A Arte de Transformar Forças
Inferiores em Energia Elevada
Carlos Cardoso Aveline
À esquerda, uma pintura de Jacek Yerka
A ideia de “recarregar as baterias”, quando estamos cansados, é mais do que uma descuidada expressão popular.
Quase tudo na vida é eletromagnético, inclusive o funcionamento do coração e do cérebro. E há magnetismo de muitos tipos, porque ele se adapta a cada nível de densidade ou sutileza da vida, tanto no plano da ação como no plano da percepção.
O magnetismo humano-animal é produzido e transmitido pelo sistema nervoso. Ele é emitido quando nos expressamos ou desenvolvemos qualquer atividade, inclusive o sentimento e o pensamento. A força magnética está presente nas células do corpo humano. Ela habita e constitui a aura de cada um de nós.
Pensemos em fatores como a saúde, o êxito, a felicidade e a capacidade de cooperar em paz com outros seres humanos, sem a praga infeliz da competição e da inveja. Todos estes aspectos da vida dependem da qualidade do nosso magnetismo vital e emocional e da força magnética presente nos nossos pensamentos.
Duas fontes de sofrimento para nós são, primeiro, a falta de magnetismo, e, segundo, a ausência de equilíbrio e de harmonia em nossa vida magnética, o que gera desperdício. As duas coisas, a escassez e o desequilíbrio, andam frequentemente juntas. Vejamos como reduzir este problema.
O que gera magnetismo é a vontade.
Até certo ponto pode-se dizer que vontade é o mesmo que magnetismo. Na verdade, magnetismo humano é vontade acumulada. Consiste de ação potencial estocada e colocada à nossa disposição.
O que gera vontade e produz magnetismo é o enfrentamento pacífico, consciente, responsável, calmo, determinado, de obstáculos e desafios.
De um lado, um obstáculo pode fazer você perder energia, entrar em pânico ou ter um ataque de nervos ou de raiva. De outro lado, você pode usar o obstáculo para estocar força, ganhar poder interno, e alcançar a sabedoria. A sua atitude diante da dificuldade depende apenas de você.
Como se produz energia elétrica? Do mesmo modo como a barragem hidrelétrica obstaculiza o curso de um grande rio, ou um catavento faz parar a energia dos ventos.
Diante de um obstáculo quase intransponível, a força física acumulada pelo rio produz uma energia imensa no plano imediatamente superior, o plano da energia elétrica. Esta força fica então estocada num nível sutil, pronta para ser novamente materializada e expressada criativamente do jeito que a comunidade humana quiser.
O mesmo ocorre com os rios dos hábitos preguiçosos ou rotineiros que tenhamos.[1]
O fluxo de desejos da parte animal do eu inferior gira em torno do conforto pessoal e da satisfação no plano dos cinco sentidos. Esse fluxo não é um só rio. Ele constitui toda uma bacia hidrográfica com inúmeros riachos maiores e menores que parecem surgir do nada. Eles emergem de nascentes, brotando do solo, isto é, do subconsciente, a parte básica invisível da alma. Todos estes desejos buscam avançar na direção do oceano enganoso da Satisfação, cujo verdadeiro nome é Tédio, e que leva à Decadência.
Quando nossos desejos são atendidos, perdemos o magnetismo, isto é, a Vontade Acumulada, ganhando em troca uma sensação passageira de Satisfação.
Por isso a filosofia esotérica ensina que devemos agir em tudo com moderação, isto é, evitando o exagero, mas guardando sempre o magnetismo soberano da Vontade.
Força magnética é sinônimo de força moral. É a energia do sereno autocontrole.
A teosofia ensina que não basta gerar magnetismo. É preciso também usá-lo com sabedoria e guardar amplas reservas dele para quando for necessário, segundo lemos nas Cartas dos Mahatmas.
Seria um erro trágico, portanto, confundir felicidade com satisfação completa.
A felicidade é um estado de equilíbrio criativo correto. Ela combina o eterno e o momentâneo, a satisfação e a vontade, o sofrimento e a compreensão. A felicidade produz a paz entre a lei do universo e a nossa ação individual, entre o conforto possível e o corajoso espírito de sacrifício pelo bem comum. Mas por que sacrificar-se? Pergunta alguém. Porque os outros seres são nossos espelhos, e necessitamos ver imagens de felicidade ao olharmos o espelho.
Assim, vale a pena seguir este conselho:
“Quando tiver vontade de reclamar, agradeça.” [2]
O que seria de você, se não fossem os obstáculos que precisa enfrentar? Como poderia educar a si próprio, na ausência de dificuldades e desafios?
Mas você pode agir inteligentemente e por iniciativa própria. É possível escolher obstáculos especiais, voluntariamente, de modo a gerar em seu sistema nervoso e sua aura uma energia magnética de reserva, e constituir um bom estoque de força interior, como ensinam os Mestres de Sabedoria.
Em outras palavras, reúna vontade e magnetismo barrando os rios e os córregos da rotina cômoda.
Escolha deliberadamente algumas tarefas úteis, mas desagradáveis, para treinar o seu sistema nervoso e produzir a força magnética da vontade.
Faça uma lista de ações úteis e necessárias, das quais você foge, e desenvolva-as como modo de fortalecer a si mesmo. Mas esteja atento. Lembre que elas só têm valor magnético positivo se forem feitas em paz, calmamente, com serenidade e um bem-estar interior.
Alguns exemplos:
* Abster-se em todas as situações de reclamar de alguma circunstância qualquer com amargura e frustração;
* Fazer com calma e com satisfação as tarefas aparentemente mais enfadonhas que são parte do seu dever diário, reunindo deste modo um bom magnetismo durante este trabalho;
* Praticar caminhadas regulares para manter a saúde e a força física;
* Sustentar com vontade de ferro uma pequena disciplina diária que dê à sua busca espiritual uma estrutura ao mesmo tempo firme e flexível;
* Enxergar sistematicamente as qualidades positivas das pessoas com quem você convive, anulando em sua vida o axioma segundo o qual a convivência e a familiaridade tornam difícil valorizar o outro;
E ainda:
* Manter um “Caderno da Vontade” segundo ensina Jean des Vignes Rouges, e registrar nele as ideias-chave para que você se erga, trocando inteligentemente a velha rotina pelo autocontrole. [3]
* Deixar de lado, quando necessário, o hábito de querer agradar os outros sempre, ou de depender da aprovação deles para sentir-se bem consigo mesmo;
* Perguntar-se calmamente algumas vezes por dia se está agindo com independência e seguindo a voz da sua consciência interior;
* Passar alguns minutos por dia praticando respiração profunda, para purificar o astral e os pensamentos;
* Cultivar, por esforço consciente, um sentimento de desapego em relação a fatos e situações agradáveis ou desagradáveis, cuja oscilação faz parte da superficialidade de curto prazo da vida e deve ser mantida à devida distância;
* Interromper emoções de medo e raiva cada vez que elas surgirem, chamando a si o sentimento de confiança e harmonia. Use frases luminosas como mantras, e contemple sem pressa ideias que se opõem diretamente aos sentimentos errados, conforme recomenda Patañjali.
Todas as opções acima são válidas. E não será difícil localizar outras, porque a vida é dinâmica e nos oferece a cada dia uma variedade infinita de lições potenciais.
NOTAS:
[1] Sobre barragem hidrelétrica como imagem simbólica do autocontrole, examine o artigo “A Desafiante Relação Entre Luz e Sombra”.
[2] Veja o artigo Quem Chora Não Mama.
[3] Leia O Caderno da Vontade, de JVR.
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O artigo acima foi publicado nos websites da Loja Independente de Teosofistas no dia 27 de maio de 2024.
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Leia mais:
* A Atenção e a Vontade, de JVR.
* Começando Pelo Mais Difícil, de O.S. Marden.
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Helena Blavatsky (foto) escreveu estas palavras: “Antes de desejar, faça por merecer”.
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