Uma Lição da Sabedoria Judaica
Malba Tahan
Um rolo de pergaminho da Torá hebraica
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Nota de Malba Tahan:
Aqui reunimos as sentenças e conceitos
mais interessantes sobre o silêncio ditados
pelos rabis e pelos doutores israelitas. Alguns
desses ensinamentos são do Talmude.
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O silêncio é preferível à loquacidade; morre do mal do silêncio, mas evita o perigo da loquacidade. Saber calar é virtude cem vezes mais rara do que saber falar.
Rabi Azai, o sábio, viajava pelo Irã em companhia de vários discípulos. Em certo momento, um mercador persa, que vinha na caravana, tomado de cólera por um motivo fútil, entrou a vociferar contra os israelitas. Um dos discípulos disse ao mestre:
“Vamos ó rabi!, responde com energia a esse homem. Insulta-o por nós. Ele fala em Valaat e tu conheces muito bem esse dialeto!”
Retorquiu o douto Azai:
“Sim, meu filho, aprendi a falar o deri, o galani e o Valaat, mas aprendi também a ficar calado em Valaat, em deri e em galani. É o que vou fazer. Guardar silêncio nesses três dialetos persas.”
E acrescentou imperturbável, anediando as longas barbas brancas que lhe caíam sobre o peito:
“Seria insensatez trocar injúrias com um exaltado, que deblatera como um louco e que nem sabe o que está dizendo.”
Pelo silêncio podes ter um desgosto, mas a loquacidade semeará a estrada de tua vida de mil e um arrependimentos. Uma palavra irrefletida é, amiúde, mais perigosa do que um passo em falso.
Guarda a tua língua, como guarda o avarento a sua riqueza. A natureza, que nos deu um só órgão para falar, forneceu-nos dois para ouvirem. A inferência é óbvia. Forçoso é concluir que havemos de ouvir duas vezes e falar uma só.
Conta-se que um árabe ingressou numa comitiva onde todos eram barulhentos e discutidores e guardou longo silêncio. Um dos companheiros segredou-lhe:
“Consideram-te como um dos mais nobres da tua tribo. Sei agora o motivo. És silencioso e discreto.”
Replicou o islamita:
“Meu irmão, o nosso quinhão de ouvidos pertence-nos; as palavras afoitas e levianas que proferimos pertencem aos outros.”
A palavra que ficou pendente, pelo silêncio, em nossos lábios, é vassalo pronto a servir-nos; a que proferimos leviana e inoportunamente é algoz atento em escravizar-nos.
O sábio e judicioso Simeão, filho do Rabi Gamaliel, doutrinava:
“Passei a vida entre sábios e nada achei melhor do que o silêncio. O essencial não é estudar, é fazer. E quem fala demais abre, em sua vida, portas e janelas para o pecado.” (Aboth, I, 17)
Ainda no Talmude podemos sublinhar esta sentença:
“Quando falares, fala pouco, pois quanto menor for o número de palavras tanto menos errarás.”
E no Livro de Israel destaca-se, também, este aviso ditado pela Prudência:
“Quando falares de noite abaixa a voz; e quando falares de dia, olha primeiro à roda de ti.”
Se a palavra vale uma “sela”, o silêncio valerá duas. [1]
As moedas mais ambicionadas são, precisamente, as que encerram, em pequeno volume e diminuto peso, grande valor. Assim, a força e a beleza de um discurso consiste no exprimirmos, em poucas palavras, verdade profunda e conceitos magistrados.
O “Tzartkover” (morto em 1903) deixou de pregar na Sinagoga durante longo período. Interrogado sobre essa atitude respondeu: “Há setenta maneiras de rezar a Torá: uma delas é o silêncio!”
NOTA:
[1] Sela é o nome de antiga moeda da Palestina. O provérbio “Se a palavra vale uma sela, o silêncio vale duas” aparece em Magilla, 19ª. (Malba Tahan)
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O texto acima é reproduzido da obra “Lendas do Bom Rabi”, de Malba Tahan, Ed. Saraiva, São Paulo, dezembro de 1951, pp. 21-22.
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O artigo “Elogio ao Silêncio” foi publicado em nossos websites associados dia 16 de outubro de 2018. “Malba Tahan” é o nome literário do professor Júlio César de Mello e Souza (1895-1974).
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