Um Mapa Para o Despertar Planetário
 
 
Carlos Cardoso Aveline
 
 
Lições da Profecia Celestina_
 
Capa do DVD do (bom) filme de Hollywood baseado na obra de Redfield
 
 
 
O livro “A Profecia Celestina”, de James Redfield, pode ser uma chave auxiliar eficaz para a ampliação da consciência em direção ao cosmo. [1]
 
Com a forma externa de um romance, a obra usa linguagem simples e inclui cenas de perseguição policial, fugas e prisões arbitrárias. Ao longo da história, os buscadores da verdade arriscam suas vidas enquanto desenvolvem ações altruístas. Alcançam momentos de iluminação mística, vivenciam a fraternidade universal e aprendem a perceber a unidade essencial de todas as coisas.
 
Vi o livro pela primeira vez em 1994, ao final de uma palestra pública em Porto Alegre. Eu havia falado a teosofistas sobre a sabedoria andina antiga, com base em dados que obtivera na biblioteca de Adyar, no sul da Índia. Depois da sessão de perguntas, uma estudiosa de temas andinos, a quem eu nunca havia visto e de quem não ouvira falar, aproximou-se e entregou-me como cortesia um exemplar de “A Profecia Celestina”.
 
Eu havia chegado da Índia havia pouco tempo. A vida tem ciclos curiosos. Parecia surpreendente que, justamente numa distante biblioteca da Ásia – vinte anos depois de morar no Peru e atravessar algumas vezes a cordilheira dos Andes – eu tivesse estabelecido um contato mais interior com a tradição andina e percebido pela primeira vez a sua verdadeira importância em minha vida.
 
Li A Profecia Celestina de imediato, quase sem interrupções. Abandonei outras atividades para encerrar-me no mundo luminoso das suas páginas. No prefácio da edição brasileira, Paulo Coelho afirma não por acaso que o texto “dá vontade de ler sem parar, de mergulhar no espírito de aventura (…).”
 
O que me atrai especialmente no livro é que ele constitui um instrumento para ligar-nos à proposta de uma civilização justa e harmônica no futuro e – ao mesmo tempo – um guia prático para que nos libertemos dos mecanismos psicológicos de manipulação, controle e luta pelo poder que nos impedem de ver o significado maior da vida. Neste sentido específico, Redfield, como autor popular, vai além de Carlos Castaneda e muito além de Paulo Coelho.
 
A ação de A Profecia Celestina está ambientada no Peru. O personagem principal busca Visões proféticas descritas em um antigo Manuscrito descoberto há pouco. O alto clero católico instiga o governo a suprimir o Manuscrito, cujas revelações podem abalar as bases da sociedade atual. Como consequência, a vida de quem busca conhecer as visões corre perigo.  
 
O conteúdo do livro não tem uma ligação específica com a cultura andina, mas expressa em suas grandes linhas a mudança mundial de parâmetros que ocorre hoje na mente humana como um todo [2]. James Redfield descreve o surgimento prático de uma cultura global que reformula todo o processo civilizatório a partir de um novo sentimento de fraternidade incondicional.
 
O êxito mundial de A Profecia provocou uma serie de best-sellers que desdobram a sua história. “O Guia de Leitura de A Profecia Celestina”, por exemplo, dá uma orientação mais detalhada sobre como trilhar o caminho de descoberta interior, individual e coletivamente. Apesar de intitulada “guia de leitura” na edição brasileira, esta segunda obra só deve ser lida depois de A Profecia e não visa interpretar o primeiro livro.  
 
Nas páginas do “Guia”, o leitor passa a ser o personagem central da história. A ação sai do cenário peruano e se desloca para as circunstâncias que rodeiam cada estudante. Ele mesmo deve escrever boa parte deste segundo volume. Ao fazê-lo, terá oportunidade de examinar sua vida, rever seus planos e motivações e definir um compromisso pessoal com seu próprio crescimento interior e o de toda a humanidade.  
 
Em A Profecia, a Primeira Visão aborda as aparentes coincidências que ocorrem em nossa vida e possuem um significado profundo  para quem  busca compreendê-las melhor. Este é um  axioma teosófico. Da  geomancia ao I-Ching, os mais diversos processos de percepção ampliada da realidade têm como base o princípio da unidade de todas as coisas. O que é grande está contido no que é pequeno, assim no espaço como no tempo. O sistema solar está presente em cada átomo. Basta perceber em profundidade as coisas que me rodeiam em um instante qualquer para identificar a energia espiritual que orienta minha vida e a vida do cosmo. A intuição é capaz de ler mensagens no céu, na terra, ou no vento, como mostra Carlos Castaneda em seus livros. [3]
 
Quando a atenção interior está desperta, cada acontecimento traz uma mensagem. Mas a mente só atua com eficiência quando estamos livres do egoísmo e da autopreocupação. Destes dois fatores brotam a ilusão e o sofrimento psicológico.  
 
Levar uma vida espiritual em meio à vida moderna pode parecer absurdo a um cidadão desinformado. E, no entanto, este é o desafio que está diante de nós: o de erguer-nos acima das circunstâncias. Em determinado momento da ação da “Profecia”, os personagens que buscam o Manuscrito sofrem uma perseguição implacável. Eles têm pouca chance de escapar à polícia e ao exército. Apesar disso, os buscadores mais experientes da verdade mostram uma completa serenidade.
 
“Como podem ficar tão calmos?”, pergunta o personagem central do romance.  “E se invadirem isto aqui e nos prenderem a todos?” (p. 158)
 
Os peregrinos experientes olham o amigo com uma atitude paciente e compreensiva. Um deles explica:
 
“Não confunda calma com despreocupação. Nossa fisionomia tranquila é uma medida de como estamos bem ligados na energia. Nos mantemos ligados porque é o melhor que temos a fazer, apesar das circunstâncias.”
 
O questionamento feito pelo peregrino novato ocorre todos os dias em diferentes partes do mundo. Milhares de indivíduos perguntam a si mesmos:
 
“Como posso ter serenidade em meio a tamanha agitação e incerteza?”
 
E deixam-se levar pelas dificuldades externas, renunciando à ligação com a energia da paz interior. Os perigos enfrentados pelos personagens da “Profecia” simbolizam as ansiedades e ilusões que rodeiam o cidadão moderno em seu ritmo acelerado de vida e afastam sua atenção daquilo que realmente interessa. A perseguição sofrida pelos buscadores da verdade em “A Profecia Celestina” também simboliza a inveja e a brutalidade que, em geral, tentam destruir cada gesto generoso e toda tentativa profunda de crescimento espiritual. Helena Blavatsky escreveu no século 19:
 
O chela [o discípulo] é chamado a enfrentar não só as más inclinações latentes na sua natureza, mas também todo o conjunto de poder maléfico acumulado pela comunidade e pela nação a que ele pertence.  E isso porque ele é uma parte integral daqueles agregados, e os fatores que afetam tanto o homem individual como o grupo (cidade ou nação) reagem um sobre o outro. Nesta instância a luta dele pela bondade destoa do conjunto da maldade em seu meio ambiente, e atrai a fúria deste conjunto contra si.” [4]
 
Com medo de olhar a vida de frente, muitos pensam que o preço de buscar a verdade seja demasiado alto e se refugiam na rotina. Em um dos capítulos iniciais da “Profecia”, alguém pergunta ao personagem central:
 
“Quantas pessoas você conhece obcecadas com o trabalho (…), ou que sofrem de males relacionados com o estresse e não conseguem diminuir [seu ritmo] ?  Não conseguem porque usam sua rotina para distrair-se (…). E fazem isto para evitar a lembrança de como se sentem inseguras em relação ao motivo de estarem vivas.” (p. 31)
 
Redfield dá orientações que ajudam o leitor a descobrir o motivo profundo da sua existência e o seu verdadeiro eu. A Segunda Visão amplia a consciência do tempo histórico. Ela convida a observar a vida não apenas desde a perspectiva da encarnação atual, mas de todo um milênio. (p. 25)
 
Mais adiante, um personagem pergunta como poderá descobrir seu verdadeiro eu em meio a tantos conflitos emocionais. Ele ouve a seguinte resposta, que diz respeito ao drama de controle, isto é, os mecanismos inconscientes pelos quais queremos manipular ou controlar os outros:  
 
“Só existe um modo. Cada um de nós tem de recuar à própria experiência familiar, ao tempo e lugar da infância, e reexaminar o que ocorreu. Assim que tomamos consciência de nosso drama de controle, podemos nos concentrar na verdade mais profunda da nossa família, no lado bom por assim dizer, [que vai] além do conflito por energia. Assim que encontramos essa verdade, ela energiza nossas vidas, pois essa energia diz quem somos, o caminho em que estamos, o que estamos fazendo.” (p. 155)
 
Ao trabalhar com o “Guia”, o leitor deve responder uma pergunta sobre as rotinas diárias de conflito e ambição. “Em que áreas da minha vida estou simplesmente seguindo a maré?”, questiona um dos exercícios sobre a Segunda Visão, e acrescenta:
 
“Escreva um parágrafo ou dois em seu diário a respeito das partes da sua vida nas quais você sente que está empacado ou que está simplesmente ‘seguindo a maré’. Detalhe realmente  seus sentimentos. Quanto mais você conseguir trazer estes sentimentos ao nível consciente, mais você abrirá as portas para respostas, oportunidades e insights.” (pp. 53-54)
 
Na Nona Visão, o “Guia de Leitura” ensina um exercício para criar novas oportunidades, e entre outras questões, coloca a imaginação do leitor para trabalhar positivamente:
 
“O que você preferiria estar fazendo? (…) Quais as ideias sobre o futuro que mais lhe agradaram? Descreva em seu diário uma ou mais vidas ideais que você gostaria de viver. Pense realmente grande (…)”. (p. 303)
 
A Profecia prossegue rompendo limites e diz que, misteriosamente, o modo mais eficaz de buscar a felicidade é fortalecer nossa própria ligação espiritual com nosso nível de consciência mais elevado e com a energia do universo.
 
“A melhor coisa que você pode fazer por si mesmo e pelos outros é dedicar algum tempo para estabelecer sua ligação com seu eu superior”, recomenda o Guia de Leitura. “Faça uma pausa a cada duas horas em qualquer coisa que você esteja fazendo e feche os olhos. Restabeleça o contato com uma cena da natureza (…).  Sinta-se expandir.” (p.119)
 
No dia-a-dia, devemos evitar a tomada de decisões quando estivermos cansados, irritados ou com pressa. Mas, havendo pensado bastante e com serenidade no assunto, podemos tomar a decisão. E então é preciso colocá-la em prática. Postergar a implementação de decisões já feitas leva à depressão e ao esgotamento. Cada dia da vida deve ser completo em si mesmo. Por outro lado, viver cada instante como um momento completo nos levará a uma mudança profunda não só em nossa vida individual, mas coletiva.
 
James Redfield descreve um processo de acumulação prévia que levará a um instante de ruptura:
 
“O Manuscrito prevê” – diz uma personagem de A Profecia – “que assim que atingirmos tal massa crítica (…) vamos nos perguntar, em massa, que processo misterioso está por baixo da vida humana neste planeta.  E será esta pergunta, feita ao mesmo tempo por um número suficiente de pessoas, que permitirá que as outras Visões também venham à consciência, pois, segundo o Manuscrito, quando um número suficiente de indivíduos perguntar a sério o que ocorre na vida, começaremos a descobrir.” (p. 9)
 
Com efeito, o “fim do mundo” esperado por alguns não ocorrerá no plano físico, embora catástrofes possam ser necessárias. O que ocorre de tempos em tempos na vida da nossa humanidade é a morte de uma mentalidade velha e um renascimento espiritual. Estamos vivendo no século 21 a ruptura de uma descrição estreita e egoísta do mundo. Avançamos, apesar dos desafios,  para o momento em que irromperá a era da fraternidade universal.
 
Parte significativa das Visões Celestinas sobre o despertar coletivo diz respeito ao contato com a natureza. No futuro, diz o Manuscrito, as florestas serão preservadas como patrimônios de valor incalculável.
 
“Assim que atingirmos a massa crítica” – afirma um personagem de A Profecia – “a raça humana vai experimentar primeiro um período de introspecção intensa. Compreenderemos como o mundo é na verdade belo e espiritual. Veremos árvores, rios e montanhas como templos de grande força a serem preservados com reverência e admiração. Exigiremos o fim de qualquer atividade econômica que ameace este tesouro. E os mais próximos a essa situação encontrarão soluções alternativas para o problema da poluição, pois alguém intuirá essas alternativas ao buscar sua própria evolução.” (pp. 262-263)
 
O “Guia de Leitura” recomenda alguns exercícios práticos de comunhão com a natureza:
 
* Passe algum tempo desta semana em um cenário natural.
 
* Exercite-se focalizando uma árvore ou uma planta durante alguns minutos pelo menos uma vez esta semana. Pense no que o une a ela e a todos os seres.
 
* Habitue-se a ver coisas belas em seus amigos, sua família e colegas de trabalho.
 
Na década de 1990, quando terminei a primeira versão deste artigo, ouvia os ruídos da natureza que me rodeava por todos os lados. O céu estava carregado de nuvens que traziam a água do período das chuvas para o solo seco do belo cerrado brasileiro. Em setembro de 2015, atualizo o texto em uma biblioteca teosófica no norte de Portugal. Escrevo desde uma pequena cidade em que o verde e as plantas convivem com os prédios: a umidade é constante ao longo do ano.
 
A humanidade avança na direção da fraternidade, e o progresso não é fácil.   
 
A proposta de “A Profecia Celestina” sofre de ingenuidade. O funcionamento da rigorosa lei do carma aparece na obra sem a necessária nitidez, embora esteja presente de modo basicamente correto. O dogmatismo da igreja católica é abordado com uma dose razoável de coragem política. Redfield mostra que o caminho é estreito e íngreme. Por outro lado, ele idealiza o misticismo cristão e parece acreditar num rápido renascimento da sabedoria. O erro por otimismo foi compartilhado de vários modos por quase todo o movimento esotérico e teosófico, entre 1975 e o ano 2000. No século atual, um duro recomeçar é indispensável, e deve ocorrer a cada dia da vida do aspirante.  
 
Apesar dessas limitações, “A Profecia” é e continuará sendo valiosa. A obra está iluminada pelo idealismo altruísta. O livro transmite a filosofia do amor à vida e ensina o sentido de responsabilidade individual em relação ao processo planetário de curto e longo prazo.   
 
O tempo cronológico não é o mais importante: só o tempo eterno é real, e ele está sempre presente aqui e agora, por toda parte.
 
Cedo ou tarde, o ideal humanitário verá sua vitória tornar-se visível: no plano essencial, a vitória já ocorreu, mas a vida é cíclica e o renascimento da luz precisa ser vivido uma e outra vez, em diversas dimensões. “A Profecia Celestina” e o seu “Guia de Leitura” são uma leitura saudável e fazem parte do acervo positivo da literatura espiritual popular.
 
 
NOTAS:
 
[1] “A Profecia Celestina”, James Redfield, Editora Objetiva, copyright 1993. Edição brasileira, 1994, 289 pp., tradução de Marcos Santarrita. Subtítulo da obra: “Uma aventura da Nova Era”. O livro vendeu milhões de exemplares em todo mundo. O presente artigo discute também a obra “Guia de Leitura de A Profecia Celestina”, de James Redfield e Carol Adrienne, Editora Objetiva, copyright 1995, edição brasileira, 1995, 314 pp., tradução de Claudia Gerpe Duarte.
 
[2] O Manuscrito de “A Profecia” não tem nenhuma relação de conteúdo, por exemplo, com o Manuscrito Huarochirí, um dos documentos mais valiosos do Peru antigo.  
 
[3] Veja, em nossos websites associados, o artigo “A Filosofia de Carlos Castaneda”.
 
[4] Helena Blavatsky, no artigo “Chelas e Chelas Leigos”, que está publicado em nossos websites. 
 
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Uma versão inicial do artigo acima foi publicada em maio de 1996 pela revista “Planeta”, de São Paulo.
 
Veja o bom filme em DVD “A Profecia Celestina”, Paramount Pictures, 2006. Inspirada no best-seller de James Redfield, a obra cinematográfica também está disponível online.
 
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Sobre o mistério do despertar individual para a sabedoria do universo, leia a edição luso-brasileira de “Luz no Caminho”, de M. C.
 
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Com tradução, prólogo e notas de Carlos Cardoso Aveline, a obra tem sete capítulos, 85 páginas, e foi publicada em 2014 por “The Aquarian Theosophist”.
 
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