Algumas Tarefas Exigem
Séculos Para Serem Realizadas
Carlos Cardoso Aveline
Rousseau e o clássico do judaísmo
“Duties of the Heart” (“Os Deveres do Coração”)
Jean-Jacques Rousseau, o angustiado pensador que inconscientemente ajudou a preparar a revolução francesa, proclamou uma ideia que continua popular na primeira metade do século 21.
Muitos pensam ainda hoje que ao condenar a sociedade atual como um todo, ou ao denunciar as elites que estão no poder, podemos alcançar a felicidade e facilmente libertaremos nossos povos de todo sofrimento.
Em seu livro “História da Magia”, o cabalista Eliphas Levi (1810-1875) não adota uma postura amável, nem generosa, em relação a este sonho de Rousseau.
“Havia no mundo um homem profundamente indignado por sentir-se covarde e vicioso”, diz Levi em linguagem pouco diplomática, “e que considerava como culpada pela sua vergonha a sociedade inteira. Este homem era o amante infeliz da natureza, e a natureza, em sua cólera, o armara com a eloquência de um flagelo.”
Eliphas Levi prossegue:
“Ele ousou defender, contra a ciência, a causa da ignorância; contra a civilização, a causa da barbárie; e defendeu todas as baixezas, contra as camadas superiores da sociedade. O povo instintivamente rejeitou este insensato, mas os grandes o acolheram, as mulheres transformaram-no em herói. Ele obteve tanto sucesso que seu ódio contra a humanidade aumentou por isso e ele acabou matando-se de cólera e de desgosto. Depois de sua morte, o mundo foi abalado pelas tentativas de realizar o sonho de J. Jaques Rousseau (…).” [1]
Não há motivo para adotar uma atitude arrogante e condenar Rousseau, no plano pessoal, pelos seus erros. Em termos morais, Rousseau foi um grande homem. Seu amor incondicional à verdade, sua franqueza e sua inteligência espiritual trazem lições válidas em qualquer tempo e lugar. Suas falhas são as falhas dos seres humanos, e Eliphas Levi cometeu erros semelhantes.
Tal como os partidos políticos de esquerda desde os dias de Karl Marx, J.-J. Rousseau foi brilhante ao mostrar os fracassos da civilização atual. No entanto, teve a tendência de ser pior do que inútil em suas tentativas de resolver os problemas que apontava, e o mesmo ocorreu com o marxismo desde o século 19.
Na Rússia, Leo Tolstoi e outros pensadores foram influenciados pelos sonhos de Rousseau, mas Dostoievsky teve mais discernimento e desmascarou a falta de bom senso dos revolucionários no romance intitulado “Os Demônios”.
Muitas almas nobres pensaram que ao desprezar uma ordem social imperfeita o cidadão produz felicidade. Os pioneiros da ilusão contemporânea transferiram subconscientemente a velha e imaginária “inocência paradisíaca” dos povos indígenas da América, projetando-a sobre os camponeses e os operários do século 19.
Pensavam que haviam feito uma descoberta extraordinária: as pessoas pobres e os trabalhadores das fábricas tinham todos almas puras, se não fossem santos, enquanto nas “classes dominantes” reinava o egoísmo. Um excesso de cobiça havia surgido entre os humanos apenas por causa de uma estrutura econômica e política errada. E eles sentiam que qualquer um que rejeitasse as suas ideias grandiosas deveria ser severamente denunciado e condenado.
Não havia necessidade de que os seres humanos reformassem a si mesmos, moralmente, para que merecessem viver em uma sociedade moral e justa.
Tudo que as pessoas precisavam fazer era projetar seus medos e sua raiva na direção das “elites” e da “classe dominante”, e tentar vencer e eliminar os seus adversários. Não havia consenso, naturalmente, sobre como fazer isso. Mas todos queriam mudar a sociedade, e muito poucos desejavam mudar a si mesmos.
Marx, Lênin e Gandhi
A ideia infantil de que basta derrotar as elites para ser feliz cumpriu papel central na preparação de uma grande experiência utópica e um desastre social duradouro: a Revolução Russa de 1917.
Desde aquele ano, a ideia rousseauniana segundo a qual os seres humanos são bons mas vivem em sociedades injustas espalhou-se mais rapidamente. Os resultados práticos desta utopia disfuncional – tanto nas suas versões de esquerda como de direita – foram corretamente descritos, de modo quase profético, por George Orwell.
As ideologias “progressistas” e “reacionárias” – incluindo nazismo e stalinismo – compartilham o mesmo amor histérico pela violência. Elas adotam a ilusão de tratar de derrotar ou eliminar seus adversários, ao invés de estimular o automelhoramento dos cidadãos.
Mesmo um líder grande em sabedoria como Mahatma Gandhi foi prejudicado em parte pela falsa noção de que as almas dos seres humanos já estão suficientemente boas, e não necessitam procurar, em primeiro lugar, a sabedoria. A principal tarefa é “ver-nos livres daqueles que hoje se opõem a nós”.
O legado político de Gandhi é um exemplo valioso e ilustra corretamente a situação. Foi muito mais fácil para a Índia libertar-se da dominação colonial inglesa do que evitar a pobreza, prevenir a guerra, ou derrotar a corrupção e a violência. Os líderes da Independência tampouco impediram a divisão da nação em três países – Paquistão, Bangladesh e Índia. É significativo o fato de que duas destas novas nações – o Paquistão e a Índia – agora possuem armas nucleares ao mesmo tempo que uma vasta parcela da sua população vive em extrema pobreza.[2]
Em todos os continentes ainda existe o hábito doentio de odiar e buscar a derrota dos adversários, como se eles fossem a principal causa da infelicidade coletiva. Esta falta de bom senso continua a estimular estreiteza mental, violência verbal, fanatismo, terrorismo e conflitos militares.
Nenhuma pessoa deve ser responsabilizada pela autoilusão coletiva. Meras acusações não ajudam a derrotar a ignorância.
Cada um deve julgar a si mesmo antes de julgar os outros.
Aqueles que têm discernimento tratam de conhecer a si próprios e evitam a tentação sadomasoquista de pensar que a felicidade está em “derrotar nossos adversários”. É uma concepção infantil e irresponsável ver a nós próprios e a nossos amigos como os legítimos proprietários da “inocência primordial”.
Durante a década de 1940, Paul Carton fez um exame detalhado das ilusões de Rousseau.
Condenando a Sociedade pelos Nossos Erros
Carton abre seu livro “O Falso Naturismo de Jean-Jacques Rousseau” [3] com 50 páginas dedicadas aos aspectos positivos da filosofia do pensador francês. E eles são fundamentais: sua crítica às civilizações materialistas é um bom ponto de partida.
Em seguida, Carton examina o fato de que o ponto de vista de Rousseau está baseado no mito do bom selvagem, “le bon sauvage”, o homem que vive na natureza e obedece às suas Leis, e que segundo Rousseau está livre de egoísmo.
O ser humano era bom e era feliz até que surgiu a civilização, diz Rousseau. As formas avançadas de sociedade fizeram com que ele passasse a ser ao mesmo tempo um egoísta e um sofredor. O homem é naturalmente bom, mas o Conhecimento e a Civilização o forçaram a tornar-se egocêntrico. Não é necessário que as almas humanas lutem consigo mesmas para encontrar a sabedoria imortal, para evitar erros e libertar-se da ignorância. Uma vida natural nos oferece a perfeição sem esforço. Tudo o que precisamos fazer é, portanto, libertar-nos das estruturas sociais injustas, que produzem a cegueira moral e as inclinações e tendências negativas. [4]
Quando esta visão ingênua do ser humano e da sociedade se tornou suficientemente popular, o próximo passo foi tratar de promover algum tipo de mudança social radical, como meio de “libertar as pessoas boas e autênticas do povo, derrotando uma elite irresponsável e eliminando as estruturas coletivas injustas”.
Foi assim que a revolução francesa de 1789 começou a “promover justiça” através da violência, com o objetivo de restabelecer os “sentimentos naturalmente bondosos” dos cidadãos.
Nunca houve uma chance de êxito. A revolução culminou num banho de sangue indescritível, durante o qual a “mudança social” derrotou completamente a si mesma. Naturalmente a maior parte dos sonhadores divorciados da realidade não aprendeu a lição, e muitas “experiências revolucionárias” foram realizadas a seguir, com resultados que é fácil avaliar.
Tolstoi e outras boas almas transformaram o mito do “bom selvagem” no mito do “bom operário e camponês”. Pensava-se que os trabalhadores do campo e da cidade tomariam o poder político, alcançariam a liberdade e construiriam o Paraíso socialista na Terra. Nasceu em seguida o mito do “partido operário e camponês”, e começaram a espalhar-se o ódio e a violência ao redor do mundo, em nome da felicidade futura de todos.
Atuando em outro nível, pensadores como Jiddu Krishnamurti adaptaram as ilusões de Rousseau transformando-as em um individualismo sonhador e irresponsável, no qual as pessoas pensam que podem “libertar-se de todo condicionamento” – isto é, da lei do carma e das obrigações éticas – e deste modo alcançar uma “libertação” inteiramente imaginária.
No século 21, a infeliz popularização do uso de drogas fortalece a ilusão do “descondicionamento”, cujo resultado é um abandono do bom senso e uma negação voluntária dos fatos objetivos e das condições cármicas reais em que se deve atuar.
A verdade é que cada indivíduo é fundamentalmente autorresponsável. Ele deve “erguer sua cruz” – o seu inevitável carma acumulado por ele mesmo – e avançar pelo caminho da sabedoria universal. A sabedoria consiste em compreender o funcionamento da Lei da Justiça e atuar em harmonia com ela.
Limitar-se a atacar as elites e condenar a sociedade como um todo são formas de fugir da responsabilidade que cabe a cada um. Através da fuga emocional as pessoas deixam de lado o poder de transformar as suas vidas e de mudar a sociedade pelo processo eficiente, que consiste em plantar bom carma.
Quando alguém projeta psicologicamente “o mal” sobre seus adversários, o resultado é a expansão da ignorância e do sofrimento, principalmente os seus próprios.
O sadomasoquismo é uma doença socialmente organizada, mas tem cura. A enfermidade da alma que faz com que alguém sinta profunda satisfação em derrotar e humilhar adversários, ou em exaltar e exagerar o seu próprio sofrimento, pode ser curada pela influência combinada de dois fatores: o autoconhecimento e a ação solidária.
A ajuda mútua é a lei da natureza, e é necessário ter discernimento para agir à altura dela.
A Bondade Natural em Nós
Os seres humanos têm em suas almas uma fonte natural de bondade e são espontaneamente bons, na medida em que permanecem leais a ela.
No entanto, escutar a voz da consciência não é fácil, porque as percepções humanas são uma combinação precária de instintos animais e potencialidade divina. A evolução espiritual inclui uma luta oculta feroz entre os níveis superiores e inferiores da alma.
Ideias ilusórias dominam amplamente no estágio atual da evolução humana. É difícil escutar a voz do espírito, e ainda mais difícil agir de acordo com ela no mundo externo.
Há, é claro, lições sagradas a aprender através do contato estreito com a Natureza, tal como aconteceu na antiguidade. Estas lições têm uma importância decisiva para o futuro da humanidade. O artificialismo deve ser deixado de lado. Recuperar um contato intenso com o ambiente natural é uma tarefa básica. No entanto, não faz sentido pensar que as sociedades antigas e que os homens primitivos eram perfeitos, ou que todos os problemas humanos desapareceriam se “voltássemos para a Natureza” ou “nos libertássemos das elites atuais”.
A verdadeira Natureza com que devemos estar conectados não é física. Ela deve ser encontrada sobretudo em nossas almas. O paraíso é fundamentalmente interior.
Sonhando de olhos abertos, Rousseau idealizou unilateralmente a noção de “bom selvagem” e viu nele o modelo ideal da humanidade civilizada. E Rousseau estava parcialmente certo. Ele mostrou que os povos indígenas tinham imenso valor humano e deveriam ser respeitados pelas nações ocidentais. No entanto, sua ideia de que as nações indígenas são todas boas, e o conhecimento moderno todo mau, é falsa.
Os líderes da Revolução Norte-Americana de 1776 não caíram na armadilha rousseauniana, e o resultado do realismo adotado por eles foi uma mudança social vitoriosa e não-dogmática. Na década de 1890 e começo do século 20, Theodor Herzl combinou a tradição utópica com o necessário realismo e abriu o caminho para a fundação do moderno Estado de Israel, cujo progresso e consolidação têm sido estáveis desde 1948.
A Origem de uma Ingenuidade
A idealização unilateral dos povos indígenas do “Novo Mundo” não começou com Rousseau, no século 18. No final do século 15, os descobridores das Américas esperavam confrontar o Paraíso na Terra. Eles pensavam que poderiam encontrar exemplos vivos da humanidade de antes da “Queda” de Adão e Eva. Esta possibilidade despertava neles tanto medo como esperança.
A ideia do “bom selvagem” está presente no informe oficial de Pero Vaz de Caminha sobre a descoberta do Brasil em abril de 1500. O Brasil era um paraíso. A mesma ideia está de certo modo presente em uma descrição menos conhecida da descoberta do país, a “Relação do Piloto Anônimo”. Pouco depois da conquista colonial do futuro Brasil, as narrativas idílicas sobre a vida dos povos indígenas da América do Sul passaram a influenciar o mundo cultural europeu. [5]
Em seu ensaio “Dos Canibais”, o filósofo francês Michel de Montaigne escreveu sobre a vida das tribos no Brasil:
“Essas nações parecem (…) bárbaras simplesmente porque desenvolveram pouco ainda da arte e da invenção humanos, e estão muito próximas da sua ingenuidade original.”
“As leis da natureza”, diz Montaigne, “ainda governam” estas sociedades:
“Lamento que Licurgo e Platão não as tivessem conhecido, pois creio que o que nós vemos por experiência nessas nações ultrapassa, não apenas todas as pinturas com que a poesia embelezou a idade de ouro da humanidade e tudo quanto se possa imaginar para tornar feliz a condição humana, mas ultrapassa ainda a concepção e o próprio objetivo da filosofia. Não imaginaram eles ingenuidade tão pura e simples como a que nós vemos nesse país; nem acreditaram que uma sociedade se pudesse manter com tão pouco artifício e tão pouca arte humana. É um povo, diria eu a Platão, em que não existe qualquer tipo de tráfico, de conhecimento de letras, de ciência de números, nome de magistrado ou de outra dignidade que indique superioridade política, servidão, riqueza ou pobreza, contratos, sucessões, partilhas. De ocupações, apenas as agradáveis; de relações de parentesco, só as comuns. Nem há vestimentas, nem agricultura, nem metais. Não bebem vinho. Não cultivam cereais. A respeito da mentira, da traição, da dissimulação, da avareza, da inveja, da maledicência, do perdão, desconhecem até as palavras.”
A ideia era fascinante.
Em sintonia com este sonho, em 1610-1611 William Shakespeare faz com que o seu personagem Gonzalo diga, na obra “A Tempestade”:
(Ato II, Cena 1, trecho adaptado à linguagem de hoje)
“Em meu reino eu faria tudo ao contrário do modo usual. Não admitiria espécie alguma de comércio. De magistrados, nada, nem mesmo o nome. O estudo seria completamente ignorado. Não haveria ricos ou pobres, ou servos, ou criados; nem contratos, nem leis sobre heranças. Não existiriam questões sobre divisão de terras, cuidados da lavoura, plantação de vinhedos, nada, nada. Nenhum uso, também, de óleo e de vinho, trigo e metal. Ocupação, nenhuma. Todos os homens, ociosos, todos. E as mulheres, também; mas inocentes e puras. Não haveria um reinado. (…) Todas as coisas seriam partilhadas em comum e produzidas pela natureza. Não haveria traição, nem crimes ou armas. A natureza produziria generosamente tudo o que fosse necessário para alimentar o meu povo inocente. (…) Meu governo seria melhor que o governo da Idade de Ouro.” [6]
O sonho corresponde à vida sem esforços de um Paraíso na Terra. Trata-se de algo bem diferente da “Utopia” de Thomas More, que foi publicada em 1516 e está amplamente baseada nos escritos de Platão, da Grécia antiga.
Sua atmosfera encantadora é semelhante ao ambiente do Devachan, a vida individual de felicidade subjetiva que ocorre entre duas encarnações do ser humano. A substância deste mito se refere portanto à lei da reencarnação, um conceito superficialmente rejeitado pelos cristãos, mas vivo no judaísmo e nas religiões e filosofias orientais.
A ideia de um paraíso onde não é necessário fazer esforço algum tem pouca relação com as realidades sociais e históricas. Esta condição elevada é sutil. Corresponde à Terra Sem Males dos índios Tupi no Brasil, um lugar mítico onde o bem-estar é ilimitado; uma metáfora, também, para o estágio mais elevado da consciência-de-sonho entre duas encarnações.
A História tem mostrado que não é sábio tratar de trazer este tipo de felicidade da alma à força para a vida material das nações.
Nossa memória intuitiva do Devachan nos faz ter uma aspiração saudável pela fraternidade universal e nos inspira constantemente a buscar a construção de uma sociedade melhor. No entanto, neste esforço a prudência, o bom senso e o discernimento são ferramentas indispensáveis, que não podem ser deixadas de lado se quisermos obter progresso real.
Assim como o movimento esotérico como um todo tem estado em grande parte preso a superficialidades e não possui um sentido profundo de orientação e propósito, do mesmo modo a esquerda política é prisioneira de uma atitude infantil. Ela protesta contra qualquer situação incômoda, enquanto se recusa a agir de modo responsável e criativo, como todo indivíduo adulto precisa fazer.
É naturalmente tão correto como necessário questionar a ignorância organizada.
O uso prático do conhecimento científico na sociedade moderna tem chamado atenção pela ausência extraordinária de ética, prudência e sabedoria. As ciências humanas sofrem da mesma doença. O conhecimento e os recursos materiais são usados na busca de falsas prioridades. As comunidades são dominadas pela propaganda política, pela campanha eleitoral, pelo “entretenimento”, por atividades militares e pela busca de lucro ilegítimo.
No entanto, estes são apenas os sintomas. Eles surgem do estado da alma, e o expressam. A propaganda e a luta pelo poder político de curto prazo não podem diminuir o sofrimento do mundo. A experiência direta da sabedoria e da justiça é indispensável. O estado da alma deve ser melhorado, para que a sociedade obtenha paz e sossego.
Rousseau usou a sua exagerada idealização do bom selvagem como um meio de denunciar a hipocrisia e a injustiça do seu tempo. Depois dele os movimentos de esquerda começaram a adorar a imagem santificada de trabalhadores e cidadãos, como se eles fossem, agora mesmo, inteiramente bons e suficientemente sábios. “Tudo o que precisamos”, pensam os ideólogos de esquerda, “é destruir esta ou aquela forma de sociedade, porque ela é decepcionante para nós.”
Porém o pensamento negativo não constrói coisa alguma.
É necessário abandonar a ilusão de que “os homens já são capazes de viver em harmonia e basta fazer esta ou aquela reforma política”. O ser humano é fundamentalmente bom – na medida em que ele seguir sua alma e sua consciência. No entanto ele ainda é amplamente ignorante. O século 21 é o momento adequado para compreender que só uma sociedade de cidadãos justos pode ser justa. A época é propícia para constatar que cabe ter cidadãos honestos, se quisermos que haja líderes políticos honestos e chefes de estado sinceros.
Os Deveres do Coração
Todos participamos da mesma substância essencial do universo. Devemos aprender uns com os outros, e para isso, uma simplicidade de coração é indispensável.
As ações, e não apenas as palavras, multiplicam a honestidade. Cada cidadão tem a possibilidade de renovar a espécie humana. O que você desejar que os outros façam, faça-o você mesmo em primeiro lugar, e o bom exemplo se espalhará no devido tempo.
Um livro clássico da ética judaica, “Os Deveres do Coração”, afirma:
“Devemos manter com nós mesmos um registro do nosso envolvimento com outras pessoas no que diz respeito ao bem-estar geral – isto é, o plantio e a colheita, a compra e a venda, e outras maneiras pelas quais as pessoas ajudam umas às outras a criar uma sociedade saudável, e devemos considerar que é nossa obrigação desejar para os outros o mesmo que desejamos para nós, nestas questões, e não querer que eles sofram o que não queremos nós mesmos sofrer, e fazer tudo o que pudermos para defendê-los do que poderia prejudicá-los, porque está escrito: ‘Ame o seu próximo como a si mesmo’ (Vayikra 19:18).”
O autor de “Os Deveres do Coração”, não tinha ilusões de curto prazo.
O rabino Bachya ibn Paquda sabia que este caminho é inicialmente percorrido pelos Poucos, e não pelos muitos. Depois de mencionar os obstáculos criados pelo egoísmo e pela ignorância, Paquda escreveu:
“Portanto, meu irmão, você deve fazer um esforço para obter colegas leais e amigos verdadeiros, que irão ajudá-lo em seus esforços religiosos e seculares, na medida em que você seja franco e verdadeiro para com eles. Eles devem ser tão importantes para você quanto a sua própria alma, quando você encontrar entre eles os que são dignos deste sentimento.” [7]
É sendo de fato sábio, e não fazendo apenas propaganda, que alguém muda o mundo.
Para melhorar uma nação, cabe começar pelas almas das pessoas. O nascimento de uma sociedade justa ocorre primeiro na consciência e no caráter do cidadão, para depois tornar-se visível como processo sociológico. A árvore de grande porte sai de dentro da pequena semente – e não surge de fora para dentro. Cada alma humana pode conter e irradiar uma pequena amostra da sociedade futura, que no tempo certo irá crescer e prosperar.
NOTAS:
[1] “História da Magia”, Eliphas Levi, Ed. Pensamento, SP, 409 pp., p. 330. A tradução do trecho foi revisada levando em conta a edição da mesma obra em inglês e francês. Ver a página 441 na edição francesa de 1860.
[2] Após o assassinato de Gandhi e a guerra entre Índia e Paquistão, o lado positivo do legado de Gandhi prosseguiu com Vinoba Bhave. Veja o artigo “Vinoba e a Vontade de Construir”.
[3] “Le Faux Naturisme de Jean-Jacques Rousseau”, Paul Carton, deuxième édition, 1951, 213 páginas, Imp. Bussière, à Saint-Amand (Cher), França. (Primeira edição 1944.)
[4] Veja as páginas 53 a 86 em “Le Faux Naturisme de Jean-Jacques Rousseau”, Paul Carton, 1951.
[5] “O Índio Brasileiro e a Revolução Francesa”, subtítulo “as origens brasileiras da theoria da bondade natural”, Affonso Arinos de Mello Franco, Livraria José Olympio Editora, Rio de Janeiro, 1937, 331 pp., ver pp. 34-35.
[6] Esta versão do trecho leva em conta a versão do tradutor Carlos Alberto Nunes em “A Tempestade”, volume 01 das obras completas de Shakespeare, Edições Melhoramentos, SP, primeira edição, 1954; segunda edição, 212 páginas, ver pp. 68-69. Levo em consideração a versão original em inglês clássico e uma das versões em inglês moderno disponíveis online. Para examinar a versão original, consulte por exemplo o volume “The Complete Works of William Shakespeare”, The Golden Library, Magpie Books, London, UK, 1992, 1142 pp., ver p. 8.
[7] “Duties of the Heart”, de R. Bachya ben Joseph ibn Paquda, dois volumes, Feldheim Publishers, Jerusalem-New York, impresso em Israel, copyright 1996, ver volume dois, p. 745. A citação anterior está na p. 743. Há uma edição brasileira da obra, publicada pela Ed. Sêfer, de São Paulo.
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O artigo acima foi publicado nos websites associados dia 12 de agosto de 2019. Ele também está disponível em inglês em nossos websites e no blog teosófico em The Times of Israel.
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Veja os artigos “Cada Cidadão é um Imperador, na Democracia”, “Uma Alavanca Para Mover o Mundo”, “O Poder de Mudar o Mundo”, e “Esquerda, Ética e Fraternidade”.
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