Uma Questão Aberta no
Caminho do Autoconhecimento
Carlos Cardoso Aveline
O serviço altruísta – feito por uma causa nobre, sem esperar benefícios pessoais – talvez seja a melhor linguagem prática pela qual o cidadão pode expressar livremente uma visão planetária e fraterna da vida.
As ações generosas são um passaporte ao nosso dispor para viajar até regiões mais amplas e elevadas de consciência – especialmente quando tais ações estão associadas ao estudo cotidiano da sabedoria divina.
Não é necessário um grande esforço para ver ao nosso redor possibilidades de exercitar a arte de agir com inegoísmo. A grande questão é como ter a motivação correta. Cedo ou tarde, surgirá a pergunta:
“Afinal, o que o buscador da verdade tem a ganhar de prático com o exercício do altruísmo?”
A resposta não é difícil. O bom carma deve amadurecer. Uma boa árvore não dá frutos em uma semana. Grande parte do que o cidadão tem a receber em troca do seu altruísmo virá por acréscimo – a médio e longo prazo – e não porque ele o busque ansiosamente e sem poder esperar.
Há um ganho, porém, que é quase imediato. A primeira coisa que o cidadão tem a ganhar – e talvez a mais importante – é uma ruptura com o círculo vicioso do egoísmo e da ignorância espiritual, o que inclui o desejo neurótico e cego de “levar vantagem” em cada situação da vida.
Essa ruptura com a cegueira e a surdez interiores abre gradualmente a possibilidade do acesso direto àquela Consciência de Sabedoria Universal que está presente no interior de cada cidadão.
O que dizer, então, daqueles que pretendem trilhar o caminho do autoconhecimento buscando sobretudo o benefício próprio, e estudando e “meditando” enquanto se abstêm de ajudar os outros?
Cada um deve saber de si, é claro. Mas é possível – e saudável – trocar ideias. O “Bhagavad Gita” hindu ensina algo que para muitos é surpreendente. A antiga escritura afirma que a meditação, desvinculada de ação altruísta, pode ser pior que inútil.
Diz o “Gita”:
“Ninguém jamais fica sequer um momento inativo. Todo ser humano é involuntariamente levado à ação pelas energias que emergem da natureza. Aquele que permanece imóvel, restringindo os sentidos e os órgãos, mas pensa com seu coração nos objetos dos sentidos, é considerado um falso pietista de alma confusa. Mas aquele que, tendo dominado todas as suas paixões, usa ativamente seus talentos para cumprir todos os deveres da vida e faz isso sem preocupar-se com resultados, deve ser estimado. A jornada da tua estrutura mortal não pode ser cumprida através da inação.” [1]
Sábias palavras de Krishna.
De fato, a ação com motivação sinceramente altruísta é um instrumento eficaz pelo qual podemos juntar e harmonizar em nossas vidas a energia do céu e a energia da terra.
Isso não basta, é claro. Para que uma ação qualquer seja correta, bom senso e discernimento são essenciais. Mas estas duas qualidades indispensáveis não surgem da imobilidade nem do egoísmo. Elas se desenvolvem através do método científico de “tentativa e erro”. O velho ditado popular brasileiro está certo: “é fazendo que se aprende”. A prática ensina que aprendemos mais e melhor quando ampliamos a nossa capacidade de estar atentos, enquanto agimos.
Um paradoxo da sabedoria universal é expressado por Jesus, no Novo Testamento, quando ele diz que aquele que busca coisas para si, as perde, mas aquele que não busca coisas para si, as ganha. E Helena P. Blavatsky escreveu que, no caminho do autoconhecimento, é impossível beneficiar os outros sem ser beneficiado internamente por isso, assim como é impossível beneficiar de fato a si mesmo sem que isso seja benéfico para os outros ao nosso redor.
Em última instância, há uma unidade universal entre todos os seres. Por causa dessa unidade dinâmica, tudo o que se planta, se colhe. Em consequência desse fato da natureza, é inteligente e de bom senso fazer aos outros o que esperamos que eles façam por nós.
Isso nem sempre será fácil. Porém, tentar agir corretamente é algo que está ao nosso alcance. Ao fazer isso sempre, obteremos pouco a pouco uma parcela de verdadeira sabedoria, e desse modo as causas do nosso sofrimento começarão a desaparecer.
NOTA:
[1] “Bhagavad Gita”, versão de William Q. Judge, The Theosophy Company, Los Angeles, EUA e Mumbai, India, 1986, 134 pp., capítulo III, p. 23. Na versão brasileira de Francisco Valdomiro Lorenz (Ed. Pensamento), ver pp. 37-38.
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