Por uma Fatalidade do Além, o Século
Que Viu Colombo Viu Gutenberg, Também
 
 
Castro Alves
 
 
 
Estátua de Cristóvão Colombo na ilha da Madeira, em Portugal
 
 
 
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Nota Editorial de 2017:
 
“…. Bendito o que semeia
Livros… livros à mão cheia…
E manda o povo pensar!
O livro caindo na alma
É germe – que faz a palma,
É chuva – que faz o mar.”
 
Castro Alves não chegou a completar 25
anos de idade: nasceu em 14 de  março de
1847, na Bahia,  e morreu em julho de 1871.
Mesmo assim, é amplamente considerado um
 dos maiores poetas brasileiros de todos os tempos.  
 
Devido ao vocabulário clássico desses
versos, acrescentamos algumas notas
explicativas. A ortografia foi atualizada.
 
(Carlos Cardoso Aveline)
 
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(Ao Grêmio Literário)
 
 
Talhado para as grandezas,
Para crescer, criar, subir,
O Novo Mundo nos músculos
Sente a seiva do porvir.
– Estatuário de colossos –
Cansado de outros esboços,
Disse um dia Jeová:
Vai, Colombo, abre a cortina
Da minha eterna oficina…
Tira a América de lá”.
 
Molhado ainda do dilúvio,
Qual Tritão [1] descomunal,
O continente desperta
No concerto universal.
Dos oceanos em tropa,
Um – traz-lhe as artes da Europa.
Outro – as bagas [2] do Ceilão…
E os Andes petrificados,
Como braços levantados,
Lhe apontam para a amplidão.
 
Olhando em torno, então brada:
Tudo marcha!… Ó grande Deus!
As cataratas – para a terra.
As estrelas – para os céus;
Lá, do polo sobre as plagas,
O seu rebanho de vagas
Vai o mar apascentar…
Eu quero marchar com os ventos,
Com os mundos… com os firmamentos!!!
E Deus respondeMarchar!
 
“Marchar!”… Mas como?…  Da Grécia
Nos dóricos Partenons. [3]
A mil deuses levantando
Mil marmóreos Panteões?…
Marchar com a espada de Roma
– Leoa de ruiva coma
De presa enorme no chão,
Saciando o ódio profundo….
– Com as garras nas mãos do mundo,
– Com os dentes no coração?…
 
Marchar!… Mas como a Alemanha
Na tirania feudal,
Levantando uma montanha
Em cada uma catedral?…
Não!… Nem templos feitos de ossos,
Nem gládios a cavar fossos
São degraus do progredir…
Lá brada César morrendo:
No pugilato tremendo,
Quem sempre vence é o porvir!
 
Filho do século das luzes!
Filhos da Grande nação!
Quando ante Deus vos mostrardes,
Tereis um livro na mão:
O livro – esse audaz guerreiro,
Que conquista o mundo inteiro
Sem nunca ter Waterloo…
Éolo [4] de pensamentos,
Que abrira a gruta dos ventos
De onde a Igualdade voou…
 
Por uma fatalidade
Dessas que descem do além,
O século que viu Colombo
Viu Gutenberg também.
Quando no tosco estaleiro
Da Alemanha o velho obreiro
A Ave da imprensa gerou…
O Genovês salta os mares…
Busca um ninho entre os palmares
E a pátria da imprensa achou…
 
Por isso na impaciência
Desta sede de saber,
Como as aves do deserto –  
As almas buscam beber…
Oh! Bendito o que semeia
Livros… livros à mão cheia…
E manda o povo pensar!
O livro caindo na alma
É germe – que faz a palma,
É chuva – que faz o mar.
 
Vós, que o templo das ideias
Largo – abris às multidões,
Para o batismo luminoso
Das grandes revoluções,
Agora que o trem de ferro
Acorda o tigre no cerro
E espanta os caboclos nus,
Fazei desse “rei dos ventos”
– Ginete dos pensamentos,
– Arauto da grande luz!…
 
Bravo! a quem salva o futuro,
Fecundando a multidão!…
Num poema amortalhada
Nunca morre uma nação.
Como Goethe moribundo,
Brada “Luz!” o Novo Mundo,
Num brado de Briareu… [5]
Luz, pois, no vale e na serra…
Que, se a luz rola na terra,
Deus colhe gênios no céu!…
 
(Bahia.)
 
 
NOTAS:
 
[1] Tritão – deus marítimo, filho de Netuno e sua esposa Anfitrite.
 
[2] Bagas – frutas.
 
[3] Partenon – um templo dedicado à deusa Atena, construído no século cinco antes da era cristã, em Atenas, na Grécia antiga.
 
[4] Éolo, na mitologia grega, é o espírito ou guardião dos ventos.
 
[5] Briareu – na mitologia da Grécia antiga, Briareu era um dos gigantes “centímanos”, que possuíam cem braços e cinquenta cabeças. Era filho de Gaia e Urano.
 
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O poema acima é reproduzido de “Poesias Completas”, de Castro Alves, texto organizado por Jamil Almansur Haddad, quarta edição, Companhia Editora Nacional, São Paulo, 1966, ver pp. 6 a 9.
 
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