Descobrindo o Tesouro do Magnetismo Próprio
Carlos Cardoso Aveline
Vejamos qual é o ponto de vista teosófico sobre o despertar da vontade, ou seja, da vontade correta, elevada, que merece ser desenvolvida.
Helena Blavatsky escreveu:
“A vontade é uma posse exclusiva do ser humano neste nosso plano de existência. Ela o distingue do animal, no qual só o desejo instintivo está desperto. (…) Assim, a Vontade é fruto do que é Divino, do Deus no ser humano; o Desejo é a força que movimenta a vida animal.”
E ainda:
“A maior parte dos humanos vive no desejo e através do desejo, confundindo-o com a vontade. Mas aquele que quiser vencer deve separar a vontade do desejo, e fazer com que sua vontade predomine; porque o desejo é instável e muda o tempo todo, enquanto a vontade é firme e constante.”
Cabe levar em conta que o fluido magnético é a substância sutil, a substância astral, da vontade e do desejo.
Podemos concluir, portanto, que a palavra “vontade” se refere a um nível superior de fluido magnético ou de força magnética. E a palavra “desejo”, a um nível inferior.
Mas retomemos as palavras de Blavatsky. Ela prossegue, no mesmo trecho:
“Tanto a vontade como o desejo são absolutamente criadores, e formam o ser humano e também o ambiente ao seu redor. Mas a vontade cria de modo inteligente, e o desejo cria de modo cego e inconsciente. O homem, portanto, faz a si mesmo à imagem dos seus desejos, a menos que ele crie a si mesmo segundo o modelo do que é Divino, através da sua vontade, que é um produto da luz.”
“A tarefa do ser humano é dupla: despertar a vontade, para fortalecê-la pelo uso e pela vitória, torná-la capaz de governar com poder absoluto em seu corpo; e, ao mesmo tempo, purificar o desejo.” [1]
Aqui está dito o essencial sobre a doutrina teosófica do magnetismo. A tarefa do ser humano que deseja ser útil à humanidade, e que deseja ser verdadeiramente feliz, é dupla. De um lado, é preciso purificar o desejo. De outro lado cabe transformar o desejo, já nobre, em vontade ativa, criativa e inteligente.
Porém, HPB não entra nos detalhes práticos. Deixa claro, implicitamente, que o desejo deve ser transformado em vontade, mas como fazer isso? Ela não aborda o lado concreto desta tarefa, que pertence ao território de Raja Ioga. Os textos clássicos de Raja Ioga não abordam esta tarefa em linguagem acessível. Através de uma linguagem excessivamente técnica, pode-se preservar o conhecimento para os Poucos, mas esta forma de cautela perdeu o sentido durante o século 20.
A simplicidade da tarefa de produção de vontade e de magnetismo voluntário é surpreendente. Estamos diante de um exemplo gritante de uma verdade óbvia, pública, central, fundamental, de importância decisiva, e ignorada pela maior parte das pessoas, e raramente enunciada com muita clareza.
É preciso frustrar os níveis inferiores de desejo, para que a energia magnética animal, sendo obstaculizada, interrompida, se transforme em energia superior, que a teosofia chama de “vontade” ou seja, fluido magnético superior.
O procedimento é simples, mas não é fácil. Você terá vitórias e derrotas na luta contra a preguiça, contra a rotina, e contra a busca da satisfação imediata. Terá que conhecer e observar a força do autoboicote e da resistência subconsciente à mudança.
Faça uma pequena lista de hábitos que lhe dão prazer.
– Comer aquele doce delicioso?
– Aquela comida especial que só a sua mulher sabe preparar?
– Ler romances e contos da literatura russa clássica?
Enumere os seus pequenos hábitos que não ajudam sua saúde ou sua felicidade. Abandone um ou mais hábitos rotineiros inúteis, registrando os resultados no seu Caderno da Vontade. [2] Deste modo terá a oportunidade exclusiva de ver em primeira mão a força do boicote subconsciente contra o Caminho da Sabedoria, em sua própria alma.
É mesmo um privilégio reservado aos que têm real Vocação de Vitória e não precisam mentir a si próprios.
A substância magnética do seu amor sincero pelos doces de confeitaria, feitos com açúcar branco, é transmutada, ficando a seu dispor na forma de força magnética resultante do autocontrole consciente. Esta energia superior, dócil, dará mais eficiência e convicção a tudo o que você fizer por decisão própria, e não por decisão do mecanismo da gula em seu corpo físico.
A substância sutil do seu amor pela poltrona predileta, em que lê romances russos e outros dramalhões que tanto prendem a atenção do leitor, é transformada em força interior consciente. Com isso ficará mais fácil a prática da disciplina diária indispensável no estudo vivencial da teosofia.
O seu amor romântico pelas pequenas manias de fazer isso ou de não fazer aquilo, de reagir assim ou de reagir assado, será colocado em cheque, e transformado na possibilidade de ser mais consciente e mais independente no que faz, no que diz, e no modo como reage diante das situações da vida. Assim a energia do desejo perde poder magnético em sua existência, fazendo isso pelo bem de uma causa nobre, e surge a vontade como instrumento a serviço da voz da sua consciência. A energia do desejo inferior morre, mas reencarna em seguida na forma de desejo superior, e na forma de uma vontade ativa e constante para o bem.
Este processo de transmutação é Raja Ioga em sua essência. Ele inclui outras formas autênticas de ioga, filosofia e religião. Inclui também a mística cristã e a tradição dos Padres do Deserto. Mas para colocar esta prática concreta no seu devido contexto você precisa de uma visão impessoal e universal das coisas, tal como ensinada na filosofia esotérica clássica.
Quer um exemplo de exercício simples de renúncia inofensiva ao conforto pessoal, pela qual um teosofista pode reunir força magnética e passar a tê-la à sua disposição para o que der e vier?
Sua Mão Imóvel à Frente
* Estando só, em silêncio, sentado, verifique que o seu sistema nervoso e suas emoções estão relaxados. Eleve o seu pensamento ao mais sagrado e universal. Faça o gesto do “Namastê”, palmas das mãos unidas. Peça uma presença mais direta do seu eu superior, da sua testemunha divina interna, da sua consciência maior.
* Erga então o braço direito quase todo estendido à sua frente, diante dos olhos. Mantenha a sua mão relaxada, semiaberta.
* Fixe o olhar casualmente num ponto qualquer do dorso da sua mão, ou em algum dos nós dos seus dedos. Mantenha o braço imóvel erguido, e o olhar calmamente fixo naquele ponto neutro da mão.
* Observe o surgimento e o crescimento do desejo de descansar o braço, ou de desviar o olhar.
* Fruste o desejo de conforto. Reúna calmamente sua vontade.
* Observe a consciência corporal. Veja como ela deseja ser libertada. Observe o desejo de liberdade de movimentos da consciência animal em si, mas veja este desejo como algo secundário. Mantenha serenamente o foco central da sua atenção na calma visão do ponto neutro da sua mão erguida.
* Quando decidir que o desconforto vai além do razoável, descanse o braço direito e agradeça a seu anjo-da-guarda, que é na verdade o seu próprio eu superior.
* Em seguida, faça a mesma experiência com o braço esquerdo. E vice-versa.
* Transmita diariamente esta lição de humildade à sua consciência animal, e produzirá energia magnética que ficará a seu dispor em todas as situações.
Os Braços em Cruz, o Olhar para o Alto
* Há muitas formas de fazer essencialmente este mesmo exercício de imobilidade voluntária. Vejamos uma delas. Primeiro, com as palmas das mãos unidas, a lembrança e a evocação silenciosa do anjo-da-guarda, a alma imortal.
* Em seguida, de pé, fique com a face voltada para o teto, os braços abertos erguidos em cruz mas relaxados e só parcialmente esticados. Olhe calmamente, humildemente, para o teto no ponto acima da sua cabeça. Peça inspiração. Fique imóvel, reunindo força magnética com a frustração da tendência dispersiva da consciência física animal. No momento certo, reúna novamente as palmas das mãos e agradeça ao anjo da guarda. Lembre que este “anjo” é um dos nomes da sua tríade superior, sua trindade individual, atma-buddhi-manas, e também da sua mônada.
* Neste segundo exemplo, você não deve insistir no desconforto, para não forçar a coluna vertebral. Mas, depois de uma breve pausa, pode fazer o exercício uma segunda vez.
* Ambas formas de exercício prático podem ser feitas duas vezes por dia, mantendo sempre a regra da moderação, que manda evitar escrupulosamente todo exagero.
* O caminho da vitória está em apostar na calma persistência com flexibilidade, e colocar na lata do lixo toda “intensidade espetacular”. No dia-a-dia, devemos ser como a tartaruga. Em momentos especiais, pouco frequentes, é oportuno agir como o raio e como o relâmpago, tendo presente a inspiração que vem da lei eterna.
NOTAS:
[1] Do artigo de HPB “Para Fortalecer a Vontade”.
[2] Veja “O Caderno da Vontade”.
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Uma versão inicial do texto “Como Disciplinar a Vontade” faz parte da edição de junho de 2024 de “O Teosofista”, pp. 1-2, sob o título “Como Fortalecer a Vontade”. A sua publicação na forma atual e como artigo independente ocorreu em 26 de junho de 2024.
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Helena Blavatsky (foto) escreveu estas palavras: “Antes de desejar, faça por merecer”.
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