Questionando a Necessidade
de Autodisciplina na Vida Diária
Carlos Cardoso Aveline
Quando um peregrino adota para sua vida determinadas regras de autodisciplina, a tradição mística afirma que ele deve obedecer “sem reservas e sem demora” aos princípios de conduta que fazem parte do caminho para a sabedoria.
A vigilância é indispensável, porque o atraso involuntário e a displicência na disciplina facilmente se tornam hábitos.
À medida que um indivíduo subestima a importância de uma prática constante da ação correta, ele começa a considerar o esforço como “desnecessário” e até mesmo como tolice. Qualquer alerta por parte da sua consciência de que é preciso manter a disciplina sagrada será então descartado como algo “demasiado rígido” e que de fato “não faz sentido”.
É precisamente porque muitos aspectos da disciplina diária parecem cansativos, desimportantes e talvez ridículos, que a sua prática cuidadosa e consciente gera um magnetismo mais elevado, e produz verdadeira autodisciplina.
O pessimismo e a preguiça são dois aspectos “elegantes” do mesmo tipo de ignorância.
Por outro lado, o autorrespeito, o autoconhecimento e uma vocação de vitória dão ao peregrino a força e a decisão necessárias para ser severo consigo mesmo, e para fazer verdadeiro progresso.
Cabe ao buscador da verdade levar em conta estas palavras de um Mestre de Sabedoria:
“Já foi dito a você (…..) que o caminho para as Ciências Ocultas tem de ser trilhado laboriosamente e percorrido com perigo de vida; que cada novo passo nele, que leva à meta final, é rodeado por armadilhas e espinhos cruéis; que o peregrino que se aventura por ele é obrigado primeiro a confrontar e vencer as mil e uma fúrias [1] que guardam seus portões e sua entrada adamantinos [2] – fúrias chamadas Dúvida, Ceticismo, Desprezo, Ridículo, Inveja e finalmente Tentação – especialmente a última; e que aquele que quiser ver mais além tem primeiro de destruir este muro vivo; deve ter um coração e uma alma vestidos de aço e uma determinação de ferro, que nunca falha, e no entanto deve ser amável e gentil, humilde, e deve ter expulsado do seu coração toda paixão humana, que leva ao mal.” [3]
É fácil criticar e ridicularizar a prática estável de pequenos atos de autocontrole e autodisciplina. No entanto, este esforço humilde e aparentemente desprezível constitui um fator central, decisivo, na busca da sabedoria divina. A modesta disciplina pode desafiar e desmantelar vastas estruturas de ignorância acumulada.
“Os últimos serão os primeiros, e os primeiros serão os últimos”, afirma Mateus 20:16. E o capítulo 41 do Tao Teh Ching ensina:
“A virtude superior parece como um vazio (vale);
O branco puro parece como manchado;
O grande caráter tem a aparência de insuficiente;
O caráter sólido parece não ter firmeza;
O alto valor parece contaminado.” [4]
Aceitar a aparência do tolo é uma defesa eficaz para o aprendiz bem informado. As ações mais corretas podem parecer uma completa tolice.
As pessoas desorientadas procuram apresentar-se como sábias satisfazendo habilmente a opinião dos outros. Os amigos da verdade, por sua vez, deixam de lado o consenso artificial e o mero hábito. Abandonando a média das opiniões do momento, eles buscam conhecer a verdade em primeira mão.
NOTAS:
[1] Fúrias – na mitologia clássica, divindades femininas que puniam crimes, instigadas pelas vítimas, e vingavam os deuses. (Nota da edição brasileira de “Cartas dos Mahatmas”)
[2] Adamantinos – isto é, feitos de diamante. (Nota da edição brasileira de “Cartas dos Mahatmas”)
[3] “Cartas dos Mahatmas”, Editora Teosófica, Brasília, 2001, edição em dois volumes. Coordenação editorial da edição brasileira, Carlos Cardoso Aveline. Ver volume 2, Carta 126, p. 274.
[4] “Laotse, the Book of Tao”, versão do chinês para o inglês de Lin Yutang. A obra está incluída no volume “The Wisdom of China and India”, edited by Lin Yutang, The Modern Library, Random House, New York, USA, 1955, 1104 páginas. Ver página 606.
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O artigo “O Mistério do Autotreinamento” foi publicado dia 20 de junho de 2018.
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