Trecho de uma Obra Mística do Final
do Século 14 e Começo do Século 15
 
 
Um Monge Anônimo
 
 
 
Mosteiro de Alcobaça, foto de Olhares.com – Solange Morgado
 
 
 
Nota Editorial:
 
O mosteiro português de Alcobaça, em Portugal, foi inaugurado no ano de 1252. O texto a seguir é reproduzido da obra anônima “Horto do Esposo”, produzida no mosteiro no final do século 14 e início do século 15. [1]
 
A biblioteca da Loja Independente de Teosofistas possui um volume que apresenta a transcrição literal do “Horto do Esposo”. Com edição de Irene Freire Nunes e coordenação de Helder Godinho, o livro foi publicado por Edições Colibri, Lisboa, em novembro de 2007, e possui 400 páginas. O trecho aqui transcrito está nas páginas 112-113.
 
A transcrição literal apresenta dificuldades de compreensão para o leitor contemporâneo. Devido a isso, adaptamos o texto ao português atual, fazendo isso apenas na medida necessária para que a compreensão não fique prejudicada. Por exemplo, a primeira frase do trecho na linguagem do século 14 afirma: “Doze abusões som deste mundo”, e nós apresentamos a frase na linguagem atual: “Doze ilusões são deste mundo”.
 
(Carlos Cardoso Aveline)
 
As Doze Ilusões
 
Doze ilusões são deste mundo.
 
A primeira é a do homem sabedor ou pregador sem obras. Aqueles que ouvem o pregador ou o ensinador desprezam a sua pregação quando veem que as suas obras estão afastadas dos seus dizeres e que fazem o contrário do que dizem. E por isso diz Santo Isidoro que aquele que bem ensina e mal vive parece que junta o bem com o mal e mistura a luz com as trevas e a verdade com a mentira.
 
A segunda ilusão deste mundo é a do velho sem religião. Qual é maior loucura que a mente do homem não ser rápida para a perfeição, quando o corpo se vai já em breve para a perdição, a saber, [está] na velhice, em que os olhos vão perdendo a vista e as orelhas o ouvido e os cabelos caem e os dentes minguam e o corpo se enruga e seca-se, e o bafo cheira mal, e o peito ofega e a tosse não pára, e os joelhos tremem e os pés e as pernas incham? Todas essas coisas mostram que a casa do corpo do homem quer cair.
 
A terceira ilusão deste mundo é a do homem jovem sem obediência e sem reverência. Como esperará o jovem que o sirvam na velhice, se na sua juventude não quer obedecer aos velhos? E assim como nos velhos se requer temperança e perfeição de bons costumes, bem assim nos jovens se requer servir com submissão e com obediência.
 
A quarta ilusão deste mundo é a do rico sem esmola que, guardando com grande cuidado aquilo que ganhou na terra, perde a glória durável da terra celestial.
 
A quinta ilusão é a da fêmea sem vergonha, porque, assim como a sabedoria e a prudência apresentam e guardam nos homens todos os bons costumes, assim também a vergonha cria nas fêmeas todas as ações honestas, e as aumenta e as guarda.
 
A sexta ilusão é a do senhor sem virtude, porque não presta para nada ter o homem o poder do senhorio, se o senhor não tiver rigor de virtude.
 
E por isso diz o Eclesiástico: “Não queiras ser nomeado juiz se não puderes destruir as maldades com virtude.”
 
A sétima ilusão é a do cristão conflitivo. Ser conflitivo é empunhar a verdade conhecida usando de brados. A palavra “cristão” vem do nome de Cristo, que é pacífico: e por isso é uma ilusão ser conflitivo.
 
A oitava ilusão é a do pobre orgulhoso. Que coisa pode ser mais doida do que [a atitude] daquele que por sua mesquinharia e pobreza devia andar como desprezado e humilde na terra, e ser triste, [quando] esse mesmo levanta sua mente inflada contra deus, com um inchaço frontal de orgulho?
 
A nona ilusão é a do rei desigual e mau e sem justiça. Porque a palavra “rei” demonstra ofício de regente. Mas como poderá reger e corrigir os outros, quem não corrige os seus próprios costumes?
 
A décima ilusão é a do bispo negligente e desleixado; porque a palavra “bispo” quer dizer “vigilante”, e portanto ele deve sempre advertir e corrigir.
 
A décima primeira ilusão é a do povo sem disciplina, sem castigo e sem educação.
 
Por isso diz santo Isidoro que, quando alguém não se corrige por palavras brandas, é necessário que seja repreendido e castigado mais asperamente.
 
A décima segunda ilusão é a das pessoas sem lei, porque aquele que despreza os dizeres de Deus e o estabelecido na lei vai por caminhos errados e cai em laços de traição e de maus costumes, e há pessoas assim no mundo.
 
NOTA:
 
[1] Esta data aproximada da produção da obra está indicada na página LXXXI.
 
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O texto “As Doze Ilusões” foi publicado nos websites da Loja Independente de Teosofistas em 14 de abril de 2025. Ele faz parte também da edição de agosto de 2020 de “O Teosofista”, páginas 9-11.  
 
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Leia mais:
 
 
 
 
* Corpo e Alma, Cavalo e Cavaleiro (texto de Theodoro D’Almeida).
 
* Regra da Vida Honesta (tratado estoico clássico de Martinho Bracarense)
 
 
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Helena Blavatsky (foto) escreveu estas palavras: “Antes de desejar, faça por merecer”. 
 
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