Um Fator Decisivo na Caminhada Teosófica
John Garrigues
J. Garrigues (1868 – 1944)
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Nota Editorial de 2012:
O artigo a seguir foi publicado pela primeira
vez na revista “Theosophy”, de Los Angeles,
em janeiro de 1925, pp. 102-106. Mais tarde foi
publicado pela mesma revista em Outubro de 1949,
e pela revista eletrônica “The Aquarian Theosophist”
em sua edição especial de fevereiro de 2006, pp. 13-16.
Esta é a primeira vez que o nome do autor é revelado.
A análise do conteúdo e do estilo, e a data da sua primeira
publicação, indicam que o texto foi escrito por Garrigues.
(CCA)
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“Como são poucos, entre os muitos
peregrinos que têm de começar viagem
sem mapa nem bússola pelo Oceano
sem praias do Ocultismo, aqueles que
alcançam a terra desejada! Acredite-me,
fiel amigo, nada, exceto uma completa
confiança em nós, em nossas boas intenções
se não em nossa sabedoria, em nossa antevisão, se
não onisciência – algo que não é possível encontrar
nesta terra – pode ajudar alguém a avançar desde
a sua terra de sonhos e ficção até a nossa terra da
Verdade, a região da rigorosa realidade e dos fatos.”
[“Cartas dos Mahatmas”, Ed. Teosófica, Carta 134, Vol. II, p. 299.]
A confiança é o ponto decisivo nas questões espirituais. A falta de confiança, ao longo do caminho que buscamos trilhar, leva à derrota de todo esforço aparentemente elevado.
Em qualquer lugar e qualquer situação, a confiança é a primeira condição para obter êxito. A confiança na Lei das nossas naturezas imortais, a confiança no fato de que a justiça prevalece, a certeza da nossa capacidade de aprender, de crescer, de realizar o que desejamos, e de encontrar respostas para todos os problemas, são as qualidades por cuja ausência os estudantes sofrem e desistem, somando-se ao grupo cada vez maior dos “desiludidos”, e chegando a uma morte espiritual que é mais amarga, e mais verdadeiramente sem vida do que a morte apenas física jamais foi, ou poderia ser algum dia.
A maldição dos tempos atuais é a suspeita. Aqueles que não confiam em si mesmos não conseguem confiar em ninguém. Como a característica desta época é a discórdia típica do materialismo, a visão comum de uma vida superior é a posse de grandes quantidades de riqueza material. Considera-se que ter “muito dinheiro” é a mesma coisa que ter êxito na vida. Alguns teosofistas pensam da mesma maneira que a maioria em relação a isso, e usam como desculpa para aderir às ideias predominantes o argumento de que, se tivessem muito dinheiro, poderiam ajudar mais a causa teosófica. Mas a prática da natureza humana revela o triste fato de que, quanto mais bens materiais um indivíduo possui, mais preciosos estes se tornam para ele, e menos inclinado ele fica a abrir mão voluntariamente das suas riquezas.
Os seres humanos suspeitam uns dos outros, porque sabem muito bem, em suas próprias consciências, o que fariam com a riqueza dos seus vizinhos se houvesse uma oportunidade. A situação chegou a um ponto em que basta alguém fazer um trabalho altruísta para que muitos pensem, e com grande convicção, que existe uma intenção egoísta oculta. Se um Cristo caminhar pelas ruas hoje, fazendo milagres e curando doentes, haverá suspeitas de que ele faz isso para obter alguma vantagem pessoal, e alguém dirá que “ele está fazendo propaganda comercial para alguma coisa!” [1]
Para o estudante de Teosofia que quiser ir além do muro da teoria e da incerteza, e libertar-se das trincheiras fixas do conhecimento livresco, não basta permanecer firme contra a forte corrente do materialismo. Ele tem, na realidade, que avançar contra ela. Ele deve fazer mais do que acreditar em Altruísmo; ele deve tornar-se altruísta. Através de um esforço supremo – feito com grande persistência e ao mesmo tempo que o corpo, a mente e mesmo a Alma estão tão desgastados pelo combate desigual que o estudante ficaria contente de morrer no esforço – ele deve avançar constantemente, ainda que o mundo inteiro, e ele próprio, em parte, acreditem que avançar é uma tolice.
A confiança é a qualidade eficaz nestas circunstâncias. Este tipo de confiança não surge como resultado de crença ou de fé cega. Ela emerge de uma fé raciocinada. Surge de um estudo e de uma compreensão da filosofia, e de uma rígida aplicação de ensinamentos éticos como um modo de vida.
O diletante teosófico nunca terá essa confiança. O estudante que adotou a Teosofia como um meio de obter mais eficiência em suas atividades de professor, de médico, advogado, artista, ou para ser mais eficiente como homem de negócios, mais forte intelectualmente ou mais eficaz em qualquer uma das mil áreas específicas de atuação às quais a mente humana se apega, nunca chegará a ter uma confiança; e muito menos uma segurança consciente. O seu conhecimento ficará no nível da “informação e crença” até o final dos seus dias, sem ir além disso. Quando uma força real for necessária e o jogo de aparências não der mais resultado, a sua confiança em si mesmo falhará.
A convicção da autenticidade das ideias teosóficas básicas é a primeira condição para uma verdadeira autoconfiança. Isso pode ser obtido inicialmente através do estudo intelectual e dos seus frutos, que incluem uma compreensão lógica e raciocinada das explicações e dos conceitos teosóficos. Depois dessa etapa há o processo de testes da base que foi construída através da observação e da experiência. Os assuntos do mundo e dos seus habitantes são como um filme cinematográfico de acontecimentos, pessoas, coisas e métodos que se apresenta para a revisão da mente, dia após dia. São especialmente necessárias uma vigilância e uma análise honestas do processo psicológico do próprio estudante.
Então surge o momento no qual o estudante percebe que já verificou a autenticidade do ensinamento teosófico, até onde ele é capaz de fazer isso, e a confirmou das seguintes maneiras:
(a) Através de uma síntese intelectual e filosófica, tendo como alicerce verdades que são evidentes por si mesmas;
(b) Através da aplicação do ensinamento aos assuntos da vida diária, e, acima de tudo, à sua própria vivência íntima e interior, confirmando a ideia de que a psicologia é uma ciência exata [2], e de que ela faz parte da teosofia;
(c) Através da compreensão do fato de que a Verdade sempre explica, e de que, dada a explicação completa sobre algo, nós chegamos à Verdade, que não entra em conflito com qualquer outra Verdade. Este último ponto é uma compreensão, e não uma mera combinação de palavras. A compreensão surge com uma força propulsora que parece ser lançada ou projetada na mente do estudante desde algum ponto externo, embora na realidade ela venha de dentro. Buddhi se expressa como uma convicção.
A percepção intelectual da necessidade da existência dos Mestres cresce simultaneamente no cérebro e no coração do meditador. Se há conhecimento, deve haver Aqueles que Sabem; o conhecimento não existe por si mesmo, mas é resultado da observação e da experiência; e deve haver Seres que fizeram as observações e registraram a experiência. A atividade intelectual pode levar o estudante de teosofia até este ponto, na travessia “desde a sua terra de sonhos e ficção até a nossa terra da Verdade, a região da rigorosa realidade e dos fatos.” Porque até aqui o esforço de quase todos é na direção de obter conhecimento para si mesmo, por mais que o estudante acredite que sua meta é altruísta.
A mente e o raciocínio estão satisfeitos; foi obtida uma filosofia que realmente explica os seus princípios. Nenhuma outra necessidade é sentida, além da de exercitar-se mentalmente de modo saudável nas claras águas da teosofia, assim como um nadador se exercita saudavelmente em águas claras, no plano físico. Uma qualidade essencial ainda não foi desenvolvida.
Qual é a qualidade básica que leva um ser humano, apesar de si mesmo, a seguir por aquele Caminho ao longo do qual se obtém “completa confiança” nos Mestres? Trata-se de algo tão raro, embora seja mencionado com muita frequência, que talvez a incredulidade seja a nossa primeira reação, ao vermos a palavra diante de nossos olhos: Gratidão.
Pensemos sobre isso.
A emoção que às vezes ouvimos ou vemos ser expressada por estudantes de teosofia quando são mencionados os Mestres não é Gratidão. Tampouco se trata de uma emoção inteligente. A mesma sensação inunda as preces coletivas dos cristãos, o evento cristão carismático, a seção espírita, a mobilização patriótica e todo evento em que as pessoas se congregam e se sentem “profundamente emocionadas”. Inúmeras vezes, durante palestras teosóficas, fala-se nos “Mestres” ou nos “Fundadores” com tamanho sentimento que tanto o orador como a audiência são tomados pela emoção -; mas isso não é Gratidão.
A gratidão não é nenhuma das muitas fases da emoção psíquica que são qualificadas através de outros termos. Ela tampouco se mostra em palavras, na maior parte dos casos, nem em expressões de “amor”.
Gratidão é o reconhecimento de que algo foi feito por nós através de um sacrifício e sem motivações pessoais. É um reconhecimento tão forte que já não podemos mais descansar até realizarmos, da nossa parte, um serviço divino que partilha da mesma natureza.
A gratidão é Buddhi em ação; uma qualidade universal, e por isso mesmo espiritual. Ela se expressa através do trabalho altruísta e do esforço para colaborar com os Mestres que são os servidores universais da Natureza. A gratidão transformada em ação eficaz é calma, controlada, silenciosa, e tão poderosa como uma eletricidade cósmica. De fato, ela é Fohat “em uma versão mais terrestre”, em uma versão aplicada ao trabalho que está diante de nós; porque devemos lembrar que Fohat é uma força inteligente, e que as forças não existem por si mesmas.
Assim, aqueles raros estudantes em quem o conhecimento racional da necessidade da existência de Mestres provoca gratidão constituem os trabalhadores ativos da teosofia. Eles são os colegas que estão engajados em todo o mundo na tarefa de fazer com que a teosofia seja espalhada com mais força. Para o homem ou mulher ocidental dos dias atuais, o processo mental ocorre mais ou menos assim:
“Alguém tinha que fazer com que os escritos autênticos ficassem acessíveis, e mantê-los ao alcance do público. Alguém tinha que preparar as salas de reunião da Loja, divulgar o trabalho, mantê-lo funcionando, fazer os estudos, dar palestras, ajudar -, estando bem ou mal de saúde, e nas quatro estações do ano. Alguém tinha que achar o dinheiro necessário. E é preciso perseverar eternamente nisso, é claro. Graças ao sacrifício feito por outros seres, eu encontrei a filosofia e tenho sido ajudado a compreendê-la. Sinto-me então obrigado a fazer a minha parte, isto é, a fazer tudo o que está ao meu alcance, em qualquer um e em todos os aspectos da atividade da minha Loja. E vou dedicar uma intensa energia a aprender aquilo que ainda não sei fazer.”
Esta atitude, se colocada em prática, mostra gratidão e é gratidão.
Ela também é “devoção”, porque, assim como a verdadeira gratidão, a devoção não é de modo algum um assunto emocional. Este tipo de estudante não busca desenvolver modos especiais de trabalho altruísta que são exclusivamente “seus”, contraindo assim a grave doença da “busca de seguidores”. Ele trabalha aproveitando as oportunidades e as maneiras que estão ao seu alcance, e que ele viu por si mesmo serem corretas e verdadeiras. Ele trabalha junto com os seus colegas; trabalha pelos outros e com os outros.
A confiança em si mesmo surge no estudante que sente este tipo de gratidão e que transforma o sentimento em ação. Surge, então, naturalmente, a confiança nos outros, porque ele se tornou um trabalhador voluntário junto a outros que sentem e trabalham como ele; que são inspirados pelo mesmo sentido de dever intrínseco; que são tão decididos quanto ele, e tão inteligentemente felizes quanto ele é inteligentemente feliz. Os princípios da sua natureza interior o levaram a se engajar nesta luta gloriosa e espontânea, da qual só os guerreiros favorecidos pela boa sorte podem participar. Ele é feliz porque, na luta, ele passa a ter uma existência “natural” no sentido mais profundo e mais elevado da palavra.
À medida que ele avança, a confiança gera mais confiança; tanto em si mesmo como em seus colegas, na humanidade, e em toda a Natureza. Na sua consciência, a existência dos Mestres começa a surgir como um fato e não como mero ideal. Os Mestres estão “no mundo interno”, no início, e depois “no mundo externo”; mais tarde, sua presença é reconhecida em todos os aspectos da vida e em cada fase da mudança constante dos dias e anos da vida do estudante.
Uma “completa confiança” Neles é uma questão de crescimento. Ela vem com uma compreensão crescente, e é confirmada em cada detalhe através da experiência, graças a processos internos e sutis. Isso ocorre devido a fatos que não iriam constituir prova de modo algum se fossem apresentados a outras pessoas; mas o sentimento inseparável de tais acontecimentos internos comprova inegavelmente a sua autenticidade para o próprio estudante. É um sentimento claro, imaculado, indescritivelmente convincente.
O estudante está então de fato “avançando” desta terra de sonhos e ficção para a Terra Deles, a Terra da Verdade. Ao mesmo tempo, está ganhando “completa confiança” Neles. Os dois acontecimentos formam uma unidade. Não estão separados. São aspectos do mesmo e velho desenvolvimento eterno que os escritos antigos mencionam ( e isso também confirma a sua autenticidade).
O processo é descrito nos ensinamentos atuais como “a construção de antahkarana”. Este é o verdadeiro significado da frase segundo a qual o estudante deve “tornar-se o Caminho”. Porque a realidade é que ele não poderia “avançar” se não houvesse uma “ponte” ou um “Caminho”. E não poderia construir a ponte, exceto com seus próprios materiais, já que “o Caminho é interno”. E só pode encontrar e transmutar os materiais para a ponte graças ao fato de que, como um ser humano em evolução, ele está em contato com todos os aspectos da Natureza.
Assim, a compreensão dos ensinamentos científicos da filosofia se une com a Ética e com a Psicologia. A autenticidade do misticismo velado do mundo antigo é comprovada na vida prática do estudante de hoje que sabe observar e respeitar o ensinamento.
Uma “completa confiança” é uma forma de crescimento através do trabalho altruísta, “sem expectativas e livre do processo da esperança”. A “região da rigorosa realidade e dos fatos” deve ser necessariamente a “terra da Verdade”, porque só o que é verdadeiro é imutável, e só o que é imutável é real.
Alcançar esta “terra” não é “ir” a algum lugar. Não se trata de uma mudança geográfica. Alcançar esta “terra” não é atrair a atenção dos nossos semelhantes, nem desejar isso. Certamente não é fazer propaganda de nós próprios, nem direta, nem indiretamente. Trata-se de obter um ponto de vista diferente, e de desenvolver uma ação inteligente a partir dele. A vida de estudante e a vida pessoal não estão separadas.
NOTAS:
[1] A respeito deste tema, veja o texto “Se Cristo Voltar Neste Natal”, que pode ser localizado em nossos websites associados. (CCA)
[2] A Psicologia pode ser vista como uma ciência exata no sentido de que os processos psicológicos operam de acordo com as leis da natureza. A Psicologia trabalha com grande número de equações complexas, e nas quais há importantes incógnitas. Ela é uma ciência exata, isto é, pode trabalhar com precisão, embora sua precisão não seja mecânica. (CCA)
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Em setembro de 2016, depois de cuidadosa análise da situação do movimento esotérico internacional, um grupo de estudantes decidiu formar a Loja Independente de Teosofistas, que tem como uma das suas prioridades a construção de um futuro melhor nas diversas dimensões da vida.
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