Religiões Verbais Não Promovem a Ética:
A Base da Ação Correta Está na Capacidade de Amar
A Base da Ação Correta Está na Capacidade de Amar
Pitirim A. Sorokin
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Nota Editorial:
O artigo a seguir é reproduzido da obra “A Visão
Espiritual da Relação Homem & Mulher”, Compilação
de Scott Miners, Ed. Teosófica, 1992, Brasília, pp. 89-104.
Também foi publicado em “O Teosofista” de julho de 2013.
O texto foi escrito em meados do século 20, mas a sua
atualidade durante o século 21 continua sendo revolucionária.
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Vinde todos a mim afinal,
Não existe amor como o meu;
Pois qualquer outro amor recebe a um e não a outro;
E outro amor significa dor, mas este é eterna alegria.
(Edward Carpenter, “Over the Great City”)
I
Em décadas recentes, a ciência abriu diversos novos campos de atuação para sua exploração e uso. As investigações no mundo subatômico e o aproveitamento da energia atômica são apenas dois exemplos destas aventuras. Talvez o último reino a ser explorado seja o misterioso domínio do amor altruístico. Embora esteja agora no início, é provável que o seu estudo científico torne-se uma área da maior importância para futuras pesquisas: o tópico do amor inegoísta já foi colocado na agenda de hoje da história, e está para se transformar em seu assunto principal.
Antes da Primeira Guerra Mundial e das catástrofes mais recentes do nosso tempo, a ciência evitou em muito este campo. Pensava-se que os fenômenos do amor altruístico pertenciam à religião e à ética mais do que à ciência. Eles eram considerados bons temas para pregação mas não para a pesquisa e o ensino. Além do mais, a ciência de antes da guerra estava muito mais interessada no estudo dos criminosos do que no dos santos, dos loucos mais que no dos gênios, da luta pela sobrevivência mais que no do auxílio mútuo, e do ódio e do egoísmo mais que no da compaixão e do amor.
A explosão dos gigantescos desastres após 1914 e o perigo iminente de uma nova guerra suicida promoveram uma alteração radical na situação. Estas calamidades deram um impulso ao estudo científico do amor inegoísta. Elas também levaram a revisões básicas de muitas teorias até agora tidas como científicas, especialmente aquelas que tratavam das causas e dos meios de evitar as guerras, as revoluções e o crime.
Dentre outras coisas, estas revisões mostraram que, sem o reforço da energia do amor inegoísta, todas as receitas da moda para a eliminação destes males da humanidade não logram cumprir sua tarefa. Esta conclusão também se aplica a todas as prescrições que tentam impedir conflitos por meios puramente políticos, educacionais, ou supostamente religiosos, econômicos, ou até militares. Por exemplo, podemos gostar de imaginar que, se amanhã todos os governos do mundo se tornarem democráticos, teremos por fim uma paz duradoura e uma ordem social sem crimes. Contudo, estudos meticulosos recentes sobre a criminalidade comparativa de 967 guerras e 1629 distúrbios internos da história da Grécia, de Roma e dos países ocidentais, desde 600 a.C. até os dias de hoje, mostram que as democracias dificilmente foram menos beligerantes, turbulentas e repletas de crimes, que as autocracias. [1]
O mesmo vale para a educação em sua forma atual como uma panaceia contra as guerras internacionais, as guerras civis e os crimes. Desde o século X até hoje, a educação tem feito enorme progresso. A quantidade de escolas de todos os tipos, o percentual de alfabetizados e o número de descobertas e invenções científicas aumentaram muito. Contudo, a quantidade e a mortalidade das guerras, das revoluções sangrentas e dos crimes graves não diminuiu de forma alguma. Ao contrário, neste século XX, o mais científico e mais educado, elas atingiram um apogeu incomparável e fizeram deste o mais sangrento dos últimos vinte e cinco séculos da história greco-romana e ocidental.
De modo semelhante, o tremendo progresso do conhecimento e a sujeição de todas as formas de energia física não proporcionaram ao homem uma paz duradoura. Antes, eles aumentaram muito as suas chances de ser destruídos em todas as formas de conflitos humanos.
Até mesmo a religião superficial – puramente verbalista e ritualística – não ajuda muito nesta tarefa, se uma tal religião “cômoda” não for implementada por gestos de amor altruísta. Jesus, São Tiago e São Paulo afirmaram muito corretamente que “a fé sem obras é morta”, e que “em Jesus, nem a circuncisão tem valor, nem a incircuncisão, mas a fé agindo pela caridade. [2] Como a prática sistemática dos mandamentos do amor é bem mais difícil que a mera profissão de fé “verbal-ritualística”, as pessoas verdadeiramente religiosas, que praticam sem cessar os seus preceitos morais, sempre têm constituído uma minoria insignificante em qualquer grupo religioso. Dentre milhões de cristãos, poucos são os que praticam regularmente tais mandamentos do Sermão da Montanha como: “amai os vossos inimigos, fazei o bem aos que vos odeiam”, “a quem te ferir a face, oferece a outra” [3] ou a maioria dos demais preceitos deste Sermão.
O mesmo se aplica aos adeptos de outras religiões que possuem milhões e milhões de membros. Quando investigamos setenta e três indivíduos convertidos por um evangelista popular, descobrimos que apenas um desses “convertidos em massa” tinha alterado de modo tangível seu comportamento público em direção altruísta. Esta profunda divergência entre os nobres ensinamentos e as práticas ignóbeis explica os modestos resultados das religiões quanto à prevenção das guerras. Como esta divergência parece estar aumentando nos últimos séculos, existe pouca chance de que as religiões verbalistas alcancem este objetivo no futuro.
Por último, o mesmo deve ser dito de outras receitas “mágicas” para a eliminação das formas mortais dos conflitos sociais. Tampouco qualquer instituição das economias comunistas, socialistas ou capitalistas pode concretizar esta tarefa porque nenhuma das sociedades históricas com estes tipos de economia ficou isenta dessa guerra. Nem mais auspiciosas são as crenças no estabelecimento de uma paz duradoura – internacional e interna – através de uma “retaliação maciça” por instrumentos de guerra nucleares ou “de última geração”.
Praticada durante milênios, esta política de “paz pelo poder” ou, conforme os romanos si vis pacem para bellum (se quereis a paz, preparai a guerra), não trouxe à humanidade sequer períodos de paz razoavelmente longos. Estudos recentes mostram que, na média, a incidência de guerra ocorria entre cada dois a quatro anos na história greco-romana e euro-americana, enquanto os distúrbios internacionais importantes aconteciam entre cada cinco a dezessete anos nestes países.
Finalmente, os mesmos estudos revelaram o fato de que cada vez que um artefato de guerra mais mortífero era inventado, a extensão, a destrutividade e a quantidade de mortos, feridos e desaparecidos aumentavam em vez de diminuir. Estes fatos “sinistros” demonstram suficientemente bem a desesperança de estas políticas atingirem uma paz duradoura.
Resumindo: a lição inesquecível proporcionada pelas catástrofes deste século mostra de maneira convincente que sem a crescente “produção, acumulação e circulação” da energia do amor altruísta, nenhum dos demais meios conseguirá impedir as futuras guerras suicidas, nem estabelecer uma ordem harmoniosa no universo humano.
As misteriosas forças da história parecem ter dado um ultimato ao homem: pereçam por suas próprias mãos, ou se elevem a um nível moral mais alto pela graça do amor criador. Esta situação explica porque está se iniciando agora um estudo sério desta energia, e porque ela tem a probabilidade de vir a ser um importante campo de pesquisa no futuro.
II
“Tudo isso pode ser verdade”, dizem-me com frequência os amigos céticos, “mas onde estão as provas de que esta energia do amor funciona? E se funciona, como podemos aumentar sua produção, acumulação e circulação no mundo dos homens?”
Minha resposta a estas questões difíceis é a seguinte: O nosso conhecimento existente sobre esta energia é, por enquanto, quase desprezível. O nosso know-how sobre a sua produção e utilização eficientes também é muito escasso. E, no entanto, este conhecimento precário e know-how insignificantes são suficientes para justificar a hipótese de que esta “virtude do amor” seja uma das três energias superiores conhecidas pelo homem (junto com as da verdade e da beleza).
Esta energia ou força é diferente de e irredutível às quantidades mensuráveis da Física, denominadas “peso”, “trabalho”, “força” e “energia”. As suas propriedades são antes qualitativas que quantitativas. Até o momento não possuímos qualquer “unidade” desta energia (como o erg “unidade de trabalho” da Física) para medi-la com exatidão. Só conseguimos avaliar a grosso modo quando a sua (a) intensidade, (b) amplitude, (c) pureza, (d) duração e (e) adequação são “notadamente maiores ou menores”. Se estas propriedades (a, b, c, d, e) forem chamadas de “as dimensões do amor”, estas “dimensões” novamente diferem das dimensões do “peso” ou “energia” da Física, expressas nas fórmulas: (MLT2 e ML2T2). Também não sabemos se a lei da conservação da energia e outros princípios da Física são aplicáveis à energia do amor. O termo “energia” está aqui empregado em seu sentido genérico, como “capacidade de produzir trabalho ou resultado”.
Nos seres humanos esta energia opera produzindo as experiências íntimas variadas e complexas chamadas de empatia, solidariedade, delicadeza, compaixão, admiração, benevolência, respeito, afeto, amizade e amor. No mundo das relações humanas, ela aparece em todas as situações em que uma outra pessoa é tratada como um valor-em-si, não como um meio visando um objetivo qualquer. No plano social o amor atua em todas as interações entre duas ou mais pessoas onde os valiosos anseios e aspirações de uma são compartilhados e incentivados (a se realizarem) por outras. Por conseguinte, todas as atitudes e relacionamentos deste tipo podem ser considerados “operações” da energia do amor em diferentes graus de pureza, intensidade, duração e adequação.
Potencialmente a energia do amor é uma força tremendamente criativa e recreativa. Quando bem conhecida, tratada com respeito e aplicada com sabedoria, ela pode ajudar substancialmente a livrar a humanidade de seus males mais graves: a guerra, o crime, a loucura, a miséria e a perversidade.
Durante estas últimas décadas, a Biologia, a Psicologia, a Sociologia e outros ramos da ciência convergiram firmemente para este ponto de vista. Um conjunto de evidências em vertiginoso crescimento demonstra, primeiro, que a energia do amor é indispensável para a geração, a continuidade e o crescimento das formas vivas, para a sobrevivência e a multiplicação das espécies, e para a manutenção da saúde e da integridade especialmente dos indivíduos humanos. Assim, a Biologia contemporânea informa-nos que, sem um mínimo de cooperação e auxílio mútuo entre os pais e a prole, nem a multiplicação nem a sobrevivência dos organismos uni e pluricelulares é possível. Isto é particularmente real no que diz respeito aos seres humanos. O desamparo do recém-nascido leva-o à morte certa caso não seja cuidado por muitos anos de sua infância. O papel decisivo do amor heterossexual na procriação e educação dos seres humanos normais precisa apenas ser lembrado para mostrar “as operações” da energia do amor neste assunto vital.
Os fenômenos do suicídio revelam estas “atividades” a sua própria mente. O principal fator do assim chamado suicídio “egoísta” e “anônimo” é a completa solidão de sua vítima, em especial quando for provocada pelo rompimento súbito dos seus laços sociais íntimos. Aqueles que não se sentem amados por alguém e que não amam são os primeiros candidatos à morte. A melhor prevenção para isso, portanto, é libertar-se do aprisionamento da própria “concha”, amando e sendo amado pelos demais.
O poder curativo do amor manifesta-se de muitas outras maneiras. A medicina psicossomática moderna informa-nos que a combinação da carência afetiva e do ódio em demasia na mesma pessoa é amplamente responsável por muitas doenças cardiovasculares, respiratórias, gastrintestinais, endocrinológicas, geniturinárias e dermatológicas, e ainda por algumas formas de epilepsia e enxaqueca. John Hunter, um grande cirurgião que sofreu um distúrbio cardíaco, bem sintetizou a sua situação ao declarar que “minha vida está à mercê de qualquer tratante que me deixe zangado”.
A rápida deterioração da saúde dos bebês privados do aconchegante amor materno foi demonstrada de maneira típica, através de um cuidadoso estudo filmado do que aconteceu a eles em um bem organizado lar nova-iorquino de crianças abandonadas. Após três meses separados de suas mães, os enjeitados começaram a perder apetite, ter insônia, e ficaram enrugados, lamurientos e trêmulos. Durante os dois meses seguintes, sua deterioração aumentou. Vinte e sete bebês morreram no primeiro ano; mais sete, no segundo. Vinte e um sobreviveram por mais tempo, mas ficaram tão alterados que, depois disso, só puderam ser classificados como idiotas. Dando-se o amor materno, esses bebês tiveram todo o carinho e a atenção necessários para o seu bem-estar. E, no entanto, a falta do amor autêntico tornou essas condições insuficientes para assegurar a sobrevivência e o crescimento saudável das crianças abandonadas.
A bênção do amor – em ambas as formas de amar e ser amado – é necessária não só à sobrevivência e à saúde física das crianças, mas também ao seu desenvolvimento como cidadãos mental e moralmente sadios. Agora sabemos bem que o bando de delinquentes e psiconeuróticos juvenis é recrutado principalmente nas fileiras das pessoas que, no início da vida, foram desprovidas de um mínimo de amor em suas famílias e em sua “vizinhança hostil”. Por outro lado, os Menonitas, os Hutteritas, os Mórmons e as comunidades dos Amigos dos Estados Unidos não apresentam quaisquer – ou os tem em menor quota – criminosos, doentes mentais, drogados, pervertidos sexuais e libertinos. O principal motivo disso é que essas comunidades fraternas não apenas pregam o amor, como o praticam firmemente não só para com os membros de suas famílias, mas para com todos os membros de sua comunidade e até para com todos os membros da raça humana.
O poder curativo do amor também está sendo cada vez mais enfatizado pelas pesquisas psiquiátricas recentes. Elas mostram que o principal agente de cura no tratamento dos distúrbios mentais não é tanto a técnica específica das diversas escolas de psiquiatria quanto o estabelecimento de harmonia, de solidariedade e confiança mútuas entre o terapeuta e o paciente, e a colocação deste em uma atmosfera social, livre de inimizades e conflitos. É possível que isso explique o “milagre” da cura de um grande número de pessoas doentes pelos santos apóstolos do amor altruísta.
Capaz de curar as enfermidades físicas, mentais e morais, a energia do amor também contribui para o prolongamento da vida humana. Este fato é tipicamente ilustrado pela longevidade de cerca de 4500 santos cristãos analisados. Estes santos viveram do século 1 ao século 18, quando a expectativa média de vida era muito menor do que a nos Estados Unidos hoje. A maior parte dos santos vivia em condições que, segundo os padrões atuais de saúde pública, estavam longe de higiênicas. Muitos deles eram ascetas e privavam seus corpos da satisfação das necessidades vitais. Apesar dessas condições adversas, sua longevidade média era tão elevada quanto, no mínimo, a dos americanos contemporâneos. Um amor puro e abundante dos santos por Deus e pelo próximo parece ser largamente responsável por sua resistente longevidade.
Esta conclusão é confirmada pelos efeitos opostos do ódio e da inimizade, que encurtam a vida, também averiguados por muitos estudos recentes.
O volume total das evidências existentes, ilustrado pelas amostras anteriores, não deixa quase dúvida acerca das funções biológicas altamente benéficas desempenhadas pela energia do amor na vida humana. Até mesmo na evolução das espécies e no comportamento das formas vivas, incluindo o homem e sua vida social, o papel do auxílio mútuo, da cooperação e de outras manifestações desta energia é hoje reconhecido pela ciência como sendo tão importante, no mínimo, quanto o papel da luta pela existência, que, até décadas recentes era visto como o principal fator de evolução da vida e do rumo da história humana.
III
Além destas funções biológicas, a energia do amor serve à humanidade de muitas outras maneiras. Assim, ela tem funcionado – e pode fazê-lo cada vez mais – como o melhor “eliminador” da inimizade e dos conflitos entre os seres humanos. Para nosso ensaio experimental desta antiga verdade, tomamos cinco partes de estudantes com uma acentuada antipatia uns pelos outros. Propusemos a tarefa de transformar em três meses, pela técnica das “boas ações”, suas relações de inimizade em relações de amizade. Persuadimos um parceiro de cada par a começar a prestar ao outro pequenos favores de amizade, como um convite para almoçar, para ir ao cinema, para dançar, ou um oferecimento para ajudar nas lições de casa e assim por diante. No início estes favores foram prestados sem entusiasmo por parte de quem os propunha e algumas poucas vezes foram rejeitados. Todavia, pela repetição, começaram a dissipar a inimizade e, mais adiante, substituíram-na por uma calorosa amizade em quatro dos pares e por uma “indiferença” no quinto par. Experiências semelhantes, realizadas no Hospital Psicopático de Boston entre enfermeiras e pacientes mutuamente hostis, apresentaram resultados similares.
Um outro ensaio experimental do velho adágio “amor atrai amor e ódio atrai ódio” mostrou que, em dois grupos experimentais (de estudantes e pacientes de sanatório), as aproximações amigáveis dos membros de cada grupo produziram respostas amigáveis em 65 a 80% dos casos, enquanto as aproximações agressivas receberam respostas agressivas quase no mesmo percentual.
Nossa investigação detalhada de como e porquê cada um dos cerca de 500 estudantes analisados considerava um certo indivíduo como o seu “melhor amigo” e outro indivíduo como o seu “pior inimigo” revelou o fato de que, em quase todos os casos de melhor amigo tanto quanto de pior inimigo, a amizade havia iniciado com alguma atitude amigável, enquanto a inimizade fora engendrada por um ato agressivo, de uma ou de ambas as partes.
A demonstração histórica do poder do amor para eliminar as guerras e os conflitos é tipicamente ilustrada pela política do Imperador Ashoka (264-226 a.C.). Horrorizado com “a abominação do estrago” causado por suas guerras vitoriosas, Ashoka, sob a influência do Budismo, na segunda metade de sua vida, substituiu radicalmente sua política beligerante por outra de paz, amizade, e melhoria das condições econômicas, mentais e morais vitais do seu próprio povo, bem como aquelas das nações vizinhas. Por meio de sua política do “amor atrai amor”, ele conseguiu assegurar a paz por cerca de setenta e dois anos. Considerando que um período de paz tão longo assim só ocorreu três vezes em toda a história da Grécia, de Roma e de treze países europeus, a conquista de Ashoka bem sugere que a política da verdadeira amizade pode assegurar paz prolongada com mais sucesso do que a política do ódio e da agressão, infelizmente ainda adotada pelos governantes de nosso tempo.
De modo geral, o poder pacificador do amor parece ser o agente principal que acaba com as catástrofes longas e mortalmente perigosas da vida das nações. Um estudo sistemático de tais catástrofes da história como no antigo Egito, Babilônia, China, Índia, Pérsia, Israel, Grécia, Roma, e nos países ocidentais, mostra de modo uniforme que todas essas catástrofes foram afinal superadas por um enobrecimento notadamente altruísta do povo, da cultura e das instituições sociais destas nações. Este enobrecimento surge com frequência e se espalha sob a forma de uma nova religião do amor e da compaixão (como o Budismo, o Jainismo ou o Cristianismo), ou como um enriquecimento moral e espiritual da antiga religião e seus preceitos morais.
Não devemos esquecer que praticamente todas as grandes religiões surgiram em circunstâncias catastróficas e que, em seu período inicial, foram antes de tudo e mais que tudo movimentos sociais de cunho moral, inspirados pela solidariedade, pela compaixão e pelo Evangelho do Amor. Elas se puseram a caminho para obter a regeneração moral de uma sociedade desmoralizada. Só mais tarde tais movimentos tornaram-se superdimensionados por dogmas teológicos complexos e rituais de efeito. Isso é igualmente válido para o surgimento e período inicial do Confucionismo, Taoísmo, Zoroastrismo, Hinduísmo, Jainismo, Budismo, o Judaísmo de Moisés e dos Profetas, Cristianismo e outros movimentos ético-religiosos.
A energia do amor não só aumenta a longevidade dos indivíduos, como também a expectativa de vida das sociedades e das organizações. As organizações sociais formadas principalmente pelo ódio, pela conquista e pela coerção como os impérios de Alexandre, o Grande, de César, Gêngis Khan, Tamerlane, Napoleão ou Hitler, tiveram, via de regra, uma vida muito curta – poucos anos, décadas, raramente alguns séculos.
Assim tem sido com diversas organizações nas quais o amor altruísta desempenha papel pouco importante. Desse modo, a duração média de pequenos estabelecimentos comerciais como drogarias, lojas de equipamentos ou armazéns deste país é de apenas cerca de quatro anos. Grandes empresas (listadas nas bolsas de valores americanas e europeias) sobrevivem em média só uns vinte e nove anos. Mesmo a duração da maioria dos estados raramente ultrapassa um ou dois séculos.
As organizações mais duradouras que existem são os grandes grupos ético-religiosos como o Taoísmo, o Confucionismo, o Hinduísmo, o Budismo, o Jainismo, o Cristianismo e o Islamismo. Todas essas organizações existem há mais de mil anos, algumas há mais de dois, e não existem sinais aparentes de dissolução no futuro previsível. O segredo de sua longevidade provavelmente repousa em sua dedicação ao ensinamento altruísta da humanidade e, de modo geral, ao cultivo do amor no Universo humano.
Por fim, o enorme poder do amor manifesta-se na infinita influência dos grandes apóstolos do amor sobre os incontáveis milhões de seres humanos e sobre os rumos da história humana. Se nos perguntarmos que espécie de indivíduos tiveram maior influência sobre a história humana, a resposta será pessoas como Lao Tsé, Confúcio, Buda, Zoroastro, Mahavira, Moisés, Jesus, São Paulo, São Francisco de Assis, Mahatma Gandhi e outros criadores e líderes das religiões e da moralidade altruísta. Talvez apenas a influência dos maiores cientistas, inventores, filósofos e artistas – isto é, dos gênios criadores no campo da Verdade e da Beleza – possa rivalizar de algum modo com a influência benéfica dos grandes apóstolos do amor.
Em contraste com a breve, e não rara destrutiva influência dos monarcas absolutos, dos conquistadores militares, dos ditadores revolucionários, e dos potentados da riqueza, os grandes apóstolos do amor afetaram de modo tangível as vidas, as mentes e os corpos de incalculáveis bilhões de pessoas durante os milênios da história e ainda hoje nos afetam. Eles não possuíam forças armadas, nem riquezas, nem qualquer dos meios mundanos de influenciar o curso da história e o destino das nações. Embora seus corpos não fossem os mais vigorosos, nem os seus Q.I. (Quocientes de Inteligência) os mais elevados conforme os padrões dos modernos testes mentais, pela força de seu amor puro e abundante eles obtiveram a transformação de milhões de homens e mulheres, remodelaram culturas e instituições sociais, e condicionaram o rumo da história.
O esboço precedente sobre o funcionamento do amor inegoísta mostra que ele é de fato uma das formas mais elevadas do poder criador necessário à sobrevivência das formas vivas, dos indivíduos humanos e das organizações sociais. Um mínimo de sua bênção misteriosa é indispensável para o crescimento físico, moral e mental dos seres humanos e das sociedades. Ele é o melhor e mais nobre antídoto contra todos os tipos de tendências criminosas, mórbidas e suicidas. É a mais sublime força educacional e inspiradora da criatividade em todos os campos do trabalho humano. Por fim, ele é o coração e a alma da liberdade e de todos os valores religiosos e morais.
IV
Quanto à origem desta energia do amor e os meios para a sua produção, acumulação e aplicação, sabemos que ela é dada ao homem de maneira potencial, como parte de seu dote biológico enquanto “animal social”. A dimensão deste potencial parece variar de homem para homem. O volume deste amor potencial, transformado em energia real ou “cinética”, é grandemente condicionado pela espécie de cultura humana onde o indivíduo se encontra, e pelo tipo de interação social que ele tem com os demais. Quanto maior for o dom biológico do amor dos membros de uma dada sociedade, mais os indivíduos interagem segundo a regra “amor atrai amor”, mais as suas instituições sociais e a sua cultura são permeadas pela “atmosfera de amor”, e maior é a produção de energia do amor pela sociedade como um todo.
Esta produção pode ser notavelmente aumentada recorrendo-se a diversas técnicas eficazes para a produção e acumulação desta energia. Apesar do nosso parco entendimento a seu respeito, sabe-se que existem umas trinta técnicas. Com a crescente pesquisa nossa compreensão sobre elas pode ser aprofundada e outras mais podem ser inventadas. As técnicas conhecidas variam muito em complexidade, da mais grosseira à mais sutil. Como exemplos das mais simples podem ser citados o uso de vários agentes químicos, físicos e bióticos; o treinamento postural e o controle do sistema nervoso autônomo; as técnicas dos reflexos condicionados, da formação dos hábitos, dos exercícios mecânicos, e da punição e recompensa. Métodos mais refinados envolvem a persuasão e recompensa e a demonstração científica, reforçadas pela mobilização das forças emocionais, afetivas e volitivas do homem; o uso dos exemplos de heroísmo; a experiência de vida direta; e a inspiração das belas artes. As técnicas sutis para aumentar o altruísmo do homem incluem a estimulação de sua criatividade; a concentração, a meditação e a autoanálise; e especialmente os métodos complexos das Yogas, do Zen-Budismo, dos fundadores das religiões do amor, e das grandes ordens monásticas.
Estas linhas dão uma ideia sobre as fontes da energia do amor e o escasso conhecimento das técnicas para a sua produção e acumulação. Não há espaço neste artigo para uma discussão detalhada destes problemas. É suficiente dizer que, se uma pequena parte do dinheiro e do esforço agora despendidos para fazer a guerra, ou mesmo para o uso mais efetivo das fontes de energia física, fosse empregada na pesquisa e no cultivo do amor altruísta, os resultados benéficos de tal empenho seriam os mais recompensadores.
Se, além disso, cada um de nós subtraísse de sua vida particular uma parcela das emoções de ódio e dos gestos de inimizade, e aumentasse a das emoções e gestos de amor altruísta para com todos os seres humanos, com esta mudança da nossa mente e do nosso comportamento poderíamos melhorar a atmosfera moral da humanidade e contribuir para a obtenção de uma paz duradoura bem mais do que todas as operações da política do poder e da corrida armamentista. É chegada a hora em que o cultivo intensivo do papel criador tornou-se um assunto do interesse de todos.
NOTAS:
[1] Quando o autor se refere ao período pós-guerra e aos estudos recentes, deve-se ter em mente que este artigo foi escrito em setembro de 1958. (N.T.)
[2] Gálatas 5:6. (N.T.)
[3] Lucas 6, 27, 29. (N.T.)
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Veja, sobre temas que se relacionam com o artigo acima, os textos “O Casal do Futuro”, “O Casal Como Centro da Civilização”, “Quando o Amor é Durável”, “Amor e Disciplina”, e “Uma Relação de Aprendizado”, que podem ser encontrados em nossos websites associados.
Outros artigos relacionados são “Círculos Magnéticos de Amor Universal”, “Transformar Uma Casa Num Templo”, “O Amor Além da Ilusão”, “A Força Invencível do Amor”, “Almas Gêmeas e Teosofia”, “A Inteligência Emocional”, “O Respeito Pelo Eu Inferior”, “Impedir o Filicídio e Respeitar as Crianças”, “O Paradoxo do Altruísmo” e “O Poder das Crianças”.
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Para conhecer a teosofia original desde o ângulo da vivência direta, leia o livro “Três Caminhos Para a Paz Interior”, de Carlos Cardoso Aveline.
Com 19 capítulos e 191 páginas, a obra foi publicada em 2002 pela Editora Teosófica de Brasília.
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