Transplante de Institutos Jurídicos
Inadequados à Realidade Brasileira
Senador Franco Montoro
O ensaio de Montoro (foto) foi publicado pelo Senado brasileiro em 1975
Prólogo da Edição Online de 2018:
Neste ensaio, apresentado num Congresso de Filosofia, o senador Franco Montoro demonstra a necessidade de que a cultura de um povo tenha vida própria e não seja um mero processo de acumulação impensada de imitações.
No século 21, o ponto de vista de Montoro está mais atual do que nunca. A maior parte da tarefa de pensar com independência a cultura e a evolução histórica do Brasil ainda está por fazer. Não se trata de combater unilateralmente a influência estrangeira. O desafio não consiste em rejeitar o fenômeno objetivo da globalização cultural e econômica. Não depende de postura ideológica ou política financeira. A proposta é o resgate da capacidade de raciocinar.
A influência de outros países sobre o Brasil é positiva e valiosa. Cabe fazer com que este convívio seja inteligente, lembrando da notável inutilidade dos plágios e das cópias feitas às pressas.
Assim como cada cidade brasileira precisa aprender com sua própria história, tendo a obrigação de valorizar seu ethos local e desenvolver um projeto histórico específico, assim também deve ser feito no caso de um país, por estreitos que sejam os seus laços com a comunidade internacional.
É tarefa prioritária de todo agrupamento social zelar pelo seu bom senso e pela capacidade de perceber a si próprio como processo único, irrepetível. O Brasil tem uma dimensão universal, sem dúvida. Mas o modo concreto de o país viver a sua internacionalidade deve ser criativo e específico, ou não será autêntico.
O desafio de construir um país que valoriza a si mesmo é complexo. Exemplo disso é o paradoxo da esquerda, que frequentemente usou como bandeira o nacionalismo e o “anti-imperialismo”, quando seus partidos não passavam de imitações mecânicas e exemplos de colonialismo cultural. Cabe fazer uma autocrítica. O pensamento político “revolucionário” no Brasil começa com a importação direta do anarquismo, no início do século vinte, e poucos anos mais tarde se expande com a transposição, igualmente ingênua, do marxismo russo. Mais adiante, com a fragmentação do marxismo, outros setores da esquerda passaram a imitar acriticamente os pontos de vista da China e de Cuba. Depois da queda do muro de Berlim, vemos a esquerda copiar o pensamento “progressista” norte-americano como quem segue a moda na sua maneira de vestir. É a versão popular do “consenso de Washington”.
Numa obra clássica do marxismo brasileiro, Caio Prado Junior foi capaz de identificar boa parte da síndrome da imitação infantil, no mundo dos movimentos populares. Denunciando o marxismo de segunda mão, Caio Prado escreveu em seu livro “A Revolução Brasileira”:
“Enxergam-se (…) os fatos não como são, mas como deveriam ser à luz do que se passou em outros lugares (…). Tornou-se assim extremamente difícil quebrar a resistência oferecida por tradição teórica de tal maneira enraizada e aparentemente apoiada em autoridades incontestes. (…) As dificuldades começam quando se procura levar à prática esse esquema artificial e de fato puramente imaginário. Aí o erro se paga com insucessos.” [1]
A filosofia cumpre um papel talvez discreto, mas fundamental na vida dos povos. É significativo o fato de que o maior filósofo brasileiro, o pensador independente Farias Brito, permanece pouco valorizado em nosso século.
Filósofo ao mesmo tempo universalista e capaz de pensar o mundo desde o Brasil, sem adesão cega a qualquer sistema alheio, Brito foi combatido pelas três grandes correntes filosóficas do Brasil, todas imitativas: 1) o catolicismo, com sede em Roma, 2) o positivismo materialista do europeu Augusto Comte, e 3) o marxismo, nas suas vertentes europeia, asiática ou cubana.
Não por acaso a obra de Farias Brito coincide em pontos fundamentais com a filosofia esotérica de Helena Blavatsky. Ao mesmo tempo que pesquisa e ensina a sabedoria universal comum a todos os povos, a teosofia original combate as imitações, promove a autorresponsabilidade e combina o princípio da autonomia com o princípio da cooperação. Ali onde a ética, o altruísmo, e a fraternidade se unem à capacidade de raciocinar, a teosofia está de algum modo presente.
A vida de André Franco Montoro (1916-1999) expressa estes elementos centrais. Seu trabalho se inscreve no contexto da expansão do sentimento humanista na comunidade brasileira durante a segunda metade do século vinte.
Montoro foi um cristão lúcido e um defensor dos direitos humanos. O seu modo de pensar o Brasil transcende a mediocridade, revelando a grandeza da alma do país. Longe de propor algum nacionalismo estreito, ele defende uma parte central do patrimônio de toda nação: a capacidade de pensar com independência.
(Carlos Cardoso Aveline)
NOTA:
[1] “A Revolução Brasileira”, Caio Prado Junior, Ed. Brasiliense, SP, quinta edição, 1977, 269 pp., ver p. 31.
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Clique para ler o ensaio “Significação da Filosofia no Contexto Brasileiro”, do Senador Franco Montoro.
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