O Verdadeiro Contentamento Está
Em Transcender a Estreiteza do Egoísmo
Jean des Vignes Rouges
A vontade saudável é um movimento alternado de criação e doação.
“… Os psicólogos e os filósofos moralistas
recomendam o autossacrifício como o
caminho mais seguro para alcançar a felicidade.”
Dizer “Eu quero” é bom! Mas vá ainda mais longe na direção do autoaperfeiçoamento, e diga: “Nós queremos”.
Porque não é sem perigo repetir teimosamente: “Eu quero!”. O homem fica constantemente tenso neste esforço e acaba por dar demasiada importância a si mesmo, caindo no orgulho de querer. Ele proclama: “Não é tanto o sucesso que eu procuro, mas a satisfação de ter desejado o sucesso”.
E para alcançar esta alegria, o indivíduo vive com os nervos constantemente tensos. “Eu quero! Eu quero!” repete ele incansavelmente. O que ele quer? Tudo! Até o próprio Universo seria uma presa demasiado pequena para os seus desejos ilimitados. Mas enquanto aguarda para dominar o mundo, ele vive de maneira feroz, escondido na fortaleza da sua vontade; a sua alma é um foco de ambição, de agressividade e irritação hostil. Ele só pensa em adquirir cada vez mais dinheiro, poder, honras. Firme na defesa dos seus direitos, com os punhos e os dentes de fora, ele afirma, exige, e acredita que está trabalhando para a apoteose de sua personalidade.
Você não cairá neste nível de fanatismo grosseiro da vontade; ele secaria a sua alma e você pereceria. Porque esta concepção da vontade emparedou o homem numa solidão moral terrível. Quanto mais intensamente ele deseja, mais aumenta o seu egoísmo; acaba por se desligar da comunhão humana e se torna incapaz de aproveitar o gosto da vida.
Portanto, não considere o exercício da sua vontade como uma espécie de corrida desenfreada por dinheiro, uma preocupação obsessiva pela segurança, uma tentativa mesquinha de obter cada vez mais conforto material; nem o veja como uma corrida rumo à “felicidade média” que tantas pessoas invejam. A busca exclusiva de todos esses “bens” não lhe daria a encantadora sensação de viver plenamente e com intensidade.
Na realidade, você não é apenas um indivíduo agressivo e rabugento, lutando para defender o seu dinheiro, a sua esposa ou os direitos humanos; você também é uma “pessoa social” e cairia morto se fosse colocado de fora da comunidade. Você precisa da simpatia e do amor de seus semelhantes. Você não apenas busca, com toda a sua natureza profunda, receber provas da boa vontade dos outros, mas também deseja distribuir boa vontade por sua vez, e quanto mais generosamente você espalhar esse amor ao próximo, mais você experimentará a bela alegria de viver.
É por isso que os psicólogos e os filósofos moralistas recomendam o autossacrifício como o caminho mais seguro para alcançar a felicidade. Siga os seus conselhos. O que você faria com a riqueza adquirida através da frase “Eu quero”, se não doasse essa riqueza aos outros? O seu objetivo é se tornar uma espécie de maníaco da vontade e da ganância, abraçando os seus tesouros e repetindo “isso é meu, eu vou ficar com isso”? Que imagem ridícula, e que comportamento idiota! Porque, na verdade, é só no momento em que nós doamos espontaneamente o que temos, que experimentamos a satisfação de ser donos.
É preciso querer para criar a si mesmo. Mas depois de querer, é fundamental oferecer, transmitir, doar. A vontade saudável é um movimento alternado de criação e doação. Se faltar este último elemento da alternância, a circulação se interrompe e o homem morre asfixiado na mesquinhez do seu querer, ou pela apoplexia dos seus excessos.
Mas não pense que estou apenas convidando você para fazer caridade. Não. A doação da vontade própria é um presente mais sutil. Só ela pode levá-lo ao estado superior de perfeição que eu mencionei há pouco.
Já que a prática do “eu quero”, levada ao excesso, provoca o definhamento espiritual, o retraimento, a prisão na fortaleza de si mesmo, você deve abrir a porta da sua alma pronunciando uma fórmula que ligue o seu esforço aos outros: “Queremos”. Quem é esse “nós”? São os seus irmãos de humanidade, as pessoas com quem você forma a sociedade, a família, os amigos, a cidade, os companheiros de trabalho, a Pátria!
Eis aí a saída triunfal da solidão, a expansão da alma! Mencionemos também este estado de espírito: a comunhão humana, a capacidade de ficar feliz com a doação da sua própria personalidade. [1]
Compreenda a natureza, a importância e as condições deste presente. Vemos a formação de sociedades de “carreirismo mútuo” onde o único pensamento de cada um dos seus membros é aumentar os seus privilégios, as suas vantagens, os seus lucros, o seu avanço. Todos os participantes deste grupo, ao pagarem sua taxa de adesão, calculam o que ela trará. Esses “membros” dizem “queremos”, mas cada um deles continua pensando: “Quero que outros tornem a escada mais curta para eu chegar ao alto”. Este não é o ideal de sociedade que proponho a vocês. Porque não inclui a obrigação de uma verdadeira doação de si mesmo.
A sociedade que você tratará de alcançar com outros, seus semelhantes, terá uma alma comum à qual todos juntos darão grandeza e até um caráter sagrado. A família, a pátria, as igrejas, e às vezes outros grupos humanos, assumem espontaneamente este caráter. Quem faz parte desse processo sente-se então elevado pelo amor, por algo impessoal e espiritual que pertence a todos, sem que nenhum dos seus membros possa se apropriar dele.
Quem possui este sentimento conhecido por vários nomes – altruísmo, espírito comunitário, alma religiosa, generosidade – este indivíduo deixa de sofrer a tirania do individualismo. Ele aprende a voltar a sua vontade para a conquista de uma grandeza maior que o seu próprio querer.
Unificado com o seu grupo, dedicado ao esforço leal de dar a sua contribuição para o bem comum, ele sente que obedece à suprema vocação da sua própria natureza. Ele não é mais o credor preocupado e astucioso que manipula os outros com medo de não recuperar o seu dinheiro ganhando juros altos; mas é aquele que generosamente doa a sua força, porque sabe que este é o melhor uso que pode fazer dela.
Quando atinge este estado de espírito, o homem pode dizer e pensar: “Nós queremos!” E isso significa: “quero o bem geral dos outros, sem medo de ser enganado”, pois o próprio ato de fazer este presente é a sua maior recompensa.
Procure constantemente este tipo de sociedade, onde a sua personalidade florescerá. Ajude a moldá-la, ofereça a ela todas as suas forças com generosidade e com amor. Assim você enobrecerá a sua vontade e estará à altura verdadeiramente do seu destino de ser humano.
Mas não estou esquecendo que este livro tem um caráter prático. É por isso que entrego às suas reflexões esse fato. Você já percebeu o tom de profunda aflição dos idosos quando observam com tristeza: “Sinto que não sou mais útil para ninguém, a única coisa que tenho a fazer é morrer!” E para retardar o momento doloroso desta confissão, quantos esforços eles fazem! Insistem em trabalhar além das suas forças, procuram oportunidades para se dedicarem a algo; até os vemos usando truques comoventes e ingênuos para provar que ainda servem para alguma coisa, mesmo que seja apenas para dar conselhos ou fazer tarefas domésticas. Eles percebem muito bem, esses velhos, que terão uma razão para viver enquanto tiverem a ilusão de que os outros esperam deles cuidado, alimento, vida.
Ah! Não ria desses seres isolados e frágeis que, na falta de algo melhor, cuidam e mimam um cachorro. Talvez não encontrem ninguém que aceite ou peça aquilo que eles são capazes de doar. Essa pobre velha, a “mãe do seu cachorrinho”, é ridícula, você diz. Nem tanto. Ela teme instintivamente ser vítima da lei fatal da natureza que condena os seres inúteis a desaparecer; e esse recurso joga mais para a frente o ponto máximo de duração da sua vida.
O mesmo acontece com todos os seres humanos! E isso é bom para eles. Aqui está uma receita valiosa para você garantir a sua longevidade e superar a angústia da destruição. Organize-se para que sempre haja seres que precisem de você, que esperem de você ajuda, devoção, assistência, conselhos. Ver os seus olhos suplicantes voltados para você será suficiente para que sinta uma forte vontade de viver, e o seu inconsciente então tomará providências para que você tenha os meios de agir à altura.
Este é outro aspecto da verdade que acabo de delinear, ao recomendar que repita frequentemente: “Nós queremos”. Através desta fórmula você se associa ao esforço de outros homens, você se define como um instrumento a serviço do grupo, da igreja, da família, da pátria, da humanidade, da espécie humana. Você cria uma valiosa obrigação de doar. Deste modo você tem a sensação emocionante de fazer parte de uma alma coletiva que é vasta, poderosa, imortal, e que precisa da sua participação.
NOTA:
[1] Este é o caminho teosófico. Um mestre de sabedoria vive e trabalha única e exclusivamente com o objetivo de ajudar a humanidade. Para toda pessoa inteligente, a felicidade está em deixar de lado a dolorosa ilusão do egoísmo. (CCA)
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“A Generosidade da Vontade” é uma tradução de “Générosité de la Volonté”, artigo que faz parte do livro «Dictionnaire de la Volonté», de Jean des Vignes Rouges, Éditions J. Oliven, Paris, 320 pp., 1945, pp. 139-142. Clique para ver o texto original publicado nos websites da Loja Independente de Teosofistas. A tradução é de CCA.
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