Pomba Mundo
 
Catorze Pontos Para Um Trabalho Mais Eficaz
 
 
Carlos Cardoso Aveline
 
 
A Prática do Estudo Teosófico com mold
 
 
 
1.Examinando os Alicerces
 
Vale a pena examinar as bases da caminhada em direção à sabedoria.
 
Não há dúvida de que uma parte fundamental dos alicerces está na literatura. O ensinamento é o marco referencial das transformações.  As obras filosóficas clássicas são ferramentas do esforço teosófico moderno.  
 
E há outro aspecto igualmente importante da caminhada: sem ele a literatura não produziria efeitos e o ensinamento ficaria sendo virtualmente inútil. Trata-se do estudo e da vivência do caminhante individual e de um grupo de trabalho.
 
Nada é automático ou garantido na vida. Nada pode ser considerado imutável. Tudo deve ser reexaminado a cada dia. “Ninguém toma banho duas vezes no mesmo rio”, diz Heráclito, o sábio da Grécia antiga. E o escritor argentino Jorge Luís Borges acrescenta: não só porque o rio mudou, mas também porque aquele que se banha é outro, tem outras ideias e outras emoções.
 
Se tudo muda a cada momento e cada coisa deve ser olhada sempre como se fosse pela primeira vez, então também a prática do estudo e a experiência direta do ensinamento precisam ser regularmente repensadas e reavaliadas. A filosofia esotérica original nos convida a reexaminar a cada dia as bases e premissas da nossa existência pessoal.
 
Ao estudar teosofia, as mudanças podem ser lentas, mas são substanciais. À medida que avançamos no caminho, o chão que pisamos passa a ser outro. O céu que nos ilumina também já não é o mesmo, é maior – e as tempestades que ele nos traz são diferentes.
 
Desse modo, avaliar o que fazemos de prático com o ensinamento é tão importante quanto  responder quatro questões simultâneas: 1) Com que literatura vamos trabalhar?  2) O ensinamento é confiável?  3) Ele amplia nossos horizontes e transforma nossa vida para melhor?  4) Como fazer o estudo?  Estes vários pontos devem ser resolvidos em conjunto.
 
2. O Desafio da Vivência
 
Um mestre de sabedoria usou palavras de um poeta inglês para definir o processo maior dentro do qual se desenvolve o estudo diário do estudante. Ele citou:
 
“Autorrespeito, autoconhecimento, autocontrole, só estes três dão à vida um poder soberano.” [1]
 
O autoconhecimento permite o estabelecimento de um eixo simétrico que equilibra, de um lado, o autorrespeito, e de outro, o autocontrole. E isso obedece a uma lei, porque tudo é simétrico no caminho espiritual. O estudante deve desenvolver os três elementos citados pelo mestre através de um tipo adequado de vida cotidiana. 
 
Em outra carta, o mesmo raja-iogue dá sugestões valiosas para a disciplina diária de um aprendiz:
 
“Como você pode discernir o real do irreal, o verdadeiro do falso? Só através do autodesenvolvimento. Como conseguir isto? Primeiro, precavendo-se contra as causas do autoengano. E isso você pode fazer dedicando-se, em determinada hora ou horas fixas, a cada dia, totalmente só, à autocontemplação, a escrever, a ler, a purificar suas motivações, a estudar e corrigir seus erros, ao planejamento do seu trabalho na vida externa. Essas horas deveriam ser reservadas como algo sagrado para este propósito, e ninguém, nem mesmo seu amigo ou seus amigos mais íntimos, deveria estar com você naquele momento. Pouco a pouco sua visão ficará clara, você descobrirá que as névoas se dissipam, que suas faculdades interiores se fortalecem […] e a certeza toma o lugar das dúvidas.”[2]
 
O aprendiz deve criar o seu próprio esquema de disciplina diária. Quando confrontado com a ideia de abrir um tempo regular para a sua prática espiritual, porém, uma das primeiras reações do estudante é lamentar a força e a intensidade dos seus compromissos familiares e profissionais. Essa questão específica é abordada por um raja-iogue. Diz o Mestre:
 
“Parece pouco a você que o ano anterior tenha sido empregado apenas em seus ‘deveres familiares’? Não; que melhor causa para recompensa, que melhor disciplina que o cumprimento do dever a cada hora e a cada dia? Creia-me, meu ‘aluno’, o homem ou a mulher que é colocado pelo Carma no meio de deveres, sacrifícios e amabilidades pequenos e definidos irá, através do fiel cumprimento deles, erguer-se à dimensão maior do Dever, do Sacrifício e da Caridade para com toda a humanidade. Que melhor caminho, para a iluminação buscada por você, que a vitória diária sobre o Eu, a perseverança apesar da ausência de progresso psíquico visível, o suportar da má-sorte com aquela serena resistência que a transforma em vantagem espiritual – já que o bem e o mal não podem ser medidos por acontecimentos no plano inferior ou físico? Não fique desencorajado porque sua prática cai abaixo das suas expectativas; no entanto, não se satisfaça apenas admitindo isso, já que você reconhece que sua tendência é com demasiada frequência em direção à indolência mental e moral, inclinando-se mais a avançar à deriva com as correntes da vida que a definir seu próprio rumo direto. Seu progresso espiritual é maior do que você sabe ou pode compreender [3], e você faz bem em acreditar que este desenvolvimento é em si mesmo mais importante que a compreensão dele pela sua consciência do plano físico.” [4]
 
3. Os Objetivos de um Grupo Teosófico
 
Tanto individual como coletivamente, a prática correta do estudo permite realizar os três objetivos do esforço teosófico.
 
O primeiro deles é a formação de um núcleo de fraternidade universal. Cada grupo deve ver-se, na medida do possível, como um núcleo consciente dessa fraternidade sem fronteiras: desse modo os seus membros entram gradualmente em sintonia com a lei universal. A meta é reconhecer a unidade oculta que liga todos os seres sem negar a diversidade da vida. Um olhar atento permite ver além das diferenças e revela a fraternidade universal que une não só a espécie humana, mas todos os seres. A fraternidade transcendente entre todos os seres é percebida como lei quando há um despertar de buddhi-manas – a inteligência da alma imortal. Este é o próximo passo da evolução humana.
 
A luz de Buddhi se abre em todas as direções. Ela ilumina Manas, a mente. Ela purifica as emoções (Kama), aumenta nossa vitalidade (Prana), otimiza as condições de Linga-Sharira (o arquétipo vital que inclui o DNA e a carga genética), e otimiza o funcionamento do corpo físico (Sthula-sharira). [5]
 
Um segundo objetivo de um grupo de trabalho vivencial é o estudo comparado de ciências, filosofias e religiões, com ênfase para a sabedoria oriental. Essa meta aponta para a observação da verdade desde diferentes ângulos. Assim se rompe dogmas, liberta-se a mente das formas externas e se estimula a luz da alma imortal. Nesta tarefa avançamos através da compreensão. A submissão cega a supostas autoridades espirituais é prejudicial, mas a devoção é bem-vinda quando está firmemente ancorada na capacidade de pensar por si mesmo.  É necessária a iluminação gradual da mente, o princípio imediatamente inferior a Buddhi,  que funciona como o centro de gravidade da consciência na humanidade de hoje.  O indivíduo deve deixar que Manas, seu mundo mental, seja invadido pela energia de Atma-Buddhi, a mônada, a alma superior. Só assim a iluminação e a purificação dos seus princípios inferiores será autêntica e duradoura. Nesse processo, o estudo meditativo cumpre função decisiva.
 
É preciso avançar articuladamente. O caminho teosófico é trilhado à medida que o aprendiz transforma os vários aspectos da sua vida e os coloca, um a um, a serviço da vivência do ensinamento. O estudo de diferentes filosofias, ciências e religiões amplia horizontes e permite ao indivíduo expandir sua mente em direção aos assuntos sagrados. Esta elevação leva no seu devido tempo ao terceiro objetivo do movimento: quando o indivíduo se torna um pioneiro das futuras civilizações baseadas na sabedoria, ele faz despertar em si mesmo de modo natural as novas potencialidades da consciência humana.
 
4. Reforçando Ligações Entre Teoria e Prática
 
O estudo da Sabedoria Divina é com frequência acusado de “excessivamente teórico”. Na verdade, a sociedade consumista promove um desprezo quase oficial por tudo o que exige reflexão. O cidadão ingênuo é levado hipnoticamente a pensar que uma vida tensa e agitada é prática.  Ele perde a bênção de ler bons livros porque, governado pela ansiedade, pensa que a calma leitura, sendo “teórica”, não  é necessária.
 
A verdadeira teoria, no entanto, é contemplativa. A palavra vem do grego, theoria, e significa originalmente “a ação de contemplar”. Outras acepções do termo são menos importantes. A verdadeira teoria não só inclui a função meditativa, mas anda junto com a prática. Apenas a falsa teoria é um discurso vazio e desvinculado da realidade.
 
O desprezo instintivo por palavras como “intelectual”, “racional” e “teórico” é resultado da ação de duas antigas inimigas do buscador da verdade. Uma delas é a preguiça mental. A outra, a ignorância espiritual. As duas se reforçam mutuamente, e nenhum de nós está inteiramente livre delas. 
 
Como desculpa para justificar a preguiça e evitar o estudo, alguns desorientados usam o fato de que os grupos espiritualistas têm uma capacidade limitada de vivenciar o bom ensinamento. Esta dificuldade é humana e natural. Devemos reconhecer com franqueza as dificuldades individuais e coletivas. Mas a solução para esse desafio não é, de modo algum, renunciar ao ideal. Assim agem apenas os que optam pela covardia silenciosa. A solução é manter o ideal elevado, embora ele seja desafiante, e renovar o método de estudo e trabalho, reforçando as ligações entre teoria e prática. É recomendável olhar a teoria do ponto de vista da prática, e examinar a prática do ponto de vista da teoria. Assim agem os sábios de todas as épocas e os seus aprendizes.
 
Será importante, também, criar espaço para que se discuta com naturalidade, à luz da moderna psicologia, os mecanismos produtores de hipocrisia, de jogos de aparência, de vaidade e de luta por poder nos grupos humanos. Devemos discutir meios de criar grupos sempre mais eficazes, com métodos transparentes e uma busca mais intensa e realista da Verdade.
 
5. Uma Renovação Constante do Trabalho
 
Foi mencionado no item 1 o fato de que nada é automático ou garantido na vida.  Com a prática da caminhada, o aprendiz de filosofia torna-se cada vez mais consciente desse “princípio da constante mudança externa”.  Já que tudo muda o tempo todo, é preciso examinar com atenção  e recriar constantemente o modo como se trabalha.  Vejamos, em cinco itens, algumas ideias úteis para essa tarefa:
 
a) Felicidade. Um grupo de trabalho teosófico deve ter claro que o caminho da filosofia é o caminho da verdadeira felicidade, e não do sofrimento. A sabedoria reduz as causas da dor física e elimina – através da compreensão – as causas da dor emocional. O caminho da plenitude é percorrido investigando a natureza da felicidade espiritual, da paz interior e da bem-aventurança. A aprendizagem teosófica nada tem a ver com a religiosidade autoritária, que pinta o caminho espiritual como algo que necessita de uma resignação cega e de um sofrimento masoquista. É verdade que o caminho teosófico requer uma sábia indiferença a dores e prazeres de curto prazo: mas o que essa indiferença produz é contentamento duradouro, felicidade interior, e libertação espiritual.
 
b) Convivência. Além da compreensão do ensinamento escrito em si mesmo, deve haver espaço nas reuniões para a discussão impessoal da arte de colocar o ensinamento em prática,  sem abordar situações pessoais vividas pelos presentes. Mesmo discutindo a prática, o clima e a atitude impessoal devem ser mantidos.  Independência solidária, e autonomia com ajuda mútua, são ideias-chave.  É recomendável que haja um bom intervalo para lanche e bate-papo, e momentos de convivência amistosa e relaxada entre as pessoas.  Também no trabalho teosófico realizado online é possível promover uma troca impessoal de experiências em que a caminhada de cada um fortalece a caminhada de todos os outros.  O esforço altruísta comum irmana as pessoas e faz com que o indivíduo seja simultaneamente aluno e professor. Os resultados dos esforços se comunicam.  Quando um erra, é como se todos errassem; quando um acerta, é como se todos acertassem.
 
c) Ambiente natural. O grupo deve fazer de tempos em tempos um pequeno retiro durante um final de semana, se possível em uma área rural e sossegada.  Tais vivências podem ser também individuais. São ocasiões dedicadas ao estudo, à reflexão e ao convívio direto com o ensinamento, e permitem um encontro pessoal com a natureza e com o silêncio interior da sua própria alma imortal. Nestas ocasiões, são testados, renovados e fortalecidos os laços entre os companheiros de caminhada. Os retiros permitem que nos afastemos durante algum tempo da aura psíquica contaminada das cidades para experimentar uma imersão um pouco maior na sabedoria eterna. Não é à toa que, ainda no século 19, em plena Índia, quando um raja-iogue desejava falar no plano físico com um discípulo, ele algumas vezes pedia que o discípulo se afastasse da cidade. As vibrações densas da vida urbana dificultam a circulação das energias sutis do altruísmo e da sabedoria. Em todo o mundo, os movimentos espiritualistas mais eficazes dispõem de locais de retiro e de trabalho junto à natureza.  Em escala maior, a busca de sossego junto à natureza é um fenômeno sociológico: dezenas de milhares de pessoas buscam sossego passando a morar em pequenas chácaras nas periferias urbanas. Ou optam por viver em pequenas cidades. Não há razão para o movimento teosófico ficar alheio a essa tendência saudável.
 
d) Parcerias. Um grupo eficiente de estudo filosófico deve estar aberto à criação de parcerias com outros setores sociais. É bom estimular iniciativas comunitárias e culturais amplas, que contribuam para a reconstrução da sociedade nos seus mais diversos aspectos, a partir da ideia central da fraternidade sem fronteiras.  O grupo deve ter um sentimento de simpatia por todos os movimentos que visam melhorar a condição humana e criar um novo tecido social, um novo modo de viver que é guiado pelo princípio da criatividade solidária.
 
e) Ousar viver o ensinamento.  O que dá força e durabilidade ao grupo é o fato de haver nele indivíduos que dedicam sua vida ao caminho da verdade. O trabalho teosófico depende do impulso e do exemplo daqueles que renunciam às ilusões materiais.   Estes indivíduos abrem espaço para a caminhada espiritual. Eles aceitam o silêncio interior e mergulham no aparente vazio do desapego. Isso abre a porta para a plenitude da felicidade incondicional.
 
6. Os Desafios no Grupo e em Casa
 
O estudo de filosofia rompe as rotinas física, emocional e mental.  Ele abre novas conexões entre os neurônios, e cria desafios.  A mente pode ser como aquele cavalo que deseja voltar para casa e que, ao primeiro sinal de distração de um cavaleiro inexperiente, muda o rumo para onde prefere e vai rapidamente em direção ao lugar costumeiro. A dinâmica acumulada dos apegos emocionais busca anular a caminhada teosófica transformando-a num processo meramente nominal.  A mente subconsciente considera que o real é a rotina, e a rotina é o real. O que é novo parece artificial e absurdo, mesmo que seja correto. Olhamos as coisas erradas e dizemos “é lamentável, mas é a realidade”. Por isso é difícil, e meritório, caminhar de fato em direção à libertação espiritual. É necessário nadar contra a correnteza, mas, havendo firmeza, as dificuldades diminuem.  Os pitagóricos ensinavam:
 
“Faze o que é correto, e isso com o tempo te será agradável.”
 
Não se trata apenas de romper velhos hábitos. É preciso criar novos padrões de ação prática, que reflitam o ideal buscado. Só o que é novo pode desativar as velhas rotinas de ignorância. Pensamentos corretos, produzidos conscientemente, afastam pouco a pouco os pensamentos errados. O mesmo ocorre no plano dos sentimentos e das ações.
 
A leitura atenta de um bom livro filosófico educa e fortalece nossa vontade. Ler não é só “escutar a voz do autor”. É, também, uma forma de diálogo. É útil parar a cada parágrafo e debater com nós mesmos o significado das frases lidas, avaliando as consequências potenciais da leitura sobre nossa vida.
 
Toda leitura deve ser um debate vivo do qual participam os vários níveis de consciência do leitor. Dessa maneira o ato de ler deixa de ser um dever cansativo e passa a ser uma satisfação.
 
O objetivo do estudo filosófico não é memorizar coisa alguma, mas compreender melhor a nossa própria vida e a vida maior da qual fazemos parte, de modo a eliminar as causas do sofrimento e alcançar a felicidade incondicional, unindo nossa pequena vontade à grande vontade da lei que movimenta o universo. Em estratégia militar, informação é definida como “aquele conhecimento que nos permite tomar melhores decisões”. O mesmo vale para o caminho teosófico. O conhecimento verdadeiro é aquele que aumenta nossa aptidão para ser interiormente felizes e nos permite tomar decisões mais corretas na vida. O resto é desinformação e ruído.
 
7. A Prática do Estudo: Manter o Foco
 
Durante os estudos em grupo, pequenas tentações como a conversa paralela, o comentário pessoal e as histórias que um conta para o outro são agradáveis para a mente corriqueira, porque servem como mecanismo de descontração depois de um dia de trabalho e tensão. Afinal, o indivíduo está entre amigos e quer desfrutar desse prazer.
 
Por isso, antes e depois de uma reunião de estudo, deve haver alguns minutos para que os comentários e as conversas pessoais possam ocorrer livremente.
 
Porém, uma vez que a reunião de estudo comece, é a mente adulta que deve estar presente. É o coração que deve ser ouvido. E então as conversas paralelas devem ser reconhecidas como uma praga que dispersa a mente do grupo, dissolve o magnetismo do trabalho e transforma a reunião em um conglomerado de mentes confusas.
 
O bate-papo solto, antes do início do estudo, deve ser suficientemente longo para acalmar as emoções.  Então vem a meditação de abertura, que pode ser dirigida por um estudante experiente, e que serve para que todos se esvaziem psicologicamente de assuntos pessoais de curto e médio prazo, focando suas mentes e corações nas questões mais importantes e duradouras da vida.
 
Depois do estudo, uma nova meditação fecha os trabalhos, trazendo desde o plano verbal até o silêncio do coração a energia gerada pelo esforço comum. Antes de todos saírem do local, há mais alguns minutos em que cada um pode conversar livremente com esse ou aquele, e talvez tomar um gole de chá, combinando detalhes do trabalho, trocando novidades, tirando alguma dúvida pessoal do estudo ou esclarecendo um ponto que ficou obscuro no que se falou.
 
8. Dinâmica do Grupo e Democratização do Saber
 
Em um estudo em grupo, não há apenas níveis superiores de consciência em ação. A interação das pessoas é uma oportunidade para perceber de que modo ferimos as pessoas, de que modo elas nos incomodam, em que devemos mudar e como se pode aumentar a eficiência da caminhada de todos, incluindo o plano emocional.
 
Durante a reunião, é recomendável observar simultaneamente três níveis da realidade em movimento: 1) a dinâmica de estudo do tema em foco; 2) o processo intuitivo da inteligência espiritual que o estudo estimula no grupo;  3) a interação emocional das pessoas, que frequentemente distorce a verdade.
 
Assim se desenvolve uma atenção capaz de expandir os processos conscientes e supraconscientes e de educar os processos subconscientes, purificando-os e transmutando-os. À medida que o trabalho avança, os processos subconscientes são colocados a serviço da inteligência espiritual. Todo grupo tem um drama e uma dinâmica de emoções. As pessoas cumprem papéis socialmente estabelecidos. Talentos e defeitos são distribuídos a este ou aquele. Que papel eu escolho desempenhar em um grupo? Que papel o grupo atribui a mim? Que papel o meu subconsciente atribui a mim mesmo, ou a quem me admira, ou a quem não pensa o melhor a meu respeito? E que papel atribuo conscientemente a mim mesmo?
 
Será que eu cumpro o papel do distraído, do rebelde, do chato, do descuidado, o papel do teórico, do sábio, do humilde, ou o papel da autoridade? Será que cumpro esses papéis segundo minha opinião, ou segundo a opinião dos outros? Que papéis eu cumpro na opinião das diferentes pessoas? Como se dá todo esse jogo de imagens? Será que eu sou independente dele? E – até que ponto?
 
Para que o jogo de aparências não asfixie a expressão do espírito, não deve haver papéis muito rígidos em um grupo. O líder de um dia pode e deve ser o rebelde de outro. Semana que vem o mesmo estudante pode se comportar como um chato ou um descuidado, aos olhos de um ou de outro, ou aos olhos do grupo em seu conjunto. 
 
Em todo esse jogo de papéis deve haver sinceridade, equilíbrio, tolerância e firmeza ao mesmo tempo.  Devemos reconhecer que cada ser humano é muito maior e mais vasto que os papéis psicológicos e emocionais que desempenha momentaneamente em um grupo determinado. 
 
É preciso observar como eu me comporto, e quais são minhas emoções quando o outro brilha; ou quando o outro se mostra orgulhoso; ou quando alguém discorda de mim. E quando cometo um erro, será que posso admiti-lo com naturalidade? Ou serei alguém que, supostamente, sabe tudo e jamais comete um erro?
 
Uma questão básica diz respeito aos conflitos. Estamos marcados por uma “cultura da escassez”. Nela, acredita-se que se alguém tem algo, o outro não tem. Se um está certo, o outro está errado. Para alguém vencer, outro deve ser derrotado. Em uma discussão, se alguém está certo, quem pensa diferente deve necessariamente estar errado. Essa ideia dualista, baseada na premissa da infelicidade, não é verdadeira. Trata-se apenas de uma postura emocional rasa, uma atitude adquirida por imitação, algo que surge como um fantasma irracional nas relações humanas.
 
Em compensação, quando as discussões de um grupo são permeadas pela atitude de que “eu estou OK, você está OK”, nos termos do autor de um livro sobre análise transacional [6], então há vencedores mas não há derrotados. Todos estão certos e os erros são abandonados com naturalidade. Para isso, basta respeitar sempre a okeidade fundamental de todo estudante”. Um líder ineficaz pode corrigir atropeladamente algo incorreto dito por um estudante menos experiente. Ao fazer isso, ele fere o sentimento de autoconfiança do outro, e causa um dano mais grave do que a incorreção conceitual que causou sua interferência. Afinal, há uma sabedoria conceitual, mas há também uma sabedoria das relações humanas.
 
Às vezes surgem discussões acirradas em torno de uma questão metafísica. Vejamos alguns exemplos:
 
*Pode ser criado carma novo, ou não, após a morte?
 
*O sétimo princípio, Atma, pertence ou não ao mundo manifestado?
 
*Além de Parabrahman e do princípio absoluto indescritível, existe algo no universo que esteja realmente livre de condicionamentos cármicos?
 
Nessas horas o melhor é definir com clareza o significado das palavras, talvez até com ajuda de dicionários e glossários.
 
É preciso estar atento a dois processos, o filosófico e o emocional, porque eles são diferentes. Nas discussões acaloradas, falamos rápido. O pensamento acelerado, que não dá espaço para a interrogação, perde eficácia.  Falar devagar e pausadamente produz lucidez e permite evitar mais facilmente o sentimento equivocado de que “alguém está certo” e “alguém está errado”. Não há ninguém certo ou errado: as pessoas não se medem por suas opiniões. Há ideias que podem ser certas ou equivocadas no contexto filosófico em que nos colocamos.
 
Havendo equilíbrio e ponderação, podemos perceber que às vezes pontos de vista diferentes, são apenas verdades específicas que fazem parte de uma verdade maior e mais abrangente. Mas ainda quando fica demonstrado que havia um ponto de vista realmente errado e ilusório,  é absurdo ferir alguém por causa disso. Por outro lado, não há necessidade de alguém  sentir-se ferido apenas porque ficou claro que sua opinião estava errada.  
 
Quando existe o clima correto de trabalho, os membros do grupo consideram que o importante é a verdade; que errar é natural; e todos sabem muito bem que só devido a grandes doses de ignorância espiritual alguém poderia ter orgulho pessoal de seus pobres conhecimentos.  No estágio em que estamos,  já é possível criar grupos em que a liderança é transparente e presta contas pelo que faz;  em que não se permite o surgimento de “donos da verdade”; em que os líderes não se comportam como barões, mas se colocam a serviço do crescimento de todos.
 
Quando surge uma controvérsia azeda, a melhor tática é voltar a focar a mente coletiva no tema filosófico em questão. Deve ser lembrado que ninguém é tão sábio que conheça tudo, e ninguém é tão ignorante que não tenha coisas para ensinar ao grupo. Um dos pontos básicos da pedagogia de Paulo Freire – e a pedagogia dos Mahatmas ou Raja-Iogues dos Himalaias aponta na mesma direção – é que, em uma sala de aula, não há  alunos destituídos de saber. Cada pessoa tem uma concepção de universo e uma filosofia de vida. O professor vai dar elementos para a construção autônoma desse saber em um processo permanente e ininterrupto.  As pessoas devem lembrar que o saber não está nas palavras, embora as palavras sejam um reflexo dele. O saber é construído pelo fio de coerência que a filosofia esotérica permite estabelecer entre as práticas do pensar, do intuir, do sentir e do agir.
 
O saber é dado pela média desses quatro planos concretos da vida. Em certo sentido, a intuição búdica e a percepção espiritual também são coisas objetivas. Elas têm importância prática. Elas transformam nossa vida.
 
9. Dificuldades nos Relacionamentos
 
É uma ingenuidade pensar que basta o estudo de temas relativos à sabedoria divina para que os membros de um grupo teosófico se purifiquem e trilhem o Caminho.  No entanto, esta visão desinformada faz hoje parte do nosso subconsciente coletivo.  Muitos ficam sinceramente surpresos e até indignados quando veem uma contradição e uma incoerência em alguém que se diz espiritualista. Outros desanimam quando enfrentam um fracasso em suas tentativas pessoais. E há quem considere inconcebível e inaceitável que haja dificuldades nas relações entre companheiros de caminhada. 
 
O primeiro passo para enfrentar essas ideias ilusórias é ver com naturalidade as limitações humanas. Quando se desperta a luz, desperta-se a sombra. Cada centímetro a mais de sabedoria na alma do estudante requer que ele transmute um centímetro de sombra em luz, de ignorância em virtude. E isso provoca uma grave luta, dentro dele mesmo e em seus relacionamentos com os outros.
 
Quem descobre que há uma verdade universal presente em todas as grandes religiões e filosofias passa por uma radical ampliação de horizontes mentais. Este fato provoca  um certo despertar de buddhi-manas, o que, por sua vez, faz com que amadureça uma porção do carma pessoal que, de outro modo, continuaria mais tempo adormecido.
 
Como resultado, não basta que o grupo de trabalho aborde a sabedoria divina no plano verbal. O grupo deve colocar ao alcance de cada pessoa instrumentos para enxergar com realismo – e para vencer –  o novo nível de obstáculos e desafios práticos que ocorre quando alguém nasce para a visão filosófica da vida. O próprio grupo deve ter instrumentos para identificar coletivamente os seus erros e aprender com eles. 
 
O processo grupal e o processo individual andam juntos. Os buscadores da Verdade devem criar vínculos de ajuda mútua. É essencial que eles possam confiar uns nos outros.  Uma só pessoa falsa e insincera poderia arruinar ou prejudicar seriamente um trabalho em grupo.
 
Os relacionamentos devem incluir uma afinidade impessoal. A verdadeira amizade, conforme ensina o pensador clássico Cícero, se dá no interior de um ideal maior, a serviço de uma causa nobre, e se guia por um sistema correto e equilibrado de valores éticos[7]
 
A sinceridade evita o surgimento de pragas emocionais como má vontade, ingratidão, intolerância,  deslealdade, medo de agir,  apego cego à comodidade, convívio “tolerante”  com erros inaceitáveis,  incapacidade de perdoar o erro alheio ou impossibilidade de aceitar nossas próprias falhas. 
 
O amigo normalmente não nos critica, mas quem antipatiza conosco poderá mostrar melhor nossos erros. Os que se opõem a nós nos ensinam mais. Em astrologia, são as incômodas quadraturas que empurram a alma para a frente e a forçam a dar um novo passo evolutivo. Nos grupos de estudo, são as relações menos harmônicas e as situações difíceis que nos mostram a impossibilidade da eterna acomodação, da dispersão mental e da preguiça. 
 
Apesar do que dizem alguns instrutores, o objetivo da caminhada espiritual não é alcançar  um delicioso samadhi, mas, sim, queimar as impurezas no fogo implacável da lucidez. O êxtase virá em seu devido momento, de modo natural, quando tivermos feito o trabalho de purificação. O mesmo pode e deve ser dito do trabalho em grupo. A função dos nossos companheiros de caminhada não é elogiar-nos e dizer que somos pessoas extraordinárias. As dificuldades nos relacionamentos nos trazem lições inumeráveis. Se elas forem vividas honestamente e com uma dose razoável de respeito mútuo, não haverá má vontade e não surgirão sistemas estáveis de rancor organizado. Assim aprenderemos o que temos de aprender.
 
É verdade que o clima de trabalho deve ser sempre celestial. O trabalho e a convivência devem estar voltados para a verdade eterna, para o ponto mais alto possível da consciência. Mas quem disse que não deve haver tempestades no céu?  E o que seria da terra se não fossem os ventos radicais, os raios e trovões que trazem a chuva?  A noite escura também é parte da vida celestial: mas cada noite prepara um novo amanhecer.
 
10. A Psicologia da Consciência Instintiva
 
O caminho espiritual não é percorrido em uma torre de marfim ou num tubo de ensaio em laboratório isolado do mundo. Ele é percorrido na vida de relações. A vida espiritual se dá no convívio do casal, na relação com os filhos, no trabalho, na convivência com amigos e oponentes, gente que se harmoniza e que não se harmoniza com o aprendiz. Um grupo de estudos e vivência é uma oportunidade excepcional para observar a si próprio e conhecer melhor o ser humano com tudo o que ele tem de luz, de bondade, e também de ignorância. Um grupo é como uma sala de espelhos. Cada pessoa reflete uma imagem diferente do nosso eu. Nenhum dos espelhos reflete tudo a nosso respeito. Mas os relacionamentos altruístas permitem ir além do jogo de imagens com seus medos e esperanças de pequeno porte.
 
A Psicologia ensina que há uma dimensão na vida de todo grupo em que os líderes ou dirigentes são vistos e percebidos como patriarcas.  Um patriarca inspira profundos sentimentos subconscientes de admiração, temor, adoração, devoção, rancor, inveja ou amizade.
 
Nessa dimensão instintiva do grupo as pessoas se comportam como crianças temerosas ou desafiadoras, e ficam inclinadas a usar diversos meios para chamar atenção, ou para tentar ocupar, mesmo que irresponsavelmente, o lugar central de “pai” ou “mãe”.  Exatamente porque essa dimensão é subconsciente, algumas pessoas, se confrontadas com esses mecanismos sem a devida estrutura conceitual, podem simplesmente negar tudo e qualificar como absurda a confrontação. Os teosofistas devem buscar maneiras corretas de perceber  e fazer aflorar os conteúdos subconscientes do grupo. Desse modo a atenção se ampliará, o autoconhecimento será maior, e os instintos destrutivos perderão espaço.  O boicote,  mesmo encoberto, é inaceitável.
 
Aprender algo sobre como funcionam os grupos e os indivíduos no plano subconsciente permite criar mecanismos que ampliem a lucidez do aprendiz nos diferentes âmbitos coletivos de que participa.
 
O casal é um grupo a dois, a família é um grupo maior, o ambiente profissional é outra teia de relacionamentos, e o grupo de estudos e vivência sobre o caminho espiritual é só mais um exemplo de ação em grupo.  Os membros de uma associação teosófica devem refletir regularmente sobre os seus mecanismos emocionais, utilizando alguns elementos conceituais, alguns instrumentos e procedimentos para realizar essa reflexão com lucidez e desapego.
 
Um primeiro conceito importante é o de resistência. Todo grupo opõe, subconscientemente, uma resistência a quaisquer mudanças. Qualquer incerteza que quebre a visão rotineira e linear do futuro é suficiente para despertar ansiedades. A angústia será controlada ou eliminada na medida em que o grupo tiver:
 
A) clareza em relação à meta comum e ao método empregado no trabalho;
 
B) confiança mútua entre seus integrantes;  e
 
C) confiança entre líderes e liderados.
 
Uma segunda constatação básica sobre as dinâmicas emocionais coletivas é que todo grupo tem normas e regras. No entanto, elas podem ser explícitas ou implícitas, discutidas com transparência ou impostas cega e sorrateiramente.  
 
Um terceiro fator é que os integrantes de um grupo transferem para o seu líder ou dirigente sentimentos emocionais de conteúdo involuntário e subconsciente. Essa projeção normalmente desconhecida da consciência cerebral é chamada de transferência.
 
Na obra “Liderando Grupos”, a pedagoga Áurea Castilhos escreve, em relação ao líder de um grupo qualquer:
 
“Por ser percebido, por todos aqueles que não detêm o poder, como aquele que institui a ideologia da organização, você passa também a receber toda a carga emocional daqueles que  (…) questionam a situação, o status quo. Compreender a vivência transferencial como um processo dinâmico com a relação de poder e autoridade leva o gerente/consultor [líder] a reduzir o seu estado de ansiedade, por ‘atribuir ao seu papel’, não a si mesmo, mas à  manifestação desses sentimentos. Compreender essa dinâmica relacional é a  melhor forma de interpretar os fatos. (…) Além das questões transferenciais, não é raro o jogo de disputas, fofocas, boatos, enredos, com o qual as pessoas se envolvem pelos seus ciúmes, pelo desejo de chamar a atenção sobre si mesmas, etc. Não raro, quando esse jogo passa a ser uma prática estimulada, de forma consciente ou não, nas organizações, a quebra de comportamento ético passa a ser uma constante, com grandes ‘puxadas de tapetes’, sendo essa a expressão mais visível dessa prática.” [8]
 
Um bom grupo de estudos pode estar atento a essas dimensões da interação humana. Vale a pena estudar o livro de Áurea Castilhos, e também outras boas obras sobre planejamento de trabalho, psicologia, pedagogia, dinâmicas de grupo, inteligência emocional, inteligência múltipla,  administração de empresas e liderança. [9]
 
Livros sobre administração permitirão introduzir linhas de planejamento no trabalho de um grupo filosófico, fazendo com que a porção de Carma Ioga presente na atividade dê melhores frutos.  A questão dos processos pedagógicos já não pode deixar de ser reconhecida como um  ponto decisivo para a busca, a produção e a transmissão de conhecimento espiritual.  O processo pedagógico deve ser transparente, combinando rigor com flexibilidade, responsabilidade com técnicas participativas, liderança forte com comunhão interior.  
 
Esses estudos, feitos individual ou coletivamente, melhorarão a eficácia do grupo como um espelho em que se refletem tanto o eu superior como o eu inferior do aprendiz; tanto sua gloriosa  alma imortal como sua pobre alma animal; tanto sua luz espiritual como sua base emocional, que ele aprende a consolidar para caminhar com passos mais firmes ao longo do caminho.
 
11. Aumentar a Criatividade
 
Na árvore do conhecimento, as ciências modernas da psicologia, pedagogia e administração são como folhas novas, e a filosofia esotérica representa o tronco centenário – na verdade, milenar. O tronco precisa das folhas, assim como as folhas precisam do tronco. Mas o que provoca a primavera espiritual são as condições propícias para que as folhas se multipliquem, expressando a vida eterna de modo adequado para o momento presente, com variedade de cores e aspectos externos. Devemos estar abertos ao novo, sem perder de vista o que é fundamental e eterno. As novas ciências têm uma contribuição a dar ao trabalho filosófico. Não é difícil detectar erros administrativos em grupos espiritualistas. Nossas limitações pedagógicas são fáceis de perceber. Psicologicamente, temos muito por melhorar em nossas dinâmicas de grupo, e nosso corpo e nossa saúde merecem a atenção e o carinho devidos. Todas as partes da árvore do conhecimento são importantes, quando são autênticas e fazem o bem.
 
12. A Força da Palavra Escrita
 
A caneta, o lápis e o computador são instrumentos fundamentais na caminhada espiritual. Marcar, sublinhar e anotar comentários nas margens do livro que lemos são táticas eficazes que nos ajudam a interagir criativamente com o texto e as ideias do autor.  O mesmo ocorre com a prática de anotar em um caderno ou notebook as ideias surgidas durante a leitura. 
 
A força de vontade e a determinação permitem criar o hábito saudável de meditar sobre o sagrado, de contemplar a verdade e de estudar reflexivamente textos filosóficos. E também o costume de registrar as nossas dúvidas e conclusões sobre a arte de viver.
 
Escrever é organizar ideias. Constitui uma prática de dharana ou concentração – um ponto fundamental na prática do Ioga. Se passamos muito tempo escrevendo e reescrevendo uma só página, esse não é um tempo perdido. Anotar em um caderno pessoal o que é mais significativo daquilo que aprendemos durante a leitura constitui um instrumento de grande importância. Veja algumas razões disso:
 
A) Fazer anotações sobre os temas da filosofia esotérica é uma forma de aprofundar nossas ideias, e nos permite perceber melhor o rumo correto a seguir na vida;
 
B) Essa prática abre terreno para que as meditações e reflexões sejam mais produtivas, e aumenta a força do nosso intelecto;
 
C) Temos a opção de reler nossas anotações a cada final de ano, ou em outras ocasiões especiais, e fazer assim avaliações bem documentadas do progresso que ocorreu ao longo do tempo.
 
Assim, registrar em um caderno os ganhos e perdas da nossa luta pela verdade é bem mais interessante que organizar um álbum de fotos. O álbum mostrará o amadurecimento e o envelhecimento do nosso corpo físico, as mudanças de casa e cidade, e guardará imagens físicas dos nossos parentes e amigos. O caderno de anotações registrará o progresso da nossa alma.   
 
13. A Calma Concentração da Mente
 
A propósito dos obstáculos que o praticante deve enfrentar, os minutos ou horas de retiro, estudo  e reflexão  individual diária são, para o iniciante, algo geralmente difícil.  Podemos ser assaltados durante tal recolhimento pela ideia de que “temos muita coisa por fazer” ou pela sensação irresistível de que “hoje não há tempo para o estudo”.   
 
Depois da leitura, podemos observar como aquilo que parecia tão sensacional, urgente e grave na hora da prática de recolhimento agora é observado por com grande tranquilidade e até indiferença. A sensação de urgência é produzida durante a leitura ou meditação pela força subconsciente do hábito e da rotina – os elementais  de que falava Helena Blavatsky.
 
O que está em questão, afinal de contas, é saber quem dá o rumo à vida do estudante. Será a sua consciência do que é certo e errado? Sua vocação natural para a paz e a sabedoria? Ou serão as preocupações e cobiças do seu pequeno eu pessoal de curto prazo?  Essa questão fundamental se coloca a cada instante ao longo de décadas, tanto para um indivíduo como para um grupo de trabalho. A serenidade mental é uma conquista e não um presente caído do céu.  Um raja iogue deu a um discípulo leigo este conselho válido para todo aprendiz:
 
“Para a obtenção do objetivo a que você se propõe, isto é, para uma compreensão mais clara das teorias extremamente abstrusas e inicialmente incompreensíveis da nossa doutrina oculta, nunca deixe que a serenidade da sua mente seja perturbada durante as suas horas de trabalho literário [10], nem antes de começar a trabalhar. É sobre a serena e plácida superfície da mente imperturbada que as visões captadas do mundo invisível encontram uma representação no mundo visível. De outro modo você buscaria em vão aquelas visões, aqueles raios de luz súbita que já ajudaram a resolver tantos problemas menores, e que são os únicos que podem colocar a verdade diante dos olhos da alma. É com zeloso cuidado que temos de proteger nosso plano mental de todas as influências adversas que surgem diariamente em nossa passagem pela vida terrestre.”[11]
 
A ansiedade é uma das pragas emocionais do nosso tempo. Uma das curas para ela está em  eliminar da nossa vida os compromissos desnecessários e as atividades supérfluas. Se examinarmos com calma a questão, veremos que há muito por fazer nessa linha de trabalho, embora tudo deva ser feito gradualmente.
 
É possível diminuir a importância da televisão em nossa rotina e em nossos momentos de descanso. A simplificação da nossa vida econômica, social, familiar e profissional melhorará a qualidade da nossa atividade em cada uma dessas áreas, liberando mais tempo e mais espaço para o estudo filosófico e a meditação. É necessário ter a compreensão, por exemplo, de que “não fazer nada” do ponto de vista físico é um ponto importante da nossa agenda diária. Assim podemos ficar relativamente ao abrigo dos altos e baixos da vida externa. O raja-iogue escreveu o seguinte a Laura Holloway, avaliando o estágio de desenvolvimento em que ela estava:
 
“O lago das alturas montanhosas do seu ser é, um dia, um desperdício imenso de águas, com uma rajada de caprichos ou mau-humor varrendo sua alma; outro dia, quando estes sentimentos acalmam-se, o lago é como um espelho e a paz reina na ‘casa da vida’. Um dia você dá um passo à frente; no outro, dois passos para trás. O chelado [12] não admite ninguém tão instável; sua primeira e constante qualificação é um estado mental calmo, equilibrado, contemplativo (que não é a passividade mediúnica), adequado para receber impressões psíquicas de fora e transmitir suas próprias de dentro. A mente pode ser posta a trabalhar com rapidez elétrica, num grau de elevada excitação; mas buddhi nunca.” [13]
 
Uma relativa ausência de pressa e ansiedade é, portanto, essencial para que possamos estudar e meditar corretamente. A calma é irmã do desapego, e o desapego é necessário porque nos liberta tanto das angústias como das satisfações que a vida nos oferece. A dependência de satisfações causa dor e sofrimento. Quando aceitamos a calma como estilo de vida, temos tempo de ler, desenvolvemos paciência para escutar os outros e conseguimos refletir sobre a vida espiritual.  Cabe lembrar o que disse certa vez um aprendiz: “Pensar que não se tem tempo para ler e refletir é o mesmo que avançar às cegas por uma floresta, com um pano amarrado à frente dos olhos, e alegar que não há tempo suficiente para tirar a venda dos olhos”.
 
14. A Oração de Gandhi
 
Para concluir, vejamos um recurso prático que ajuda a colocar cada momento do trabalho no contexto maior do pensamento positivo, da ação construtiva e da ajuda mútua. [14]
 
O líder indiano Mohandas Gandhi criou uma oração que invoca a harmonia em um grupo de trabalho. Os seus versos simples colocam ao nosso alcance uma boa estrutura de meditação criadora e alguns parâmetros saudáveis para o estudo.
 
A oração pode ser recitada na meditação de abertura ou de fechamento de cada reunião de trabalho:
 
“Om… Que a Lei da Harmonia Universal nos proteja. Que ela nos apoie. Que possamos compartilhar nosso aperfeiçoamento. Que nossos estudos frutifiquem. Que nunca tenhamos má vontade uns contra os outros. Om, shanti, shanti, shanti.” [15]
 
Shanti significa paz, em sânscrito. E paz é sinônimo de felicidade.
 
NOTAS:
 
[1] “Cartas dos Mestres de Sabedoria”, editadas por C. Jinarajadasa, Ed. Teosófica, 1996, seção de Cartas Para e Sobre a Sra. Laura Holloway, Carta IV, p. 148. 
 
[2] “Cartas dos Mestres de Sabedoria”, obra citada, seção de Cartas Para e Sobre a Sra. Laura Holloway, Carta II, p. 146.
 
[3] No nosso caso, podemos interpretar essa frase no sentido de que nosso progresso é maior do que podemos compreender, quando fazemos o esforço correto. Porque o verdadeiro progresso é oculto e não aparece. Por outro lado, nem tudo que reluz é ouro. O progresso que é visível é ilusório, ao menos naquele nível em que ele é visível externamente. O progresso que é real não é visível, embora ele possa ter efeitos externos visíveis. Diz o clássico chinês “Tao Te King”, em seu primeiro verso: “O Tao de que se pode falar não é o verdadeiro Tao”.  
 
[4] “Cartas dos Mahatmas Para A. P. Sinnett”, transcritas por A. T. Barker, Editora Teosófica, Brasília, 2001, ver carta 123,  no volume dois, pp. 269-270.
 
[5] Para estudar o funcionamento desses vários níveis de consciência, veja “Os Sete Princípios da Consciência”, Carlos Cardoso Aveline. O texto pode ser encontrado em nossos websites associados.
 
[6] “Eu Estou OK, Você Está OK”, Dr. Thomas Harris, Ed. Artenova Ltda., RJ, 1977, 307 pp. 
 
[7] Veja o texto A Amizade, no livro Saber Envelhecer, de Marco Túlio Cícero, editora L & PM, Porto Alegre, 1997, 151 pp.
 
[8] “Liderando Grupos, um enfoque gerencial”, de Áurea Castilhos, Qualitymark Editora,  RJ, 1999, 123pp. Ver pp. 3-4.
 
[9] Algumas obras ou artigos que podem ser úteis: 1) “Monte Sua Equipe!”, de Steve Smith, Série Caixa de Ferramentas da Quest, Clio Editora, SP, 128 pp.; 2) “Os Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro”, de Edgar Morin, Cortez Editora, UNESCO,  SP/Brasília, 2000, 117 pp.; 3) “Como Liderar Reuniões, Seu Guia de Estratégia Pessoal”, de Tim Hindle, Publifolha,  SP, 71 pp. ; 4) “Liderança – aprenda a mudar em grupo”, de Maria Leonor Cunha Gayotto e Ideli Domingues, Ed. Vozes, RJ, 98 pp.;  5) “Líderes – estratégias para assumir a verdadeira liderança”, de Warren Bennis e Burt Nanus, Ed. Harbra, SP, 1988, 197 pp.; 6) “Pedagogia da Autonomia”, Paulo Freire, Ed. Paz e Terra, SP, edição de bolso, 165 pp.; 7) “Os Ciclos de Vida das Organizações”, de Ishak Adizes, Livraria Pioneira Editora, SP, 1996, 379 pp; 8) “Psicologia de Grupo e Análise de Ego”, ensaio de Sigmund Freud na edição standard das suas obras completas, volume 18, ed. Imago, RJ, pp. 79-154;  e “A Geometria da Boa Reunião”,  Carlos Cardoso Aveline, texto que pode ser encontrado em nossos websites associados.
 
[10] “Trabalho literário” inclui leitura e estudo.
 
[11] “Cartas dos Mahatmas Para A.P. Sinnett”, obra citada, Carta 65, volume um, p. 270.
 
[12] Chelado, isto é, discipulado.
 
[13] “Cartas dos Mestres de Sabedoria”, obra citada,  Seção de Cartas Para Laura Holloway,  Carta I,   p. 145.
 
[14] “Pensamento positivo,  ação construtiva e ajuda mútua”. Estes três fatores surgem naturalmente da percepção da unidade da vida.
 
[15] “A Roca e o Calmo Pensar”, de Mahatma Gandhi, Editora Palas Athena, SP, 249 pp., ver p. 228.  Na oração citada, substituo a palavra “Deus” por “Lei da Harmonia Universal”, expressão mais adequada do ponto de vista da filosofia esotérica.  A teosofia clássica ensina que os deuses monoteístas são invenções infelizes de sacerdotes profissionais, usadas como pretextos para justificar guerras, manipulação dos povos e autoritarismo.
 
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Sobre o mistério do despertar individual para a sabedoria do universo, leia a edição luso-brasileira de “Luz no Caminho”, de M. C.
 
 
Com tradução, prólogo e notas de Carlos Cardoso Aveline, a obra tem sete capítulos, 85 páginas, e foi publicada em 2014 por “The Aquarian Theosophist”.
 
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