Por Que o Bom Senso
Inspira uma Atitude Equilibrada
Carlos Cardoso Aveline
Martin Luther King junto a um retrato de Mahatma Gandhi
Em seu romance “Os Demônios”, de 1872, Fiódor Dostoievski antecipa a ocorrência de revoluções socialistas, e condena a tentativa de alcançar melhorias sociais a partir da prática do ódio e da violência.
O romance russo – também intitulado como “Os Possessos” e “Os Endemoniados” – é uma crítica severa aos movimentos políticos segundo os quais “libertação” é o mesmo que “destruição”, e a coisa mais correta a fazer é sempre a prática do rancor.
Dostoievski estava certo, como de costume.
O escritor russo ofereceu ao público um aviso lúcido contra os erros cometidos em seguida por Leon Tolstoi e outros intelectuais ingênuos, para quem o populismo era suficiente e poderia levar todas as nações à felicidade eterna.
Por outro lado, ao denunciar o crescente niilismo e a atitude destrutiva diante das questões sociais, Dostoievski também acrescentou força magnética ao perigo que queria combater. Sua profecia era autorrealizável.
O pensador russo recusou a si mesmo a chance sagrada de assinalar principalmente o caminho correto, ao invés de prestar demasiada atenção ao perigo. Plantou imagens infelizes no subconsciente dos povos ocidentais.
Dostoievski não pensou com força suficiente em um futuro saudável. Mesmo assim, tentou ajudar e fez o melhor que pôde. O hipnotismo e a sugestão psíquica fazem parte da vida, mas são duas formas de influência cega e devem ser reduzidas tanto quanto possível.
O pensamento constrói o futuro. Se alguém deseja ter um futuro saudável, deve pensar inevitavelmente sobre ele, visualizá-lo como algo vitorioso, trabalhar por ele e sonhar com aquilo que pretende alcançar, e não com aquilo que teme.
Em questões sociais, a extrema esquerda e a extrema direita são irmãs gêmeas, ainda que pareçam atuar como inimigas. É fácil constatar que para cada forma de histeria de direita há uma forma de histeria de esquerda que lhe corresponde diretamente. O mesmo se aplica às visões esquizoides da vida e aos desejos psicóticos de eliminar fisicamente os adversários.
Tanto a Esquerda como a Direita, uma vez que abandonam o equilíbrio e o bom senso, podem iludir-se com a ideia de controlar mentalmente nações inteiras e a sociedade como um todo. Em consequência disso, buscam promover a lavagem cerebral e a obediência em grande escala. Os dois extremos mergulham no sentimento de ansiedade e tratam de usar o medo e a raiva como arma nos níveis consciente e subconsciente da guerra psicológica. Nenhum deles tem futuro. No prazo certo eles destroem a si mesmos, tal como fizeram o nazismo e o fascismo, e tal como aconteceu com todas as visões desequilibradas da vida.
Belas Utopias e Catástrofes Desagradáveis
A influência subconsciente da arte e da literatura em relação ao futuro é maior do que alguns imaginam. A literatura frequentemente inspira e antecipa eventos sociais. Desde o século 18, alguns dos melhores escritores e artistas têm alternado entre profecias de horror e sofrimento coletivos – como Dostoievski e Orwell – e profecias ingênuas, de um socialismo utópico, como no caso de Leon Tolstoi e Máximo Gorki. [1]
Como resultado disso, no século 21 é preciso enfrentar alguns problemas sérios, antes de fortalecer a nossa capacidade de pensar criativamente sobre nosso futuro comum e de construir com força suficiente um bom carma para os próximos séculos.
Com frequência é fácil destruir. Para as almas ingênuas, pensar negativamente permite a ilusão de parecer que sabem tudo.
Na falta de bom senso, a dor facilmente se transforma em frustração, e a frustração abre caminho para o ódio. Em seguida vem o desejo de violência, que se alimenta de si mesmo. Todo este processo é pouco inteligente e sem valor.
O ódio coletivo e a psicose em massa podem e devem ser evitados. A moderação política abre o caminho para a verdadeira liberdade de pensamento. Pensar com independência é o oposto de repetir cegamente palavras-de-ordem agressivas, sejam elas “de esquerda” ou “de direita”.
Examinando a Nossa Meta
Os objetivos adotados, tanto consciente quanto subconscientemente, definem o curso do Carma individual e coletivo. Uma vez que um propósito altruísta esteja firmemente estabelecido na alma, várias formas de ajuda podem chegar até nós sem que as tenhamos previsto.
Martin Luther King propôs um ponto de vista saudável, a partir do qual é possível olhar a sociedade de modo sereno. Seu sonho de unidade na diversidade é universal:
“… Quando permitirmos que vibre o som da liberdade”, disse ele, “quando deixarmos que ele ressoe em cada vila e aldeia, em cada estado e cada cidade, seremos capazes de acelerar aquele dia em que todos os filhos de Deus, homens negros e homens brancos, judeus e gentios, protestantes e católicos, poderão dar as mãos e entoar as palavras do velho cântico espiritual negro, ‘Finalmente Livres! Finalmente Livres! Graças a Deus todo-poderoso, estamos finalmente livres!’” [2]
King denunciou com ênfase o uso da “violência popular”, que só provoca mais destruição.
O caminho da sabedoria e da inofensividade pode não ser fácil, mas é o único rumo que leva à melhora durável. Martin Luther King disse na mesma ocasião:
“Não haverá descanso nem tranquilidade na América [do Norte] enquanto o negro não tiver todos os direitos de cidadão. Devemos conduzir nossa luta sempre no plano elevado da dignidade e da disciplina. Não devemos deixar que o nosso protesto criativo degenere em violência física. Uma e outra vez precisamos erguer-nos àquela altura majestosa que permite fazer frente à força física com a força da alma.”
No pensamento ocidental, a filosofia inglesa de Uma Só Nação, formulada pela primeira vez por Benjamin Disraeli [3], expressa o princípio prático da compaixão universal. Nas filosofias orientais, o ativismo construtivo de Vinoba Bhave [4], seguidor de Mahatma Gandhi, constitui outra chave.
Em relação aos importantes obstáculos que há ao longo do caminho para a fraternidade, Sigmund Freud pode ajudar os cidadãos a compreender os pesadelos recorrentes que se desdobram no subconsciente humano.
Assim que os cidadãos tomarem uma decisão estável no sentido de melhorar moralmente a si próprios e à sua civilização, centenas de fatores positivos e ajudas de todo tipo se tornarão visíveis, vindas de diferentes séculos e das mais diversas nações, e então a tarefa ficará mais fácil.
A vitória da justiça e da fraternidade pode ocorrer tão logo haja o número necessário de cidadãos honestos. Até lá, deve-se aceitar o fato de que a natureza humana é imperfeita e precisa ser aprimorada de dentro para fora. É sábio implementar a estratégia da alma imortal, e desenvolver a política do coração. Moshe Cordovero, um rabino que viveu no século 16, pode ensinar lições sociológicas de grande importância.
A Política de Moshe Cordovero
Séculos atrás, membros da comunidade judaica de Safed estudaram a tradição da Cabala seguindo um curso apresentado por Moisés, ou Moshe, Cordovero (1522-1570).
O ensinamento transmite a mesma ética e sabedoria presentes no que há de melhor em outras religiões e filosofias, e nas comunidades saudáveis ao redor do mundo. [5]
As lições consistiram em pontos práticos e mostraram treze níveis de misericórdia do indivíduo equilibrado em relação aos seus semelhantes, incluindo os adversários:
1. Calmo autocontrole em face do insulto.
2. Paciência ao suportar a maldade.
3. Perdão, a ponto de esquecer a maldade sofrida.
4. Identificação total com o seu próximo.
5. Uma completa ausência de raiva, combinada com a prática da ação correta.
6. Compaixão, a ponto de relembrar apenas as boas qualidades daquele que nos atormenta.
7. Eliminar todo desejo de vingança.
8. Esquecer o sofrimento causado a si pelos outros e lembrar o bem.
9. Compaixão pelos que sofrem, sem condená-los.
10. Sinceridade.
11. Compaixão além da letra da Lei com os bons.
12. Ajudar os injustos a melhorar, sem condená-los.
13. Ver todos os seres humanos sempre na inocência de sua infância.
Esses princípios básicos podem inspirar uma atitude equilibrada em relação aos problemas sociais. As tentativas de aplicá-los mecanicamente a cada nação e a todos os aspectos da sociedade seriam inúteis, mas avançar passo a passo em direção a eles é sábio.
Como comentário ao item 10, “Sinceridade”, cabe lembrar algumas frases de Helena P. Blavatsky.
A teosofista russa escreveu:
“O nosso lema é e será sempre ‘não há religião superior à verdade’. O que procuramos é a verdade, e, uma vez encontrada, nós a colocamos diante do mundo, aconteça o que acontecer”. [6]
A verdade, naturalmente, é imparcial e não deseja derrotar ninguém. O ódio é uma ilusão passageira. Por outro lado, o respeito incondicional e a cooperação realista são partes duradouras da realidade.
NOTAS:
[1] Veja o artigo “O Carma da Mídia, da Arte e da Literatura”.
[2] Dr. Martin Luther King, em seu famoso discurso de 1963 “I Have a Dream” (“Eu Tenho um Sonho”), que é fácil de obter na Internet e de outras maneiras.
[3] Veja o artigo “The Roots of Lucidity and Pain”.
[4] Examine o texto “Vinoba e a Vontade de Construir”.
[5] “Teachings of the Jewish Mystics”, Compiled and Edited by Perle Besserman, Shambhala Inc., Boston & London, 1998, 150 pp., ver p. 46.
[6] “Collected Writings”, H. P. Blavatsky, TPH, Adyar/Wheaton, Volume IX, p. 7.
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O artigo “Moshe Cordovero e a Mudança Social” foi publicado nos websites associados dia 6 de outubro de 2021. Trata-se de uma tradução do texto “Moshe Cordovero and Social Activism”. O artigo original também está disponível no blogue teosófico de “The Times of Israel”.
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Leia mais:
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Helena Blavatsky (foto) escreveu estas palavras: “Antes de desejar, faça por merecer”.
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