Interesses Corporativos Não
Controlam a Sabedoria Universal
William Q. Judge
O movimento teosófico é criativo e se renova constantemente, mantendo, porém, o projeto original
Nota Editorial: A Ideia de
“Lealdade a Adyar” Não Faz Sentido
A visão não-burocrática do movimento teosófico colocada aqui por W. Q. Judge compartilha do ponto de vista defendido por H. P. Blavatsky, Robert Crosbie e John Garrigues, entre outros.
Em seu texto intitulado “A Puzzle From Adyar” (“Um Enigma Vindo de Adyar”), H.P.B. desmascarou a ideia de que ela ou qualquer teosofista deveria ser “leal à Sociedade Teosófica e a Adyar”.
Mencionando a si mesma na terceira pessoa, ela escreveu:
“É puro absurdo dizer que ‘H.P.B. ….. é leal à Sociedade Teosófica e a Adyar’ (!?). H.P.B. é leal até a morte à CAUSA teosófica, e a aqueles grandes Professores cuja filosofia, e só ela, pode unir a Humanidade toda em uma Fraternidade. (…..) Portanto o grau da simpatia dela em relação à ‘Sociedade Teosófica e Adyar’ depende do grau de lealdade daquela Sociedade à CAUSA. Se ela afastar-se das linhas originais e mostrar deslealdade em suas ações à CAUSA e ao programa original da Sociedade, H.P.B. chamará a S.T. de desleal e a afastará de si como pó dos seus pés. E o que significa ‘lealdade a Adyar’, em nome de todos os prodígios? O que é Adyar, exceto a CAUSA e os dois (não um, por favor) fundadores que a representam? Por que não ser leal aos prédios e banheiros de Adyar? Adyar é a atual Sede da Sociedade …… Não há mais uma ‘Sociedade Matriz’; ela foi abolida e substituída por um corpo agregado de Sociedades Teosóficas, todas autônomas, como são os Estados Unidos da América, e todas sob um presidente, que, junto com H. P. Blavatsky, irá defender a CAUSA contra o mundo todo. Esta é a real situação das coisas.” [1]
Nem mesmo estas palavras claras e enfáticas foram suficientes.
Quando H.P.B. morreu, William Q. Judge – que havia surgido a partir de 1886 como aliado dela – teve de afastar-se da “ST de Adyar” para permanecer seguindo e ensinando a filosofia e a proposta originais. Nisso, Judge foi acompanhado pela seção norte-americana do movimento. O texto a seguir explica e contextualiza as palavras de H.P.B. citadas acima.
(Carlos Cardoso Aveline)
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O Movimento Teosófico
William Q. Judge
Há uma diferença muito grande entre o Movimento Teosófico e qualquer Sociedade Teosófica. O Movimento é moral, ético, espiritual, universal, invisível exceto nos seus efeitos, e contínuo. Uma Sociedade formada para o trabalho teosófico é uma organização visível, um efeito, uma máquina para conservar energia e para colocá-la em ação; ela não é nem pode ser universal, nem é contínua. As corporações teosóficas organizadas são feitas pelos homens para uma melhor cooperação, mas, como são meras cascas externas, elas devem mudar de tempos em tempos à medida que as falhas humanas aparecem, à medida que os tempos mudam, e à medida que o grande movimento espiritual subjacente provoca tais alterações.
Como o Movimento Teosófico é contínuo, ele pode ser encontrado em todos os tempos e todas as nações. Onde quer que o pensamento venha lutando para ser livre, onde quer que as ideias espirituais tenham sido promulgadas em oposição às formas e ao dogmatismo, lá o grande movimento pode ser percebido. A obra de Jacob Boehme era parte dele, e assim também a Sociedade Teosófica de mais de cem anos atrás; a reforma de Lutero pode ser reconhecida como uma parte dele; e a grande luta entre a ciência e a religião, claramente descrita por Draper, era tão parte do Movimento Teosófico como a atual Sociedade sob este nome – na verdade aquela luta, e a liberdade então obtida para a Ciência, foram tão importantes no avanço do mundo como são as nossas diferentes organizações. E entre os exemplos políticos do movimento deve ser apontada a Independência das colônias norte-americanas, que concluiu com a formação de uma grande nação, baseada teoricamente na Fraternidade. Podemos ver então que adorar uma organização, ainda que seja a querida organização teosófica, é cair até o nível da Forma, e tornar-se escravo mais uma vez daquele dogmatismo que a nossa porção do Movimento Teosófico, a S.T., visava destruir.
Alguns membros passaram a adorar a chamada “Sociedade Teosófica”, pensando que ela é tudo o que se necessita, deixando de perceber claramente o seu caráter organizativo informal, como uma colcha de retalhos, e tampouco percebendo que esta devoção à mera forma iria provavelmente levar à anulação da Fraternidade durante a primeira tensão que surgisse. E a tensão realmente ocorreu com vários membros. Eles até esqueceram, e ainda esquecem, que a própria H.P.Blavatsky declarou que seria melhor deixar de lado a Sociedade do que destruir a Fraternidade, e que H.P.B. proclamou a liberdade e a independência da parte europeia da Sociedade. Estes adoradores pensam que deve haver uma continuação da velha forma, para que a Sociedade possa ter um caráter internacional.
Mas a verdadeira unidade e predominância, e o verdadeiro internacionalismo, não consistem em ter uma só organização. Eles estão na similaridade da meta, da aspiração, do propósito, do ensinamento, da ética. A Maçonaria – uma parte grande e importante do verdadeiro Movimento Teosófico – é universalmente internacional; e no entanto as suas organizações são numerosas, autônomas, soberanas, independentes. A Grande Loja do Estado de Nova Iorque, que inclui as suas diferentes Lojas, é independente de todas as outras em qualquer Estado, e no entanto cada membro é um maçom e todos estão trabalhando por um mesmo plano. Os franco-maçons de todo o mundo pertencem ao grande Corpo Maçônico Internacional, mas têm suas direções livres e independentes por toda parte.
Quando a Sociedade Teosófica era jovem e pequena, era necessário que houvesse uma só direção para toda ela. Mas agora que ela se tornou grande e forte, tendo se espalhado para muitas nações bastante diferentes uma das outras, como a nação norte-americana, a inglesa, a espanhola, a sueca e outras na Europa, e a hindu, é essencial que seja feita uma mudança na forma externa. Ela deve tornar-se como os franco-maçons – com direções independentes onde quer que as condições geográficas ou nacionais indiquem esta necessidade. E não há a menor dúvida de que isso ocorrerá no seu devido tempo, não importando o que certas pessoas possam dizer em contrário.
O grupo norte-americano, estando separado por condições geográficas e outras, começou a mudança de modo a ter uma direção livre e independente, mas permanece unido a todos os verdadeiros teosofistas na base, na aspiração, no objetivo e no trabalho.
Nós não mudamos o trabalho de H.P.B.; nós o ampliamos. Afirmamos que qualquer pessoa que tenha sido admitida a qualquer Sociedade Teosófica deveria ser recebida em todas as partes entre os teosofistas, assim como os maçons são recebidos entre os maçons. Não é teosófico rejeitar a mudança feita pelo grupo norte-americano. Isto não é Teosofia; e tampouco ajuda na sua divulgação fazer exigências legais em relação aos nomes, símbolos e selos teosóficos, de modo a impedir que outros possam usá-los. Qualquer um deveria ser convidado a usar nossa propriedade teosófica tão livremente quanto quiser. Aqueles que desejam manter a guerra de H.P.B. contra o dogmatismo irão aplaudir e encorajar o movimento americano, porque suas mentes libertas o permitem; mas aqueles que não conhecem a verdadeira Teosofia, nem veem a diferença entre a forma e a alma das coisas, irão continuar a adorar a Forma, e a sacrificar a Fraternidade em função de uma casca externa.
NOTA:
[1] Veja “Theosophical Articles by H.P.B.”, Theosophy Co., Los Angeles, vol. I, pp. 219-220. Ou também “Collected Writings” de Helena Blavatsky, TPH, Adyar, Índia, vol. XI, pp. 380-381.
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O título original do texto acima é “The Theosophical Movement”, e foi publicado pela primeira vez na revista “Path” em agosto de 1895. Traduzido ao português desde a coletânea em dois volumes “Theosophical Articles”, William Q. Judge, The Theosophy Co., Los Angeles, 1980; ver vol. II, pp. 124-126.
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