A Arte do Arco e da Flecha Simboliza a Concentração
William Q. Judge
“Tendo agarrado o arco, a grande arma, deves colocar nele a
flecha, aguçada pela devoção. E então, tendo esticado o arco com o
pensamento voltado para o que é verdadeiro, deves alcançar o alvo,
ó amigo -, o Indestrutível. OM é o arco. O Eu Superior é a flecha.
Brahman é o seu alvo. Ele será atingido por um homem que não
age impensadamente; e, à medida que a flecha se torna uma com
o alvo, o homem se tornará um com Brahman. Deves saber que
só ele é o Eu Superior, deixando de lado outras palavras. Ele é a
ponte para o Imortal. Medita no Eu como OM. Eu te saúdo e
desejo que possas atravessar e ir até além do mar de escuridão.”
MUNDAKA UPANIXADE, Seção II, 2: 3-6
A arte do arco e flecha está sempre em uso, seja nas nações civilizadas ou entre povos de hábitos selvagens. Nós vemos que Arjuna, um príncipe indiano, é dono de um arco maravilhoso chamado Gandiva, presente dos deuses. Só o seu dono era capaz de usá-lo, e, na guerra, ele espalhava terror nas fileiras do inimigo. Arjuna era um guerreiro extraordinário. Ele podia usar Gandiva tanto com sua mão esquerda como com sua mão direita, e em certa passagem do diálogo do “Bhagavad Gita” Krishna se dirige a ele dizendo, “tu que utilizas as duas mãos”.
O arco faz parte das vidas dos heróis gregos, e neste momento o romancista Louis Stevenson está publicando um livro em que faz uma homenagem a um arco, o arco de guerra que pertenceu a Ulisses. Quando chegava o momento da guerra, o arco cantava a sua própria canção, peculiar, aguda, clara, e as flechas disparadas dele alcançavam o alvo.
A arte do arco e da flecha é uma prática que simboliza a concentração. Há o arqueiro, a flecha, o arco, e o alvo a ser atingido. Para alcançar o alvo é necessário concentrar a mente, o olho e o corpo em muitos pontos simultaneamente, enquanto ao mesmo tempo a corda do arco deve ser liberada sem perturbar a mira. O ato de puxar para trás a corda com a flecha deve ser feito no nível correto, com firmeza, e na linha da visão. Quando a força, o impulso, a mira e a linha da visão estão aperfeiçoados, a flecha deve ser liberada suavemente no momento em que há força total, de modo que, pela volta do arco à sua posição normal, ela possa ser deslocada em linha reta até o alvo. Assim também, aqueles que buscam realmente a sabedoria são arqueiros tentando atingir o alvo. Essa é a arte espiritual do arco e da flecha, e é a ela que os versos do Mundaka Upanixade se referem.
Na arte do arco e da flecha, deve-se assumir uma posição estável, e na busca da verdade esta posição firme deve ser estabelecida e nunca abandonada, se é que se pretende alcançar de fato, em algum momento, o objeto que se tem em vista.
O olho não deve se desviar do alvo, porque, se isso acontecer, a flecha irá na direção errada ou cairá antes de atingir a meta. Deste modo, se iniciamos a busca da sabedoria, a mente e o coração não devem ter a possibilidade de distrair-se, porque o caminho é estreito, e as distrações de um só dia podem tornar necessários anos de esforço até que se alcance novamente o caminho.
A qualidade do arco faz uma grande diferença nos resultados alcançados pelo arqueiro. Se não for um arco eficiente, forte e com uma boa elasticidade, as flechas não voarão em linha reta, ou não terão força suficiente para percorrer a trajetória necessária; e o mesmo ocorre com o homem que é o seu próprio arco. Se ele não tiver as características que o tornarão capaz de obter todas as condições indispensáveis, o seu trabalho como um arqueiro espiritual fracassará na mesma proporção.
Mas ainda que o arco feito de madeira ou aço esteja sujeito a alterações, nós somos intensamente encorajados pela ideia de que, conforme é mostrado pelas leis do carma e da reencarnação, em outras vidas e em corpos melhores nós poderemos fazer um trabalho melhor. O arqueiro diz, também, que o arco frequentemente parece alterar-se de acordo com o tempo ou com outros fatores terrenos, e em alguns dias funcionará muito melhor do que em outros.
A mesma coisa é percebida pelo teosofista observador. Ele compreende que também está sujeito, de tempos em tempos, a mudanças em sua natureza que o capacitam para realizações maiores e para estar mais perto da condição espiritual. Mas a corda do arco deve estar sempre firme; e isto, na arte espiritual do arco e da flecha, simboliza a determinação constante de esforçar-se sempre para alcançar a meta.
Quando a flecha é apontada e lançada, ela deve estar um pouco erguida, levando-se em conta a trajetória a ser percorrida. Caso contrário, cairá antes de chegar ao alvo. Isso exemplifica no plano físico uma das necessidades da nossa constituição humana, porque devemos ter uma meta mental e espiritual elevada, se quisermos ter êxito.
Não podemos alcançar a mesma altura da nossa meta, mas temos que levar em conta a trajetória determinada pelas limitações da nossa natureza. A trajetória da flecha se deve à ação da força da gravidade sobre ela, e as nossas aspirações têm a mesma curva, em consequência da atração dos sentidos, dos defeitos hereditários e dos maus hábitos que nunca nos permitem fazer tanto quanto gostaríamos de fazer.
Vamos atingir o alvo, ó amigo! E o indestrutível alvo é a mais alta vida espiritual de que somos capazes.
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O artigo acima foi traduzido da coletânea em dois volumes “Theosophical Articles”, de William Q. Judge, Theosophy Co., Los Angeles, 1980, ver volume II, 655 pp., pp. 389-391. Título original: “Hit the Mark” (literalmente, “Atinja o Alvo”). O texto foi publicado originalmente na Revista “Path”, de Nova Iorque, em setembro de 1890, sob o pseudônimo de “William Brehon”.
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Para conhecer a teosofia original desde o ângulo da vivência direta, leia o livro “Três Caminhos Para a Paz Interior”, de Carlos Cardoso Aveline.
Com 19 capítulos e 191 páginas, a obra foi publicada em 2002 pela Editora Teosófica de Brasília.
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