Inspirador da Antiga Idade de Ouro, o
Planeta dos Anéis é Corregente da Era de Aquário
Carlos Cardoso Aveline
Duas imagens de Saturno, o “Senhor dos Anéis”, Mestre do Tempo e da Lei do Carma
No último parágrafo de um dos seus livros, Helena P. Blavatsky previu que, caso o movimento teosófico permanecesse fiel à sua missão e projeto originais, a Terra seria “um paraíso” em algum momento do século 21, se comparada com a situação do século 19. [1]
Esta visão do futuro pode surpreender ou até soar como inaceitável para quem está acostumado ao conteúdo dominante na mídia, na primeira parte do século 21. No entanto, os fatos mostram que a vida é mais estranha que a ficção, e mais surpreendente que o jornalismo convencional.
Escrevendo em 1887, Blavatsky deu as datas e a duração das eras astrológicas recentes, segundo a sabedoria esotérica oriental. Ela indicou que o ano de 1900 marcaria o final da era de Peixes e o início da era de Aquário. [2]
Blavatsky viu que o alvorecer da era aquariana produziria uma expansão da mente superior e abstrata em nossa humanidade, e que o processo seria inicialmente desastroso. Estruturas viriam abaixo. No mesmo parágrafo em que indicava a data da nova era, Blavatsky acrescentou, referindo-se ao equinócio:
“Quando ele ingressar dentro de alguns anos no signo de Aquário, os psicólogos terão mais trabalho e as características psíquicas da humanidade iniciarão uma grande mudança”.
O Mestre Mais Severo Anuncia a Vitória
A transição de eras astrológicas é um processo complexo e multidimensional. Os seus efeitos se desdobram durante centenas de anos. O século 21 é forte do ponto de vista oculto e numerológico, porque equivale a três vezes sete, e tudo na natureza é tríplice e setenário. H. P. Blavatsky fez uma segunda afirmação profética em relação ao conteúdo cármico do século 21. Antes de reproduzir suas palavras, porém, cabe esclarecer algo em relação ao vocabulário clássico usado por ela: “natureza oculta” significa a “natureza essencial”, que é invisível aos olhos; e “ocultismo” é a filosofia que permite perceber esta essência existente e ativa sob as aparências externas do mundo.
Levando em conta o significado destas expressões, vejamos o que H. P. B. escreveu:
“(…) O erro é poderoso apenas na superfície, porque a Natureza Oculta o impede de tornar-se profundo. A Natureza Oculta rodeia o globo inteiro em todas as direções, e não deixa sem vigilância nem sequer o canto mais escuro. Seja por fenômeno ou por milagre, seja desta ou daquela maneira, de um jeito ou de outro o Ocultismo irá vencer a batalha antes que a era atual complete o tríplice setenário de Sani (Saturno) no ciclo ocidental europeu; em outras palavras – antes do final do século 21, da ‘era cristã’.”[3]
Estas são palavras fortes, e o fato de que nelas H. P. B. menciona Saturno está longe de ser casual.
Desde um ponto de vista astrológico, Saturno é o severo mestre do quaternário inferior ou eu básico dos seres humanos. O fato de que a ação deste planeta parece dirigir-se aos aspectos concretos da vida não é um problema. A tríade superior ou alma imortal não é prejudicada, mas sim beneficiada, pela influência lenta e decisiva do espírito planetário cujo globo físico foi qualificado por Camille Flammarion como “a maravilha do sistema solar”. [4]
Quando pensamos neste planeta – que possui um complexo sistema de anéis e dezenas de luas – devemos lembrar que há uma diferença entre o seu aspecto material e o seu espírito. H. P. B. escreveu:
“Saturno, o ‘pai dos Deuses’, não deve ser confundido com o seu homônimo – o planeta que tem o mesmo nome (….). Os dois – embora em certo sentido sejam idênticos, como são idênticos, por exemplo, o homem físico e a sua alma – devem ser separados quando se trata de questões devocionais.”[5]
Para a teosofia, portanto, o planeta físico Saturno é o veículo ou instrumento do Saturno mitológico. Embora haja uma diferença entre o plano material e o plano espiritual deste corpo celeste, a interação entre eles é bastante semelhante à relação entre o ser humano físico e a sua alma.
Saturno é o Mestre do Carma, do Tempo, e das Estruturas (físicas e sutis). Ele preside a colheita cármica dos seres humanos, e ajuda a orientar o modo como eles agem diante do carma maduro. Mas também é regente do Carma Kriyamana, o novo carma que nós decidimos plantar a cada momento da vida. Saturno orienta o foco central dos nossos esforços. Ele ensina os seres humanos a aproveitar as oportunidades positivas de que estão rodeados o tempo todo, de modo a construir uma felicidade duradoura.
Um Degrau na Escada para o Céu
Mestre da disciplina e da concentração, rigoroso em relação a distrações ou desperdício de energia, Saturno desempenha um papel fundamental no simbolismo da escada para o céu que faz parte dos Mistérios Mitráicos, da antiga Roma. Dos sete degraus daquela escada, o primeiro corresponde ao “céu de Saturno”, e está a cargo da influência exercida pelo espírito deste planeta. [6]
Em qualquer escada sagrada, o primeiro passo para cima preside a transição entre o plano inferior e o caminho para o céu. De certo modo, o degrau inaugural contém a chave do esforço inteiro. É ele que nos faz confrontar e ultrapassar o limite entre a dimensão material e a caminhada na direção do mundo divino.
Astronomicamente, os anéis de Saturno marcam a linha média ou limite entre o seu próprio hemisfério superior e seu hemisfério inferior. Saturno é também o planeta que estabelece o limite ou fronteira entre a região “doméstica” e a região “galáctica” do nosso sistema solar.
Mitologicamente, o espírito do planeta dos anéis corresponde ao deus judaico-cristão Jeová. E vice-versa.
Cronos-Saturno, o rigoroso Deus do Paraíso e que preside a Idade de Ouro, tenta preservar a vida espiritual evitando que o eu inferior humano ou personalidade se separe prematuramente da alma imortal. Quando chega o momento da separação e da diferenciação, no final das primeiras raças da atual humanidade, o Senhor Saturniano manda Adão (a humanidade da terceira raça-raiz) para fora do Jardim. Ele ordena que os seres humanos caiam, como requer a evolução, no duro mundo da vida dual e cheia de contrastes (Gênesis, 3). Não há castigo, exceto como um símbolo. No momento certo, o reerguimento humano virá como uma necessidade natural da evolução.
Saturno mitológico é o Tempo e o Carma. Ele “devora” os seus filhos (os eus pessoais ou almas mortais). Ao devorá-los, ele os absorve de volta para o descanso na unidade indiferenciada, até que chegue o momento certo para o renascimento. O tempo e o universo são cíclicos. Tudo o que o tempo oferece, ele retira, apenas para oferecer novamente no momento adequado, com melhoras.
O planeta dos anéis tem muitos nomes, e em “Ísis Sem Véu” podemos ler:
“Ilda-Baoth, o ‘Filho da Escuridão’ e criador do mundo material, foi apresentado como morando no planeta Saturno, o que o identifica ainda mais com o Jeová judeu, e era o próprio Saturno, segundo os ofitas, que não lhe atribuíam o nome sinaítico. De Ilda-Baoth emanam seis espíritos, que vivem respectivamente com seu pai nos sete planetas.” [7]
No mesmo parágrafo, Blavatsky explica que estes sete planetas e luminares sagrados são Saturno, Marte, o Sol, a Lua, Júpiter, Mercúrio e Vênus. Eles são exatamente os mesmos corpos celestes que formam a escada mitráica para o céu.
H.P. Blavatsky reconheceu o fato de que Saturno é o rei da idade de ouro. [8] Em várias e diferentes tradições, existe uma relação direta entre o despertar da mente mais elevada e o surgimento de eras douradas. No budismo, no Taoismo e em outras religiões, o ouro (assim como o Sol e a cor amarela) simboliza a consciência divina da alma espiritual. A era de ouro é marcada pela atividade de buddhi-manas, ou inteligência universal, e há uma ligação direta entre Saturno e esta mente mais elevada.
A Lenda da Idade de Ouro
O mito de Saturno conta que em determinado momento ele foi expulso do trono celeste e perseguido por Júpiter até encontrar exílio na região em que mais tarde surgiria Roma. A palavra Lácio deriva do verbo esconder, ocultar, e a terra de Roma é o Lácio (Latium, Latim), porque ali um dia se escondeu Saturno.
Exilado, o deus dos anéis instalou-se no monte Capitólio e fundou uma cidade. Ele foi bem recebido nesta região pelo deus Jano, que também havia vindo do mundo grego. Jano – cujo mês é Janeiro – preside o portal do ano novo. As duas divindades dividiram pacificamente o poder, e a vinda de Saturno provocou o surgimento da idade de ouro.
A enciclopédia de mitos e lendas publicada por Arthur Cotterell informa que durante Idade do Ouro a vida era fácil e pacífica. Nela Saturno ensinou aos povos como arar os campos e tirar proveito de um modo civilizado de vida. O estudioso Junito Brandão cita alguns versos da obra Metamorfoses, do poeta Ovídio:
“A primavera era eterna.
Os ventos brandos acariciavam,
com seu hálito suave,
as flores nascidas sem semente”.
Além disso, Brandão cita Vergílio em “Geórgicas”:
“Corriam rios de leite e rios de néctar, a bebida dos deuses. A terra produzia tudo sem suor dos camponeses. Tudo pertencia a todos, e reinava uma paz profunda.”
E ainda:
“Assim era a vida na terra,
quando reinava o dourado
Saturno. Não se tinha ouvido ainda
o som da trombeta de guerra,
nem o retinir das espadas nas duras bigornas.” [9]
Longo tempo depois da Idade de Ouro, o povo romano ainda celebrava anualmente a memória daquele antigo paraíso no qual todos os homens eram justos, pacíficos e livres, e onde não havia cárcere, nem guerra, nem morte.
No século quinto antes da era cristã, o templo de Saturno ficava em frente ao Forum de Roma e funcionava como Tesouro.
O festival de Saturno, ou Saturnália, ocorria em Dezembro, no momento do ingresso do Sol em Capricórnio, e durava sete dias. Durante as festas, as pessoas comiam juntas e celebravam a fraternidade universal. Eram abolidas as rígidas distinções entre as classes sociais do mundo romano, e todos trocavam presentes em um banquete público no Forum. [10]
Nesta tradição se inspiram em grande parte o Natal cristão e a celebração de primeiro de janeiro como dia da fraternidade universal.
O nascimento de Jesus é festejado em Dezembro e sob o signo de Capricórnio, cujo regente é Saturno. É um tempo de celebração da fraternidade universal, e de troca de presentes. As festas duram pouco mais de sete dias, entre 25 de dezembro e primeiro de janeiro. Na semana da civilização cristã, o dia de Saturno é sábado – “Saturday” em inglês. É o sétimo dia da semana, o dia do Senhor, tradicionalmente dedicado ao descanso, à oração e à harmonização interior.
No século 21, a influência misteriosa e as lições práticas de Saturno ajudam os humanos a recuperar pelo menos em parte a consciência iluminada, a consciência solar, que leva a uma sociedade de ouro.
Dentro do quinto princípio da consciência humana, a mente, está ocorrendo o despertar do sexto subprincípio, o centro da intuição espiritual.
A intuição da mente espiritual é filosófica. Ela raciocina e usa palavras. Seu surgimento constitui o redespertar da inteligência da alma. É deste nível mais alto de visão e consciência que está emanando – desde o final do século 18 – a próxima civilização da fraternidade e do respeito à vida.
Durante a nova era, será inevitável redescobrir o lado luminoso de Saturno, o regente da idade de ouro, o mestre que ensina o cumprimento do dever e a visão de longo prazo, através das lições do planejamento, do realismo e da persistência.
Segundo a teosofia e a astrologia, nosso sistema solar é uma escola de almas. A Terra funciona como uma sala de aulas. Neste contexto quase eterno de ensino e aprendizagem de todos os seres, o planeta dos anéis foi visto como o único regente astrológico de Aquário, até a descoberta de Urano em 1781.[11]
Hoje, Saturno é o corregente mais tradicional da era de Aquário e o que está situado mais próximo à Terra. Ele exercerá um papel inspirador nos próximos séculos. O seu rigor, considerado desagradável por alguns, ensina a merecer e obter vitórias duráveis. Ao lado de outros centros de inteligência cósmica que influenciam a Terra, a ação silenciosa de Saturno no céu terrestre e na mente humana já faz com que a lei da fraternidade responsável seja compreendida em escala cada vez maior. Os seres de boa vontade são os cidadãos do futuro. A marca da vitória da consciência universal já pode ser vista em pequena escala, e consiste na predominância da ética e da solidariedade.
NOTAS:
[1] Veja as linhas finais de “A Chave Para a Teosofia”. A obra tem várias edições em português.
[2] H. P. Blavatsky escreveu: “É um ciclo histórico e não muito longo, mas muito oculto, que dura cerca de 2.155 anos solares (…..). Ele começou anteriormente em 2.410 antes da era cristã e em 255 A. E. C., ou quando o equinócio entrou no signo de Áries, e também no signo de Peixes.” (“Collected Writings”, H. P. Blavatsky, TPH, Índia, volume VIII, p. 174, nota de rodapé.) Décadas mais tarde, Geoffrey Barborka comentou esta afirmativa: “Já que 2.155 anos é a duração de cada um dos ciclos das eras de Áries e Peixes, e como a era de Peixes começou em 255 A. E. C., a data da era de Aquário é o ano de 1900 da era cristã.” (“Secret Doctrine Questions & Answers”, Geoffrey Barborka, Wizards Bookshelf, San Diego, Califórnia, EUA, 2003, 197 pp., ver p. 100.)
[3] “Collected Writings”, HPB, TPH, Índia, volume XIV, p. 27.
[4] “Les Étoiles et les Curiosités du Ciel”, Camille Flammarion, C. Marpon et E. Flammarion, Éditeurs, Paris, 1882, 792 pp., ver p. 641.
[5] “Collected Writings”, HPB, TPH, Índia, volume XIV, p. 334.
[6] “Mitologia Grega”, Junito de Souza Mourão, Editora Vozes, Rio de Janeiro, três volumes, ver volume II, pp. 60-61. Veja também “Mithras, Mysteries and Initiation Rediscovered”, de D. Jason Cooper, Samuel Weizer, Inc., EUA, pp. 113-140.
[7] “Isis Unveiled”, H.P.B., Theosophy Company, Los Angeles, Volume II, p. 294. Veja outra tradução do mesmo trecho em “Ísis Sem Véu”, H. P. B., Ed. Pensamento, volume III, p. 260.
[8] “Isis Unveiled”, obra citada, volume II, pp. 216. Na edição brasileira de “Ísis Sem Véu”, ver volume III, p. 194.
[9] “Dicionário Mítico-Etimológico da Mitologia e Religião Romana”, Junito Brandão, Ed. Vozes, Rio de Janeiro, 1993, ver pp. 268-271.
[10] “The Illustrated Encyclopedia of Myths & Legends”, Arthur Cotterell, Cassell-Marshall Editions, London, 1989. O volume tem 259 páginas de 23 cm x 30 cm. Ver página 157, item “Saturn”. Veja também as páginas 118 e 117.
[11] “Enciclopédia de Astrologia”, de James R. Lewis, Editora Makron Gold, São Paulo, 1998, 622 pp., ver p. 477.
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A primeira versão do artigo acima foi publicada sob o título “The Bright Side of Saturn” na revista “Insight”, da Sociedade Teosófica de Adyar na Inglaterra, na sua edição de verão de 2004 (o verão do hemisfério norte corresponde ao inverno do hemisfério sul). O texto também apareceu na publicação “The Aquarian Theosophist”, em abril de 2005.
Revisado e ampliado pelo autor, o texto faz parte do livro “The Fire and Light of Theosophical Literature”.
Uma primeira tradução ao português foi publicada em outubro de 2004 pela revista “Planeta”, de São Paulo. A presente versão em português, feita pelo autor em outubro de 2012, não é uma transcrição ou tradução literal de nenhuma das versões anteriores, mas o conteúdo filosófico do texto permanece igual desde 2004.
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Sobre a missão do movimento teosófico, que envolve o despertar da humanidade para a vivência da fraternidade universal, veja o livro “The Fire and Light of Theosophical Literature”, de Carlos Cardoso Aveline.
A obra tem 255 páginas e foi publicada em outubro de 2013 por “The Aquarian Theosophist”.
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