Texto Clássico Mostra o Que é Uma Escola Esotérica
Autor Anônimo
Os Himalaias, em um quadro de Nicholas Roerich
Nota Editorial de 2016:
A Seção Esotérica ou Escola Esotérica do movimento teosófico foi criada em outubro de 1888 por Helena P. Blavatsky. O texto reproduzido a seguir, “O Significado de um Compromisso”, foi publicado pela primeira vez um mês antes da criação da Escola, em setembro de 1888. Naquele momento, o autor usava a sigla “S.T.” e a expressão “Sociedade Teosófica” para referir-se à Sociedade Teosófica original, que fragmentou-se e deixou de existir pouco depois da morte de H.P. Blavatsky em 1891.
Passados mais de cem anos, o movimento apresenta na primeira parte do século 21 uma apreciável diversidade de Sociedades, Lojas, Fundações e agrupações independentes umas das outras. Para evitar confusão, o leitor deve lembrar portanto que a Sociedade Teosófica original não existe mais desde a sua divisão em 1895. Onde se lê “Sociedade Teosófica”, deve-se pensar “a Sociedade da década de 1880”. Atualmente, a expressão correta seria “movimento teosófico”.
O texto a seguir não é oficial, não é perfeito, é complexo, difícil de entender e constitui a perspectiva de um só estudante do século 19. Ainda assim, é extremamente útil. A importância de “O Significado de um Compromisso” no século 21 não se limita ao número relativamente pequeno de estudantes que têm um interesse profundo em preparar-se para alcançar a sabedoria divina (empreendimento, aliás, que é de longo prazo e não de uma só vida). O texto é útil também para um setor amplo do público que, conhecendo algo sobre uma busca correta do discipulado leigo, poderá avaliar melhor certas situações.
Conhecendo este artigo, será mais fácil evitar esquemas “esotéricos” em que falsas esperanças levam gente sincera a fazer votos de obediência cega, e a alimentar sentimentos de medo supersticioso “caso não se obedeça aos representantes do Mestre”.
Um segredo autoritário e ilegítimo funciona como meio de controlar pessoas e organizações. É assim que operam os Sepulcros Caiados descritos pelo Novo Testamento em Mateus 23:27-28. Tais fraudes nada têm a ver com Teosofia ou com uma real busca do discipulado. Para estar em contato com a sabedoria teosófica, é preciso buscar a verdade de modo individualmente responsável, algo que só pode ser feito sem medo e com uma autêntica independência de pensamento.
O título original do artigo é “The Meaning of a Pledge” e ele tem grande importância para os associados da Loja Independente de Teosofistas. Foi publicado pela primeira vez na revista “Lucifer”, de Londres, em setembro de 1888, que era dirigida por H. P. Blavatsky.
A palavra “Lúcifer”, deturpada desde a Idade Média pelo cristianismo dogmático, significa literalmente “portador da luz”. O termo se refere ao planeta Vênus. Regente de Libra e Touro, Vênus é esotericamente considerado “o irmão mais velho da Terra”. É no signo de Touro que se comemora o nascimento e a iluminação de Gautama Buddha. As Plêiades, fonte de inspiração espiritual da nossa humanidade, estão associadas ao signo de Touro e ao plenilúnio de maio.
O artigo foi publicado pela revista “Theosophy”, de Los Angeles, em novembro de 1914 e dezembro de 1953 (pp. 53-58). É desta última edição que o traduzimos. Mais informações sobre a busca do discipulado leigo e sobre como empreendê-la com discernimento e sem obediência cega podem ser encontradas em nossos websites associados.
(Carlos Cardoso Aveline)
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O Significado de um Compromisso
Autor Anônimo
Foi considerado aconselhável que os membros de uma certa Loja Oculta da S.T. sejam informados da maneira mais clara possível sobre o significado do Compromisso que eles estão por assumir. E que pelo menos aqueles que já assinaram previamente o Compromisso digam, para aqueles que estão por fazê-lo, tudo o que eles entendem que este Compromisso significa, e o que a sua assinatura envolve.
O Compromisso é o seguinte:
1. Eu me comprometo a me esforçar para fazer da Teosofia um fator vivo em minha vida.
2. Eu me comprometo a apoiar, diante do mundo, o movimento teosófico, os seus líderes e os seus membros.
3. Eu me comprometo a nunca escutar sem protestos alguma coisa má ser dita sobre um irmão teosofista, e a me abster de condenar outros.
4. Eu me comprometo a manter uma luta constante contra minha natureza inferior, e a ter compaixão pelas fraquezas dos outros.
5. Eu me comprometo a fazer tudo o que estiver ao meu alcance, através de estudo e de outros meios, para preparar-me de modo que possa ajudar e ensinar a outros.
6. Eu me comprometo a dar todo o apoio que puder ao movimento em tempo, dinheiro e trabalho.
“Que Assim Me Ajude o Meu Eu Superior.”
Fica claro de imediato que esse não é um Compromisso geral como aquele que é encarado de modo tão pouco sério por membros da Sociedade Teosófica; mas que trata-se de uma promessa específica a ser feita, e de um esforço para realizar certas coisas. E também que isso é feito junto a uma invocação:
“Que Assim Me Ajude o Meu Eu Superior.”
O termo “Eu Superior” recentemente passou a ser usado com uma frequência considerável – pelo menos no que diz respeito à Sociedade Teosófica. Para aqueles que estudaram o significado das palavras, fica de imediato evidente que “fazer um juramento” à maneira comum dos cristãos é muito menos sério do que assumir um Compromisso na presença do “Eu Superior”.
O “Eu Superior”, além disso, não é uma espécie de essência sublimada de qualquer homem, uma espécie de “personalidade espiritualizada”. Ele é universal e único, e neste sentido a expressão “meu Eu Superior” parece mal colocada. Mas cada homem, mesmo que palidamente, é uma manifestação do Eu Superior, e é por causa da ligação de Jiva, a Mônada, com o “Eu Superior” único, que é possível usar o termo. O que, então, significa a invocação?
O homem que assume este Compromisso com um estado de espírito correto faz um apelo ao Eu Superior, e chama por toda ajuda e bênção Dele em sua ajuda. Através de um intenso desejo de estar sob Sua proteção (embora o Eu Superior em si seja latente e passivo), ele se coloca sob a proteção dos poderes ativos e benéficos que são os raios diretos do Absoluto e Único Eu Superior.
Mas se um homem assume este Compromisso e trai o seu Eu Superior, ele se arrisca a todo mal e o atrai para si. Assim, aquele que permanece fiel a seu Compromisso nada tem a temer; mas aquele que não tiver confiança em sua capacidade de manter o Compromisso depois de assumido, faria melhor em desistir e, melhor ainda, deixar de lado o Ocultismo.
Assim, a quebra deste Compromisso não envolve penalidade para o “Eu Superior”, mas pode afetar o homem individual. O “Eu Superior” é imortal, mas a Mônada existe como um indivíduo separado só durante os Manvântaras, e em torno dela formam-se várias personalidades. A Mônada reencarna a cada novo nascimento, e não só pode ser punida, mas é punida se tal Compromisso for quebrado. Uma vez que a Mônada tenha progredido o suficiente para perceber a luz gloriosa do Eu Superior e para desejar viver nesta luz, a quebra do Compromisso estabelece uma tendência em direção a uma situação em que fica impedida não só a possibilidade de a luz beneficiar a Mônada, mas até de chegar a ela.
Portanto, todos os homens estão na presença de duas forças na natureza. Uma destas forças é ativa e benéfica, e a sua ajuda e assistência é diretamente invocada pelo Compromisso. A outra força é igualmente ativa, mas maléfica, e é representada por seres que têm um nítido interesse em evitar o funcionamento do Compromisso, e em prejudicar o trabalho da Sociedade Teosófica. Nós vemos isso mais claramente quando sabemos que nosso Compromisso é estar ativos, e não apenas fazer um esforço neste sentido.
Além disso, há forças na terra e no corpo humano, assim como na luz astral, que desejam evitar e prejudicar o cumprimento efetivo do Compromisso. Algumas destas forças agem conscientemente desta forma. Outras agem assim porque são arrastadas a tal ação consciente, mas sem nenhum conhecimento da causa ou da força que as arrasta para isso.
Devemos esforçar-nos para “fazer da Teosofia um fator vivo em nossas vidas”. Antes que possamos esforçar-nos para fazer isso, e especialmente antes de fazer isso eficientemente, devemos primeiro entender o que a teosofia é, e realmente definir o que nós queremos dizer, individualmente, quando usamos a palavra “teosofia”. Ora, é exatamente esta definição, a necessidade dela, e a nossa ignorância, em geral, que têm até agora impedido que façamos este esforço. Não é necessário dizer nada, aqui, sobre a Sociedade Teosófica e como ela seria beneficiada se mesmo uma pequena porção dos seus membros realmente fizessem da Teosofia o fator vivo em suas vidas. Muito poucos fazem isso, e é extremamente verdadeiro o fato de que um membro da Sociedade Teosófica não é necessariamente um teosofista. Mas aqueles que assumem este Compromisso não estão contentes com ser nominalmente membros da Sociedade, e aspiram a ser teosofistas de fato. Por isso é tão necessário que todos saibam o que é um teosofista, e o que todo ser humano deve fazer para que a Teosofia seja um fator vivo em sua vida.
Como uma definição negativa, nada poderia ser melhor do que a definição publicada em “Lucifer”, número 3:
“Aquele que não pratica altruísmo; que não está disposto a compartilhar seu último pedaço de pão com quem é mais fraco ou mais pobre; aquele que deixa de ajudar seu irmão e seu próximo, de qualquer raça, país ou crença, sempre e onde quer que ele enfrente uma situação de sofrimento, e aquele que tem ouvidos surdos diante do grito de socorro do sofrimento humano; aquele que escuta a injúria contra um inocente, seja um irmão teosofista ou não, e não faz a sua defesa como defenderia a si próprio – não é um teosofista.”
Mas esta definição também contém o lado positivo. Não basta abster-se de fazer o que é condenado nesta definição. O lado negativo, isoladamente, é inútil para aqueles que assumem este Compromisso – e não só inútil porque isso implicaria praticamente uma quebra do Compromisso. O Compromisso não exige apenas que a pessoa que o assume se abstenha de fazer o mal, mas, mais que isso, ele deve trabalhar positivamente com altruísmo e defender a qualquer inocente como faria consigo mesmo.
Muitos podem ser tão inexpressivos que não irão contra as cláusulas negativas do Compromisso e da definição; mas são poucos os que são suficientemente positivos em seu caráter para, além de não agirem contra estas cláusulas, agirem a seu favor. Porque o mais importante não é o que não se faz, mas o que se faz. Deste modo, é necessária alguma força para que se mantenha a impessoalidade. Essa impessoalidade é de dois tipos, negativa e positiva. No aspecto negativo, é necessário ter força para lutar contra as forças da hereditariedade e da educação, e para evitar obedecer aos instintos e hábitos adquiridos desta ou daquela encarnação. Mas é necessária uma força maior ainda para cruzar o ponto zero e criar novos instintos e hábitos em meio às condições de vida e hábitos de pensamento que são violentamente opostos ao que está sendo criado. É como se fosse necessária força suficiente para vencer as tendências de um demônio e crescer na direção do mundo divino. Se olharmos o Compromisso em termos gerais, ele parece ser um instrumento admirável, do ponto de vista da definição acima, para descobrir e testar os pontos fracos de cada um. Como homens e mulheres, o Compromisso nos impele a deixar de agir e pensar em nossa vida diária como a nossa educação até agora nos levou a fazer. Se não nos abstivermos, não faremos da Teosofia um fator vivo em nossas vidas. E mais, ao mesmo tempo em que estamos engajados nesta tarefa difícil, o lado positivo aparece e nos é dito que devemos fazer outras coisas igualmente difíceis – caso contrário não somos teosofistas.
A segunda cláusula do Compromisso resultará em um sério obstáculo para os membros da Sociedade Teosófica que têm uma motivação fraca. Muitos podem estar completamente de acordo com os objetivos da Sociedade Teosófica, até onde conseguem compreendê-los, e ao mesmo tempo em completo desacordo com líderes da Sociedade e com seu método de trabalho. Não só eles podem discordar, mas podem alimentar uma hostilidade aberta ou disfarçada em relação aos líderes e a muitos dos membros. É inútil negar para nós mesmos o fato de que isso tem ocorrido, e que infelizmente pode ocorrer no futuro. Trabalhamos pela “Fraternidade Universal” e temos inimizade em relação aos que estão mais próximos de nós. É isso, então, que nos comprometemos a superar e deixar de lado, eliminando esta tendência da nossa natureza. Assim, a cláusula dois tem uma referência especial para certas pessoas, que surge das circunstâncias gerais.
Surge, naturalmente, uma questão: “Qual é a utilidade de uma Sociedade Teosófica com tais metas, se ela é composta de elementos tão diversos?” E, mais uma vez: “Será que a Sociedade tem uma coerência e um propósito capazes de fazer com que ela seja uma força viva na sociedade que a rodeia?” Pois existe uma analogia, e assim como homens e mulheres são indivíduos, a Sociedade é um indivíduo entre outras sociedades. E neste ponto pode-se afirmar enfaticamente que o poder e a força de qualquer corpo coletivo não é a força total das unidades que o compõem, mas que o corpo coletivo tem uma força individual e um poder seu próprio, independente deles. Basta pensar na química da liga entre metais, para ver que isso é verdade. Se olharmos então a Sociedade, não parece que a sua força é devida ao propósito e à ação em unidade dos seus membros individuais. Mas ela tem um grande propósito, e em função desta meta um certo número de indivíduos devotados sacrificou tudo o que estava em seu alcance sacrificar. Entre eles, os fundadores e líderes atuais da Sociedade são exemplos notáveis. O resultado disso é que a Sociedade continua a existir exotericamente. Mas a existência contínua da Sociedade não se deve apenas a esses poucos esforços individuais, e sim à influência subjacente daqueles sob cuja influência a Sociedade foi fundada pelos seus líderes atuais, e ao cuidado estimulante dos Mestres de Sabedoria, depois da sua fundação.
A cláusula número três pode levar muitos a um pensamento casuístico, devido ao modo como a Sociedade está organizada atualmente. Já se disse, e parece ser verdade, que é perfeitamente correto para aqueles que são verdadeiros teosofistas condenar uma ação, e não condenar quem a fez. Mas a diferença entre as duas coisas é muito sutil e difícil de distinguir na vida concreta. O livro “Luz no Caminho” também adverte o aspirante em relação à hipocrisia deste tipo de pessoa, “porque a roupa suja que você se recusa a tocar pode ter sido sua no dia anterior, e poderá ser sua no dia de amanhã”.
Assim, aqueles que assumem este Compromisso devem enfrentar uma dificuldade muito sutil (porque, na vida, a ação e quem faz a ação estão indissoluvelmente ligados), a menos que tenham desenvolvido a capacidade de observar e ver em um nível que hoje está acima do alcance da maioria das pessoas. No entanto, mesmo se este potencial estiver fora do alcance no momento atual, ainda será correto que todos os que aspiram a ser teosofistas tentem. Podemos pelo menos colocar um freio em nossos lábios físicos e tentar fazer o mesmo com nossas mentes, e assim abster-nos de “condenar outros”. Porque a condenação silenciosa dos outros seria ainda mais “perversa” que a fala física, porque, quando a avaliamos bem, resulta ser uma forma de covardia moral. E aqui surge o casuísmo. Porque deixando de lado a definição dada em “Lucifer” número três, seria possível para quem assume o Compromisso considerar que os seus irmãos de humanidade que forem “irmãos teosofistas”, podem ser julgados e condenados. Assim, se pudesse ser claramente comprovado que qualquer homem ou mulher errou, seria possível receber uma isenção do compromisso de “nunca escutar sem protestos alguma coisa má ser dita” a respeito deles. Mas a definição impede isso ao afirmar “seja um irmão teosofista ou não”, e reforça a máxima legal que é tão raramente respeitada – a de sempre considerar um homem inocente até prova em contrário. A suspeita é um hóspede perigoso quando a alimentamos, e afinal de contas somos levados a aceitar o fato de que é melhor “não julgar para não sermos julgados”.
As cláusulas quatro e cinco complementam decisões que vão diretamente ao centro de tudo o que atua contra a Teosofia e contra a possibilidade de ela tornar-se um fator vivo na vida dos homens. Neste sentido, a cláusula seis também é complementar. Mas o poder de ajudar e ensinar a outros só pode ser encontrado no espírito da vida una, que é um espírito de absoluta igualdade, e no sentido de que para o teosofista todo homem é um professor.
A cláusula seis é uma ratificação de tudo o que vem antes dela, mas coloca a situação em termos mais definidos.
Assim, antes que este Compromisso seja assumido e que alguém se comprometa a trabalhar e agir pela Teosofia, é necessário que todos os que aspiram a isso percebam cuidadosamente o que é, realmente, a Teosofia. A Teosofia é a mesma coisa que a prática da Sociedade Teosófica? Se não é, ela deveria ser? Devo esforçar-me para fazer com que seja? Ao comprometer-me para trabalhar por ela, estarei buscando alguma recompensa, no futuro próximo ou distante, nesta encarnação ou em alguma encarnação futura? Aparentemente, um dos primeiros passos é fazer um esforço na direção indicada pelo preceito “Conhece a ti mesmo”.
Um tal Compromisso não deve ser encarado de maneira superficial, nem com um estado de espírito caracterizado por mero emocionalismo. Deve ser encarado pelo homem que o assumir com uma severa decisão de atender as suas exigências de modo cada vez mais completo, seja qual for o preço. É perigoso assumi-lo com um estado de espírito irresponsável, sem examinar o seu real significado e sem a intenção de tornar a sua realização o objetivo supremo da sua vida.
É necessário “ler, marcar, aprender, e digerir internamente” as verdades que existem na Teosofia, e então talvez poderá nascer no mundo aquele dia em que todos os homens serão como irmãos, e a Fraternidade Universal será uma realidade e a fonte de orientação de toda existência.
ALGUÉM QUE ASSUMIU O COMPROMISSO.
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Veja em nossos websites associados os textos “Uma Escola Esotérica de Três Mil Anos” e “As Sete Cláusulas de um Compromisso”.
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Em setembro de 2016, depois de cuidadosa análise da situação do movimento esotérico internacional, um grupo de estudantes decidiu formar a Loja Independente de Teosofistas, que tem como uma das suas prioridades a construção de um futuro melhor nas diversas dimensões da vida.
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