é grande em qualquer coisa que não prometa um benefício e uma recompensa imediatos. A era atual é predominantemente não-espiritual e apegada a trivialidades. Além disso, há o caráter desconhecido dos ensinamentos teosóficos, o caráter altamente complexo das suas doutrinas, algumas das quais contradizem frontalmente muitas das fantasias humanas a que se apegam os sectários, que chegaram até o coração das crenças populares. Se somarmos a isso os esforços pessoais e a grande pureza de vida exigida daqueles que quiserem tornar-se discípulos do círculo interno, e o fato de que é muito limitado o grupo de pessoas para quem um código de vida inteiramente inegoísta parece ter atrativos, será fácil perceber a razão pela qual a teosofia está condenada a avançar lentamente, morro acima. Além disso, a história de todos os sistemas morais ou sistemas de crenças novos, introduzidos em um solo estranho, mostra que no começo tiveram que enfrentar todo tipo de obstáculos criados pelo obscurantismo e pelo egoísmo. De fato, “a coroa do inovador é uma coroa de espinhos”! A tarefa de demolir prédios velhos e devorados pelo cupim é algo sempre perigoso.
PESQ.: Tudo isso se refere especialmente à ética e à filosofia da S.T. Você pode fazer uma descrição geral da Sociedade em si mesma, dos seus objetivos e seus estatutos?
TEOS.: Isto nunca foi segredo. Pergunte, e terá respostas claras.
PESQ.: Mas eu ouvi falar que vocês são limitados por votos solenes.
TEOS.: Só na Seção Arcana ou “Esotérica”.
PESQ.: E também ouvi que alguns membros, depois de afastar-se, não se sentiram limitados por tais votos. Eles têm razão?
TEOS.: Isso mostra que a ideia de honra que eles têm é imperfeita. De que modo poderiam estar certos? Conforme foi corretamente afirmado na nossa revista teosófica “Path”, de Nova Iorque, ao tratar de um caso deste tipo: “Suponhamos que um soldado é julgado em um caso de quebra de juramento e de disciplina, e dispensado do serviço. Tomado de raiva por causa do ato de justiça que ele provocou contra si, e sobre cujas penalidades ele havia sido claramente avisado de antemão, o soldado agora procura o inimigo com informações falsas – agindo como espião e traidor – para buscar vingança contra seu chefe anterior; e alega que a sua punição o libertou do seu juramento de lealdade a uma causa.” Você pensa que ele age corretamente? Você não pensa que ele merece ser considerado um sujeito sem honra e um covarde?
PESQ.: Penso desta maneira, mas alguns têm opinião diferente.
TEOS.: Pior para eles. Mas voltaremos ao assunto mais tarde, se você concordar.
NOTAS DE HPB:
[1] Um membro “vinculado” é aquele que ingressou em alguma loja específica da S. T. Um membro “livre” é aquele que pertence à Sociedade como um todo, que recebeu seu diploma da sede internacional na Índia (Adyar, Madras), mas não está ligado a algum grupo ou loja.
[2] Nós afirmamos que em tais casos não são os espíritos dos mortos que descem para a terra, mas os espíritos dos vivos que sobem até as puras Almas Espirituais. Na verdade não há nem descida nem subida, mas uma mudança de estado ou de condição para o médium. Quando o corpo deste último fica paralisado, ou “em transe”, o Eu espiritual se liberta dos seus entraves, e se descobre no mesmo plano de consciência que os espíritos desencarnados. A partir de então, se houver qualquer atração espiritual entre os dois eles poderão comunicar-se, como ocorre frequentemente em sonhos. A diferença entre uma natureza mediúnica e não-sensitiva é a seguinte: o espírito liberado de um médium tem a oportunidade e a facilidade de influenciar os órgãos passivos do seu corpo físico em transe, e fazê-los agir, falar, e escrever à vontade. O Eu pode fazer com que ele repita, como um eco, e na linguagem humana, os pensamentos e ideias da entidade desencarnada, assim como os seus próprios pensamentos e ideias. Mas o organismo não-receptivo ou não-sensitivo de alguém que é muito positivo não pode ser influenciado desta forma. Portanto, embora dificilmente haja um ser humano cujo Eu não tenha, durante o sono do seu corpo, livre contato com aqueles a quem ele amou e perdeu, na verdade, devido à positividade e à não-receptividade do seu cérebro e do seu envelope físico, não há lembrança na memória da pessoa quando ela acorda, ou há uma memória muito vaga, como em um sonho.
[3] Veja, mais adiante, a diferença entre a individualidade e a personalidade.
[4] Tornou-se um costume, recentemente, desprezar a ideia de que houve jamais, nos mistérios de grandes povos civilizados como os do Egito, da Grécia e de Roma, qualquer coisa além de impostura sacerdotal. Afirma-se que mesmo os rosa-cruzes foram apenas meio doidos e meio velhacos. Numerosos livros têm sido escritos sobre estes temas. Escritores inexperientes, que alguns anos antes dificilmente haviam ouvido o nome, apresentam-se como profundos analistas e conhecedores de temas como Alquimia, filósofos do fogo, e misticismo em geral. Porém, sabe-se que uma longa série de hierofantes do Egito, da Índia, da Caldéia e Arábia, ao lado dos maiores filósofos e sábios da Grécia e do Ocidente, incluíam todo conhecimento sob a designação de sabedoria e ciência divina, porque eles consideravam a base e a origem de toda arte e ciência como sendo essencialmente divina. Platão considerava os mistérios como extremamente sagrados, e Clemente de Alexandria, que foi pessoalmente iniciado nos mistérios de Eleusis, declarou “que as doutrinas neles ensinadas contêm em si a meta de todo conhecimento humano”. Cabe perguntar: será que Platão e Clemente foram dois velhacos, ou dois tolos, ou ambas as coisas?
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Final do capítulo II
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Sobre o mistério do despertar individual para a sabedoria do universo, leia a edição luso-brasileira de “Luz no Caminho”, de M. C.
Com tradução, prólogo e notas de Carlos Cardoso Aveline, a obra tem sete capítulos, 85 páginas, e foi publicada em 2014 por “The Aquarian Theosophist”.
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