Todos os Seres Erram, e Todos Eles Aprendem
 
 
Carlos Cardoso Aveline
 
 
 
O olhar frontal de Helena Blavatsky, e o Jesus do Novo Testamento
 
 
 
A teosofia – isto é, a sabedoria divina – está sobretudo nos níveis universais da percepção da alma, e não na mera doutrina externa desta ou daquela religião.
 
Percebendo com calma este fato básico, podemos enxergar a existência de uma linhagem teosófica dentro da tradição cristã, e perceber que ela é silenciosamente imensa.
 
Vem desde o próprio Jesus do Novo Testamento, em cuja doutrina há elementos budistas, confucianistas, pitagóricos e teosóficos em grande quantidade, e de enorme qualidade.
 
Vejamos um exemplo prático disso. Jesus ensinava não só sobre Carma – a lei do plantio e da colheita – mas também a respeito da reencarnação:
 
 
 
O pitagorismo e o platonismo, praticamente sinônimos de teosofia antiga, estão presentes tanto no judaísmo como no cristianismo dos primeiros séculos. A presença da teosofia teve também grande força no Cristianismo da Idade Média.
 
Debaixo da superfície – em que atuam o dogma oficial e as lutas pelo poder político eclesiástico ou por posições de influência na sociedade – existe uma “linhagem” teosófica, uma linha de ação filosófica e mística, bem informada, lúcida, universal. E ela esteve sempre presente na religião cristã, embora sua luz fosse com frequência pálida e trêmula, devido à constante perseguição que sofria.
 
Esta luz renasce a todo momento.
 
Nos séculos finais do mundo medieval, temos Pierre Valdo, Francisco de Assis, e Antônio de Lisboa e Pádua, entre outros reformadores e místicos. O pensamento de todos eles está essencialmente próximo da teosofia moderna.
 
Talvez não seja por mero acaso que o franciscanismo surgiu quando os Templários estavam no auge da sua trajetória. Embora diferentes, os dois projetos têm elementos essenciais em comum com a sabedoria esotérica do Oriente. Os franciscanos existem até hoje. E os Templários nunca foram completamente extintos, apesar da violenta perseguição contra eles, conforme Helena Blavatsky esclarece em O Mistério dos Templários. [1]
 
A teosofia de Francisco, o santo panteísta,  é analisada nos websites da Loja Independente. Outro objeto da nossa calma atenção é o grande franciscano português que foi Santo Antônio, contemporâneo de Francisco e seu fiel seguidor. [2] O ideal franciscano, assim como a proposta original do movimento teosófico, deixa claro que o conhecimento meramente teórico pertence ao reino dos papagaios e não tem interesse real, porque está ligado à epistemologia do faz-de-conta.
 
Vejamos um exemplo da teosofia do santo radical nascido em Lisboa, mas que é conhecido como se fosse de Pádua.
 
Árvore e Reencarnação
Na Visão de Santo Antônio
 
 
Em determinado trecho dos seus escritos, Antônio sugere a ideia da reencarnação humana. Diz ele:
 
“A árvore é o corpo do homem. Embora tenha sido cortado com o machado da morte, tenha envelhecido na terra e apodrecido reduzido a pó, deve todavia ter esperanças de reverdecer, isto é, de ressurgir, pois os seus membros hão de brotar e ao cheiro da água, isto é, por benignidade da divina Sabedoria [3], germinará, relativamente à claridade, e fará copa, relativamente à imortalidade, quase como no princípio quando foi plantado no Paraíso.” [4]
 
O trecho descreve o renascimento humano (e vegetal) no plano físico, de acordo com as leis práticas da natureza. Ele não adota a ideia pouco natural de uma “ressurreição súbita” tal como é apresentada hoje.
 
Inicialmente, ressurreição era um sinônimo de reencarnação. Depois a igreja aparente “perdeu a memória” dos ensinamentos originais. O conceito antigo de ressurreição foi distorcido devido aos complicados processos políticos pelos quais a cúpula sacerdotal precisava definir o que era verdade, e o que não era verdade.  
 
Por outro lado, além de “reencarnação”, o termo ressurreição  também pode significar o renascimento subjetivo da alma espiritual no Devachan, inaugurando o longo descanso celestial a que a alma tem direito entre uma encarnação e outra, e que corresponde, em termos gerais, ao Paraíso ou Céu dos cristãos.
 
As palavras de Santo Antônio acima não deixam muita dúvida: trata-se de uma reencarnação concreta, e não de um renascimento no Devachan. O homem nasce outra vez num corpo feito de carne.
 
O cardeal Nicolau de Cusa (1401-1463) é um dos grandes sábios teosofistas que iluminaram a mística cristã nestes cerca de vinte séculos. Segundo Helena Blavatsky, ele talvez tenha sido a encarnação anterior de outro sábio nascido com o mesmo nome de batismo, Nicolau Copérnico (1473-1543). Veja por exemplo o artigo Reencarnação Consciente e Imediata. Os portugueses Manuel Bernardes (1644-1710) e Theodoro D’Almeida (1722-1804) são importantes luzes da mística cristã,  entre muitos outros nomes das diferentes épocas e nações.
 
Virando a Página da Infância
 
Para concluir, devemos reconhecer que embora a luz da sabedoria teosófica seja eterna, o movimento teosófico moderno é jovem. Foi fundado recentemente, em 1875, e podemos  todos ajudar para que ele amadureça, já que está começando ainda.
 
Cabe, por exemplo,  fazer um levantamento de dados e um estudo sereno sobre a linhagem teosófica e místico-esotérica autêntica dentro do Cristianismo, ao longo dos seus dois milênios iniciais.[5]
 
Helena Blavatsky deixou-nos elementos decisivos e numerosos para que um tal mapeamento, não teórico, mas vivencial e vivenciado, aconteça gradualmente, no ritmo adequado – e com um sabor de vitória a cada dia que passa.
 
Enquanto confessa e corrige severamente os seus próprios erros, o movimento teosófico deve ajudar o movimento cristão – e outras áreas da sociedade – a crescer espiritualmente.
 
A ajuda é recíproca, assim como a crítica e o diálogo franco sobre vitórias e fracassos de um e de outro setor, na busca da sabedoria. Todos os seres erram, e todos eles aprendem. Os tropeços são passos à frente. As quedas constituem um encontro indesejado com a dura realidade. Em quaisquer circunstâncias, a ajuda mútua é a Lei.
 
NOTAS:
 
 
[2] Veja, entre outros artigos publicados pela Loja Independente: 1) Santo Antônio, a Verdade e o Mito. 2) Santo Antônio e a Teosofia do Sol.
 
[3] “Divina Sabedoria” é “Sabedoria Divina”, ou seja, “Theos-Sophia”, Teosofia.
 
[4] Do livro “Santo António de Lisboa – A Águia e a Treva”, de Maria Cândida da Costa Reis Monteiro Pacheco, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, Portugal, 1986, 229 páginas, ver página 56.
 
[5] A atitude dos teosofistas diante do cristianismo deve ser fundamentalmente positiva, conforme pode-se ver em  Os Mahatmas e a Cristandade.
 
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O texto acima foi publicado dia 07 de abril de 2025 nos websites da Loja Independente de Teosofistas. Ele reúne e expande o material de dois artigos breves publicados nas páginas 01 a 04 da edição de julho de 2023 de O Teosofista.
 
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Outros textos sobre Teosofia e Cristianismo:
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
* Examine nos websites da LIT a seção temática sobre Cristianismo e Teosofia.
 
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Helena Blavatsky (foto) escreveu estas palavras: “Antes de desejar, faça por merecer”. 
 
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