Pomba Mundo
 
O Significado Universal
de um Velho Símbolo Cristão
 
 
Carlos Cardoso Aveline
 
 
A Teosofia do Sinal da Cruz com mold
 
 
 
Um diamante não perde seu significado, ou seu valor, por estar enterrado no solo e no barro:  tampouco o ouro ou qualquer pedra preciosa.  Assim, o fato de que algo bom seja esquecido ou ignorado  não pode diminuir o seu valor:  ao contrário, torna-o ainda mais valioso. 
 
O mesmo ocorre com a sabedoria antiga e a filosofia esotérica, que  ainda hoje dormem, em um berço nem sempre esplêndido,  sob a superfície rotineira dos dogmas cristãos da idade média.  Existe, por exemplo, uma versão esotérica, rara e esquecida da oração “Pai Nosso”, e ela foi publicada por H. P. Blavatsky no século 19. [1]
 
Vamos abordar agora o significado esotérico e profundo de outro elemento cotidiano da cristandade:  o sinal da cruz. Há séculos ele  tem sido usado em todo o mundo. Na verdade,  ele tem origem cabalística e possui um significado amplo,  filosófico, livre de qualquer relação com crenças supersticiosas.
 
Em “Ísis Sem Véu” –  uma das duas obras monumentais da filosofia esotérica – H.P. Blavatsky mostra em detalhes o processo pelo qual o cristianismo de Roma apropriou-se dos antigos conhecimentos das tradições “pagãs” de sabedoria e, em seguida, passou a perseguir estas mesmas tradições (inclusive a tradição judaica), destruindo suas obras escritas e  matando os seus mestres e alunos. Item por item, HPB vai demonstrando que a teologia romana cristã é, na verdade, “pagã”. 
 
E escreve:
 
“Seria realmente muito doloroso tirar de Roma, de uma única vez, todos os seus símbolos; mas é preciso fazer justiça aos hierofantes despojados. Muito tempo antes que o sinal da Cruz fosse adotado como símbolo cristão, ele era empregado como um sinal secreto de reconhecimento pelos neófitos e pelos adeptos.”
 
Em seguida, HPB cita palavras de Eliphas Levi, em sua obra “Dogma e Ritual da Alta Magia”:
 
“O sinal da cruz adotado pelos cristãos não pertence exclusivamente a eles. Ele é cabalístico e representa as oposições e o equilíbrio quaternário dos elementos. Constatamos,  na estrofe oculta do Pater, à qual aludimos em volume anterior desta obra, que havia originalmente duas maneiras de fazê-lo, ou, pelo menos, duas fórmulas  muito diferentes para expressar o seu significado; uma reservada aos sacerdotes e aos iniciados; e outra, comunicada aos neófitos e aos profanos. Assim, por exemplo, o iniciado, levando a mão à fronte, dizia: ‘A ti’; então ele acrescentava; ‘pertencem’; e continuava, enquanto levava a mão ao peito – ‘o reino’; depois, ao ombro esquerdo; ‘a justiça; e ao ombro direito; ‘a compaixão. Então ele juntava as mãos e acrescentava: Através dos ciclos da geração: Tibi sunt Malkhuth, et Gerburah et Hesed, per Aeonas’ – um sinal da Cruz total e magnificamente  cabalístico, que as profanações do gnosticismo fizeram a Igreja praticante e oficial perder por completo.” [2]
 
Até aqui, Eliphas Levi, citado por HPB. Vejamos agora, ponto por ponto,  algo sobre o significado deste gesto simbólico e das palavras cabalísticas associadas a ele:  “A ti pertencem o reino, a justiça e a compaixão. Através dos ciclos de geração.”
 
1) “A ti pertencem” – As palavras “a ti” se referem a Atma, o sétimo princípio da anatomia oculta do ser humano. Este é  o princípio supremo imortal,  o eu superior que  vive em unidade com a lei do universo, simbolicamente situado na testa.
 
2) “o reino,” – Ou seja, o reino dos céus, situado no peito ou no coração.  Esta é a consciência do mundo divino, a luz espiritual, Buddhi, o sexto princípio da compreensão universal das coisas, o amor universal. 
 
3) “a justiça e a compaixão.” –  Estes são os dois pratos da balança.  O reino dos céus (consciência divina) é feito de justiça e compaixão,  e para afirmar-se ele necessita do equilíbrio entre estes dois fatores.   Qualquer uma destas duas virtudes só pode existir com base na outra. Sem justiça, a compaixão é falsa. Sem compaixão, a justiça é falsa. Sem justiça e compaixão, não há consciência divina (reino dos céus). O amor universal é feito de justiça e compaixão. É graças às duas virtudes (inseparáveis do discernimento) que o estudante tem acesso ao princípio Supremo e superior (Atma), simbolicamente situado na testa.
 
4) “Através dos ciclos da geração. –  As palavras “os ciclos da geração” se referem ao caráter cíclico do tempo eterno e mais especificamente à reencarnações de cada individualidade humana. Aqui a sabedoria da Cabala aponta para a “doutrina dos ciclos”, uma parte essencial da teosofia.
 
Os dois ombros humanos simbolizam a responsabilidade do indivíduo diante da vida. É a combinação de justiça (ombro esquerdo) e compaixão (ombro direito)  que  permite ter força e estabilidade ao longo de uma encarnação. 
 
O sinal da cruz cabalístico aciona quatro fatores, e  tem relação direta com os quatro elementos (fogo, água, terra e ar). Ele também se refere à Tetraktis ou Tétrade sagrada dos pitagóricos;  aos quatro pontos cardeais;  e ao Tetragrammaton, o nome de quatro letras da divindade na tradição mística judaico-cristã (IHVH).
 
A dimensão geométrica e o significado interior do sinal da cruz têm fortes correlações com a filosofia maçônica e a sabedoria salomônica. O templo de Salomão, esotericamente,  simboliza o corpo humano.
 
Para a filosofia antiga e teosófica,  como para o cristianismo autêntico, o corpo humano é o grande templo, e os templos físicos são apenas símbolos externos dele. O corpo é a casa do Espírito: “o Espírito está dentro de nós”.  Em I Coríntios 3:16,  o Novo Testamento afirma: “Não sabeis que sois o templo de Deus e que o Espírito de Deus habita em vós?”  E em II Coríntios 16, lemos:  “Porque vós sois o templo vivo de Deus”.  
 
Segundo a tradição, o templo de Salomão está voltado para o Leste e possui duas colunas, chamadas de “Boaz” e “Jachim”.  Idealmente,  ao fazer o sinal da cruz, o estudante de sabedoria divina não só se reconhece como um templo vivo, mas também  está voltado fisicamente para o Leste, o Nascente. Seus ombros e braços correspondem às colunas. O termo “Boaz”, que  corresponde ao ombro esquerdo ou coluna Norte,  significa “na força” ou “em fortaleza”. O termo “Jachin”, que corresponde ao ombro direito ou coluna Sul, combina uma abreviatura de “Jeová” (Divindade) com um termo que significa “Estabelecer”.
 
Assim, quando fazemos a correlação do sinal da cruz cabalístico-cristão  com a tradição salomônica e maçônica, vemos o seguinte:
 
“O reino dos céus (Jeová, a Sabedoria Divina) tem força, isto é, se estabelece como uma fortaleza, quando tem por base a Justiça.
 
Quando reconhecemos o corpo humano como um templo,  isto é,  um invólucro externo de uma presença divina interior, podemos perceber a relação prática entre o sinal da cruz cabalístico e outro campo de conhecimento, a Filosofia da Ioga.
 
Vejamos, passo a passo,  como se dá esta correlação. Inicialmente, enquanto o devoto pronuncia ou pensa as palavras “A ti pertencem”, o sinal da cruz ativa  a testa, um  ponto intermediário entre os dois chacras superiores, respectivamente localizados no alto da cabeça (chacra Sahasrara) e entre os dois olhos (chacra Ajna).
 
A seguir, enquanto o devoto pronuncia as palavras “o reino”, o sinal da cruz  toca uma parte do corpo que se refere ao chacra Anahata, localizado no coração.   Em seguida, o estudante toca os dois ombros, pronunciando, respectivamente, as palavras “a justiça” (ombro esquerdo) e  “a compaixão” (ombro direito).
 
Os dois ombros simbolizam as duas correntes energéticas ou “colunas”  (Nadis) que ligam os chacras, segundo a ioga.  Uma das correntes é positiva e ativa: a Justiça. A outra é compreensiva e contemplativa: a Compaixão.
 
Finalmente, ao unir as duas mãos enquanto pronuncia as palavras “Através dos ciclos de geração”, o devoto fecha o círculo harmonizando simbolicamente os dois hemisférios cerebrais, os dois nadis e as correntes yang  e yin em sua natureza interior.
 
Esta visão esotérica do sinal da cruz vai além de mostrar a relação viva que há entre o corpo e a alma, ou entre o templo e o espírito. A prática original do sinal da cruz é, também,  um modo ativo e consciente de  expressar o compromisso do indivíduo atento com a consciência universal.
 
Através do verdadeiro sinal de cruz, que nada tem a ver com superstições,  o indivíduo se estabelece simbolicamente na consciência divina.  Ele  assume por mérito próprio “o poder que o faz parecer nada aos olhos dos outros”.  Ele assume o poder de estar em união fraterna com a Lei Universal e com todos os seres.
 
NOTAS:
 
[1] O texto está em nossos websites associados sob o título de “O Pai Nosso da Filosofia Esotérica”.
 
[2] “Ísis Sem Véu”, Ed. Pensamento, SP, quatro volumes,  volume III, p. 84.  Veja também a edição brasileira de  “Dogma e Ritual da Alta Magia”, de Elipas Levi, Ed. Pensamento,  SP, 466 pp.,  mais especificamente a página 269. Ao citar este trecho, levei em conta a edição original em inglês de “Ísis Sem Véu”, de HPB:  “Isis Unveiled”,  Theosophy Co., Los Angeles, volume II, p. 87.
 
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