A Sua Consciência Ficará Contente Pela Sua
Dignidade, e Pelo Seu Poder Sobre Si Mesma
 
 
Jean des Vignes Rouges
 
 
 
 
 
Nota Editorial de 2024:
 
As seguintes palavras de um Mestre dos Himalaias resumem o problema prático da busca da sabedoria espiritual:
 
“Já foi dito a você (…) que o caminho para as Ciências Ocultas tem de ser trilhado laboriosamente e percorrido com perigo de vida; que cada novo passo nele, que leva à meta final, é rodeado por armadilhas e espinhos cruéis; que o peregrino que se aventura por ele é obrigado primeiro a confrontar e vencer as mil e uma fúrias que guardam seus portões e sua entrada adamantinos – fúrias chamadas Dúvida, Ceticismo, Desprezo, Ridículo, Inveja e finalmente Tentação especialmente a última; e que aquele que quiser ver mais além tem primeiro de destruir este muro vivo; deve ter um coração e uma alma vestidos de aço e uma determinação de ferro, que nunca falha, e no entanto deve ser amável e gentil, humilde, e deve ter expulsado do seu coração toda paixão humana, que leva ao mal.” (Cartas dos Mahatmas, volume II, Carta 126, p. 274)
 
Em vários dos seus livros, Jean des Vignes Rouges faz estudos notáveis sobre como este processo funciona na prática.
 
O texto a seguir é um exemplo.
 
(Carlos Cardoso Aveline)
 
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Esforço – Como Resistir à Tentação
 
Jean des Vignes Rouges
 
 
Hoje a tentação assalta você! De que forma? Para imaginar isso, não preciso fazer qualquer esforço. Há tantas sugestões brutais ou disfarçadas convidando o ser humano a deixar de lado o seu dever! O desejo de evitar uma tarefa no trabalho, o apetite por uma sensualidade fora do contexto, o estímulo à preguiça, à raiva, à ganância. E, quem sabe, talvez até uma preparação para cometer ações repreensíveis.
 
Você pode derrotar uma tentação não dando atenção a ela, isto é, afastando de si todas as ideias e imagens que se relacionam com ela. Essa tática de “não quero mais pensar nisso” costuma ser a melhor. Mas ela nem sempre é aplicável. Às vezes a tentação se impõe de uma maneira brutal, derruba todos os diques que há diante dela e, uma vez instalada no centro da alma, adquire uma atitude de desprezo vitorioso enquanto aguarda que obedeçamos a ela. A confiança demonstrada pela tentação tem uma arrogância exasperante. Neste caso devemos enfrentar diretamente o problema. Em linguagem psicológica, isto significa “fazer um esforço”. O que acontece a seguir?
 
Em primeiro lugar, pense no seu corpo. Todos os psicólogos modernos concordam neste ponto. A sensação psicológica do esforço é o impacto, sobre a nossa consciência, de determinadas modificações do nosso organismo físico. Mesmo quando o esforço parece pertencer exclusivamente ao território das abstrações, ele se traduz por um conjunto de emoções, pequenos tremores, esboços de movimentos e impulsos contidos que têm a sua sede nos músculos.
 
Além disso, como você sabe, na hora de tomar uma decisão, se não houver grande urgência, você assume um compromisso consigo mesmo, jurando: “Amanhã eu vou fazer essa visita desagradável, sem falta!” E assim já está se preparando para chutar o seu dever mais para o futuro.
 
Disso se conclui que quando você decide fazer um esforço voluntário, precisa começar assumindo uma postura física favorável. Se você quer dar mais firmeza à sua personalidade, não se sente equilibrando-se na ponta de uma cadeira, como fazem as pessoas tímidas. Em vez disso, sente-se em uma boa poltrona. As ideias e os sentimentos corretos surgirão com mais facilidade.
 
Você precisa decidir se vai viajar? Pode haver boas razões para fazer a viagem, e outras razões igualmente boas para não viajar. Para decidir com eficiência, torne mais fácil o seu pensamento alternando entre posturas físicas ativas e de repouso. Ande de um lado para outro, depois deite-se no sofá; e mais tarde retome sua caminhada. Deste modo você vai escutar melhor, imparcialmente, as tendências opostas. Se você permanecesse imóvel em sua poltrona, é muito provável que as imagens contrárias à viagem surgissem com mais força.
 
“Devo começar este trabalho?” Você pergunta, perplexo. Se for uma necessidade material, não deixe que os seus braços fiquem inertes enquanto pensa, porque eles transmitiriam uma resposta negativa ao seu cérebro. Também não se movimente demasiado, porque você poderia tratar de fazer uma tarefa que está além das suas forças.
 
Cada vez que surgir a necessidade de fazer um esforço, pense imediatamente na atitude do seu corpo e “corrija a posição”. É por isso que os regulamentos militares determinam que o soldado fique em posição de sentido para receber uma ordem; deste modo ele se prepara para o esforço concreto de obedecer.
 
Examinemos agora o aspecto moral do fenômeno, a consciência que você tem dele.
 
Para simplificar a questão, admitamos que o seu esforço visa eliminar uma tentação. Isto não é fácil! Você se sente perseguido, dividido pela hesitação, puxado em direção a uma ideia que será uma decisão, mas cuja realidade você ainda não conhece. Em você existem forças que empurram, outras que resistem; podemos até mesmo discernir um espectador que ora faz acusações, ora aplaude. Em resumo, é uma confusão de ideias, sentimentos, impulsos, travadas radicais, atitudes inflexíveis e desistências: “Não, não vou ceder!”, “Vamos lá, não seja desagradável. Vamos, então, vamos nos divertir!…”.
 
Para organizar este caos, veja todo esse drama como uma cena que se desenvolve entre um superior e um inferior, entre um chefe e os seus subordinados. O chefe é a sensação de que é preciso cumprir o dever, ou seja, fazer aquilo que seria bom, excelente e elegante! Isso se impõe para você como evidente e indispensável.
 
Os psicólogos afirmam que foi a sociedade que depositou em nós esses “imperativos sociais”, graças à ação da moral, da religião, da educação, do idioma, dos livros, dos jornais, do cinema, etc. Vivemos em um mundo cheio de sugestões sociais das quais estamos totalmente impregnados, sem nem sequer desconfiar. Quando afirmamos com veemência os nossos direitos como indivíduos, queiramos ou não, estamos usando ideias que a sociedade nos impôs subconscientemente. O resultado disso, segundo a escola sociológica, é que a ideia de dever – esse chefe que manda em nós – é o representante da sociedade. Veremos, em outra ocasião, que esta concepção expressa apenas uma parte da verdade, mas neste momento ela é útil; vamos aceitá-la por enquanto.
 
Os subordinados representam todas as paixões, impulsos, instintos, ideias e desejos que se sentem contrariados pelo líder.
 
Você adivinha o que vai acontecer? Um conflito! O chefe, que às vezes se apresenta pelo seu nome verdadeiro, Dever, dará uma ordem e os subordinados vão “reclamar”. É preciso reconhecer por outro lado que às vezes o chefe é muito mole na liderança. Ele se manifesta através de um vago sentimento de obrigação. Ele diz: “você deve fazer isso e aquilo”, mas com uma voz tão fraca que mal se consegue ouvir. Porém, este chefe tem uma qualidade: mesmo fraco ou cansado, ele é persistente e até teimoso; ele repete eternamente sem se cansar: “Você deve!” Isso se torna irritante!
 
E é precisamente porque ele não quer desistir que você tem a sensação de esforço. Em vão os subordinados tentam abafar a voz do patrão com o barulho das suas reivindicações, porque ele continua a dizer, imperturbavelmente: “Você deve… Você deve!”
 
Mais cedo ou mais tarde, você começa a prestar atenção. Afinal, esse líder pode estar certo. O seu sentimento em relação ao esforço se torna mais forte. Aproveite esse momento de lucidez para tratar de tornar mais clara na sua imaginação a forma do chefe.
 
Primeiro você o vê em carne e osso, se é que posso dizer assim. É um rosto sério, grave, um pouco austero, até rígido; mas tão simpático! Ele se parece um pouco com o seu pai. Por um instante, você sente que ele é a encarnação de todo o seu passado de homem honesto, dos seus impulsos na direção do melhor, das suas promessas morais, enfim de tudo o que você aceitou como um ideal altamente desejável, tudo o que obteve também a aprovação da sua família, dos seus vizinhos, de seus amigos, todo o mundo.
 
Realmente, você não tem condições de deixar de lado um personagem tão interessante! Você precisa somar-se a ele e ajudá-lo a enfrentar este bando de subordinados mais ou menos revoltados.
 
Tão logo essa ideia passa pela sua cabeça, surgem algumas palavras em sua consciência: “Se eu não cumprir o meu dever, seguramente vou ter um arrependimento, vou sentir remorso, e isso não me deixará dormir!”
 
Parabéns! Vejo que o chefe tem mais autoridade, sobre você, do que você pensava. É o esforço que está aumentando. Mas os subordinados resmungam e protestam. O chefe, então, que agora se sente uma autoridade superior, fala mais alto, torna as suas ordens mais claras, dirige-se a todos os sentimentos, ideias e imagens que constituem a tentação e “repreende-os” duramente: “Vocês não têm vergonha! Vocês queriam que eu fizesse essa covardia! Abandonar esta tarefa iniciada! … Bom, eu não aceito isso!”. Nesse ponto, o esforço se torna doloroso…
 
Ah, seguramente todo esse drama não teria acontecido se, no seu caso, o chefe – o sentimento do Dever – tivesse sido todo-poderoso? Mas, infelizmente, as consciências humanas estão feitas deste modo, e há sempre uma “multidão” pronta para rugir e tentar promover a anarquia!
 
Portanto, aceite corajosamente a situação. Enxugue o suor do rosto, e continue o esforço.
 
Agora o chefe trabalha para superar as resistências. Ele fala da sua vontade, do seu plano, em relação às tendências inferiores. Segundo a sua explicação, as exigências que ele faz são afinal muito razoáveis ​​e, no fundo, constituem o meio mais eficiente de garantir a maior felicidade possível. Alguns revoltados ainda resmungam pelos cantos; o chefe os observa com olhar rigoroso e lhes mostra o chicote. Por outro lado, ele estimula e encoraja a quem deve entrar em ação, e acorda quem está adormecido mas talvez possa ajudar um pouco.
 
É assim a evocação na sua mente de todas as imagens que favorecem o trabalho do chefe: “Você deve trabalhar bem, deve cumprir esta tarefa, precisa afastar esta tentação. Ah! Isso não tem graça nenhuma! Mesmo assim há vantagens! …Para começar, sem remorso. E também, eu ganharia isso, ganharia aquilo, e dinheiro ou a admiração dos meus vizinhos. E então, o que mais você precisa!”
 
É o chefe que, através dos seus monólogos interiores, chama a si os seus seguidores: os estados de espírito capazes de o apoiar. Entre os seus principais seguidores estão os motivos que o levaram a levantar a voz e assumir o comando. Porque, afinal, esse esforço que vocês estão fazendo não surge do nada. Ele tem uma história. É uma necessidade interior ou exterior que a desencadeou; era preciso tomar partido, dizer sim ou não, para conter uma tendência indesejável. Estes “fortes motivos” não devem desaparecer por causa do medo diante dos rumores da matilha revoltada. Eles têm que avançar, mesmo recebendo golpes.
 
É assim que o esforço se desdobra dentro de você na forma de apelos, sermões e até ameaças. Todo o seu organismo está em tumulto. Você fecha os olhos para não deixar que se disperse o fluido voluntário [1] que está se acumulando ali, atrás da sua testa, e que vai estourar sob a forma de decisões.
 
Se a vitória do chefe parece incerta, então reforce a guarda pessoal em torno dele. Tire do bolso o seu Caderno da Vontade.[2] É o chefe que dá esta ordem a você. Neste caderno você anotou um dia as suas decisões mais sérias, as suas promessas mais solenes. O seu ideal está ali, formulado em frases que ainda pulsam com a emoção que o fez transcrevê-las.
 
Ah, sim! Este caderno é a Regra, a Lei. Ele indica o caminho certo. O chefe o agarra e o sacode no ar com ar triunfante. “Veja”, grita ele, “esta é a regra. Você tem que obedecer!” De fato, neste caderno está dito claramente que é preciso ser trabalhador, corajoso, honesto, moderado, justo, bom, enérgico, e assim sucessivamente.
 
Ah, eu sei muito bem que os subordinados vão reclamar. Vão alegar que a situação atual é uma exceção não prevista na regulamentação. Mas vocês não vão deixar que os rebeldes desenvolvam os seus sofismas de justificação, os seus raciocínios tendenciosos. Fazendo uso da razão, vocês vão denunciar impiedosamente os erros de avaliação, os falsos julgamentos, os enganos e as astúcias verbais com as quais o rebanho da maldade espera surpreender a boa-fé de vocês. Não, essas súplicas falsas de advogados sem escrúpulos não vão cegar vocês. De um jeito ou de outro, vocês vão anunciar a decisão final: o chefe tem razão!
 
E agora a tentação está numa situação desfavorável! O chefe vai vencer. É que, na verdade, ele tem uma autoridade formidável. Ele representa o seu desejo mais precioso, as suas tendências mais profundas. É por isso, aliás, que você começa a sentir a satisfação do dever cumprido.
 
– Porém, diz você, eu também sinto um pouco de arrependimento por ter sido obrigado a renunciar a algo que me teria dado satisfação, mesmo que só por um momento!
 
Este é o último grito de revolta de rancor dos subordinados que recuam. Ria desses clamores frustrados, dessas vãs reclamações. Dentro de cinco minutos, ou amanhã pela manhã, você já não os ouvirá mais.
 
E também eu digo: Coragem! Feche os punhos, cerre os dentes, diminua o ritmo da respiração para se concentrar melhor. Em seguida, dê um suspiro profundo, coloque todo o organismo num estado de prontidão, expanda o peito, endureça a barriga das pernas, e até estique os dedos dos pés se necessário. Tudo isso forçará a tireoide e as glândulas suprarrenais a funcionarem. Mantenha em seu pensamento, custe o que custar, as ideias que promovem a sua vitória. Enriqueça as suas emoções tornando-as bastante mais concretas. Fique com raiva, supere os obstáculos, empurre. Aproveite o impulso… e dê um salto adiante. [3]
 
Isso mesmo! A tentação está derrotada. Você foi promovido a general e comandante-em-chefe da sua própria alma. Parabéns!
 
Agora que a crise passou, devo dizer-lhe que o seu esforço teria sido muito menos doloroso, e mais eficiente, se você se tivesse preparado para este exercício de ginástica mental. Mas, é verdade, treinamos para um esforço à medida que fazemos o esforço. Quem organiza a sua existência de modo a fugir de decisões difíceis condena-se, em primeiro lugar, a uma existência de molusco; e, em segundo lugar, fica desamparado e impotente cada vez que as circunstâncias exigem dele uma decisão corajosa.
 
Acostume-se, portanto, a fazer todo tipo de esforço. Não é necessário que o seu objetivo seja reformar o Universo inteiro, nem mesmo reformar a sua vida. O simples cumprimento das suas obrigações na vida profissional e os pequenos desafios diários vão dar a você muitas oportunidades de fazer um esforço. Pergunte-se sinceramente; será que a todo momento, ao longo do dia, você evita fazer um esforço para realizar alguma tarefa? Foge de ver uma pessoa chata, desiste de escrever uma carta, rejeita a ideia de enfrentar uma pequena dificuldade, de costurar um botão na calça, de levantar da cadeira para fechar uma porta, de dizer a palavra adequada? Será que prefere afirmar: “Não vale a pena”, como desculpa para permanecer inerte? Ah! O hipotético “aborrecimento” que queremos evitar! Quantas perdas e fugas covardes ele não provoca! Se você ceder muito facilmente a esse convite da moleza, o chefe que dá ordens em você terminará por dizer: “Afinal de contas, não faz diferença alguma! Vou dormir!” E ele se afastará, como um velho general doente e fatigado. A sua esposa, ou os seus amigos, dirão sobre você: “Ele é incapaz de fazer o menor esforço!” E isso não vai ajudar nem um pouco a resolver os seus problemas.  
 
Imponha a si mesmo, portanto, a obrigação de cumprir um ou mais esforços diários, que realizará, mesmo que não sejam necessários, apenas pelo prazer de exercitar os músculos da sua vontade. [4] Isso vai manter você em forma. Graças a estes exercícios, o chefe que deve ser responsável pela sua máquina vital fará com eficiência o seu trabalho, ou seja, ele vai recompensá-lo ou castigá-lo, de acordo com os seus méritos. A recompensa é que a sua consciência estará contente pela sua própria harmonia, pela sua serenidade, sua dignidade, pelo seu poder sobre si mesma. Isto é felicidade! A punição é a derrota, o arrependimento, o remorso, o desespero, o gosto amargo na boca, a infelicidade, e assim por diante.
 
Obedeça, portanto, à autoridade que lhe dá a ordem de fazer o esforço. Esta autoridade representa as partes superiores da sua alma. Quando a voz da autoridade ressoa, seja mandando que você “faça o sacrifício” de estudar a página árida de um livro, seja mandando que escove os seus sapatos, não proteste e não se faça de surdo. Levante-se de imediato, em posição de sentido, como um bom soldado do Dever, e responda: “Sim, meu general!” E você ficará feliz, porque você é o general.
 
NOTAS:
 
[1] Fluido voluntário: isto é, fluido magnético, um importante conceito em teosofia. (CCA)
 
[2] Veja o artigo “O Caderno da Vontade”. (CCA)
 
[3] Vemos aqui a participação direta dos processos corporais nos estados de consciência, coisa que um teosofista não deveria jamais esquecer. (CCA)
 
[4] Ou seja, a satisfação de produzir fluido magnético voluntário, que permanecerá como reserva moral. (CCA)
 
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O artigo “Esforço – Como Resistir à Tentação” foi publicado pelos websites da Loja Independente de Teosofistas em 09 de dezembro de 2024. Trata-se de uma tradução do livro «Dictionnaire de la Volonté», de Jean des Vignes Rouges, Éditions J. Oliven, Paris, 320 pp., 1945, ver pp. 108-114. O artigo original em francês está disponível online: “Effort – Comment on Résiste à une Tentation”. Tradução: CCA.
 
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Jean des Vignes Rouges” é o nome literário do militar e pensador francês Jean Taboureau (1879-1970).
 
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Leia mais:
 
 
 
 
 
* Veja outros textos de Jean des Vignes Rouges.
 
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Helena Blavatsky (foto) escreveu estas palavras: “Antes de desejar, faça por merecer”.
 
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