Pomba Mundo
 
Como Construir e Sustentar
Um Estado de Consciência Correto
 
 
Carlos Cardoso Aveline
 
 
vivendo-na-atmosfera-da-teosofia
 
 
 
“…O homem está constantemente ocupando
sua corrente no espaço com seu próprio mundo…”
 
(Um Mestre de Sabedoria)
 
 
 
Existe em filosofia esotérica uma ideia com a qual nem todos estão familiarizados: o conceito de “atmosfera” interior. Helena Blavatsky considerava o assunto prioritário e, em 1887, ela escreveu a um grupo de estudantes em Londres:
 
“Não posso fazer nada por vocês, se não conseguem colocar a si mesmos na atmosfera da Teosofia e dos Mestres…” [1]
 
A tarefa de construir uma “atmosfera” correta na sua própria consciência e em torno de si pode ser importante para todo ser humano, mas não é simples. Alcançar esta meta é tarefa de longo prazo. Um progresso real pode ocorrer nesta direção quando é feita uma tentativa honesta, e quando há uma decisão de perseverar.
 
Para construir uma atmosfera psicológica elevada, o indivíduo deve avançar gradualmente, identificando e renunciando em sua vida a cada fator contrário à experiência da sabedoria. Este esforço enfrentará a resistência de elementais – “a força dos hábitos antigos” – que se alimentam em vários setores do eu inferior ou alma mortal. Padrões energéticos desafiadores também virão até nós desde estruturas sociais, culturais e econômicas, e dos eus inferiores de outras pessoas. Inclusive de gente que amamos e que ocupa lugares especiais em nossas vidas.
 
A observação independente mostra que, ao longo do Caminho, cada passo à frente provoca oposição renovada, vinda desde o interior e desde o exterior do indivíduo que avança. Alguns obstáculos emergem de maneira súbita e imprevisível. A fonte última e o alicerce de muitos deles está nos erros e nos apegos aos quais ainda não renunciamos completamente, embora possamos pensar que já renunciamos. Todo estudante pode saber por que meios ele será capaz de superar tais dificuldades. É através de esforços repetidos que ele vence a batalha. A filosofia da Ioga diz que sempre que identificar um erro em si mesmo, ele deve invocar e praticar o oposto. O livro II de “Aforismos de Ioga”, de Patañjali, recomenda:
 
“Com o objetivo de excluir da mente coisas questionáveis, é eficaz invocar mentalmente as coisas que lhes são opostas. As coisas questionáveis, quer elas tenham sido feitas, provocadas ou aprovadas, e quer elas resultem de cobiça, raiva ou ilusão, e quer elas sejam leves, de caráter intermediário ou desmedidas, são produtoras de muitos frutos na forma de sofrimento e ignorância; portanto, ‘invocar mentalmente as coisas que são o oposto delas’ é em todos os aspectos aconselhável.” [2] 
 
É claro que a decisão formal de renunciar a algo não é suficiente. A correção de erros raramente acontece por si mesma. Hábitos antigos são resistentes, e é necessário um esforço durável. Ao desenvolver a vontade, o estudante elimina obstáculos e cria em si mesmo o estado mental correto. Para reduzir a contradição entre intenção e prática, deve-se promover uma simplificação da vida pessoal, tanto no plano físico quanto no plano das emoções.  
 
Entre os obstáculos para este esforço teosófico estão padrões energéticos que parecem comportar-se com inteligência. Elementais tentarão muitas vezes afastar-nos da disciplina diária sugerindo a ideia que ela é “desnecessária”, que ela “não faz diferença real”, ou que ela “constitui uma perda de tempo”.
 
Além de serem “justificados” por desculpas elegantes, os primeiros passos no abandono da autodisciplina são, normalmente, agradáveis. Eles às vezes permitem ao estudante trabalhar de maneira excelente e fazer várias tarefas altruístas além das que ele já cumpre normalmente. Em consequência disso ele pode pensar que está fazendo o melhor e sendo mais útil, enquanto, na verdade, a base magnética de firmeza interna que sustenta a sua prática está perdendo o ponto de equilíbrio. Quando os desafios externos finalmente surgem, a falta do magnetismo da firmeza interior (produzido pela autodisciplina básica) pode surgir de modo radical. Então será necessária uma readaptação a níveis mais humildes de trabalho altruísta e cumprimento do dever, para que se restabeleça a autodisciplina e uma atmosfera de paz. Embora haja exceções à regra geral, a experiência prática acumulada mostra que na maior parte dos casos a tentação de “fazer mais pela humanidade” enquanto se coloca em risco a eficiência de longo prazo do esforço é um teste significativo a ser identificado, e uma armadilha a ser evitada. É preciso usar o discernimento para identificar as exceções.
 
Como ilustração deste ponto, um exemplo hipotético pode ser mencionado.
 
Helena P. Blavatsky morreu em maio de 1891, poucos meses antes de completar 60 anos de idade, e depois de uma vida de trabalho excessivo e saúde física precária.
 
Em teoria, se H. P. B. tivesse trabalhado mais moderadamente, cuidando melhor da saúde, o seu veículo físico poderia ter vivido e trabalhado vários anos mais; talvez uma década inteira. Isso teria feito uma grande diferença para melhor na história do movimento teosófico.
 
O fato ilustra um axioma paradoxal: é preciso trabalhar prestando atenção no presente enquanto se mantém uma perspectiva de longo prazo.  
 
Embora H. P. B. talvez tenha sido imperfeita neste aspecto, ela fez o melhor que pôde. Na média, seu trabalho foi extraordinário e durou o suficiente. Ela cumpriu sua missão.
 
Aprendendo Com as Tarefas Pequenas
 
Há outros “desafios paradoxais” a serem enfrentados pelo estudante. Um deles é que, à medida que ele entra no Caminho, sua tendência é procurar pelo Infinito, mas para tornar-se capaz de compreender e contemplar o Ilimitado ele deve realizar uma longa série de tarefas terrestres, de pequeno porte, humildes e difíceis. Os esforços desagradáveis e tediosos o levarão à autopurificação e ao autocontrole. Esta dimensão do autotreinamento é absolutamente indispensável, porque o próprio estudante deve tornar-se o telescópio através do qual verá a Vida Eterna, e a estudará. A autodisciplina faz dele uma ferramenta útil e confiável com a qual o seu eu superior verá a Realidade com precisão crescente. No texto “O Grande Paradoxo”, H. P. Blavatsky escreve sobre este desafio:
 
“O estudante descobre que, longe de ser encorajado a viver nos pensamentos sublimes de seu cérebro e fantasiar que alcançou o éter onde está a verdadeira liberdade – com o esquecimento de seu corpo, suas ações exteriores e sua personalidade – a ele são atribuídas tarefas muito mais terrenas. Toda a sua atenção e vigilância são requeridas no plano exterior; ele não deve nunca se esquecer de si mesmo, nunca descuidar de seu corpo, sua mente, seu cérebro. Ele deve aprender a controlar a expressão de cada detalhe, verificar a ação de cada músculo, dominar o mais leve movimento involuntário. A vida diária à sua volta e dentro dele mesmo é assinalada como objeto do seu estudo e da sua observação. Em vez de esquecer o que geralmente é chamado de banalidades, pequenos descuidos e erros acidentais da língua e da memória, ele é forçado a tornar-se, a cada dia, mais consciente desses lapsos.”[3]
 
Através do autocontrole, o estudante aprende a criar conscientemente sua própria atmosfera. Um Mestre de Sabedoria escreveu no século 19:
 
“….. O homem está constantemente ocupando sua corrente no espaço com seu próprio mundo, um mundo povoado com a prole de suas fantasias, desejos, impulsos e paixões; uma corrente que reage sobre qualquer organização sensível ou nervosa que entre em contato com ela na proporção da sua intensidade dinâmica. A isto os budistas chamam ‘Skandha’. Os hindus lhe dão o nome de ‘Carma’. O adepto produz essas formas conscientemente; os outros homens as atiram fora inconscientemente. Para ser bem-sucedido e conservar seu poder, o adepto deve morar em solidão e mais ou menos dentro de sua própria alma (…) .” [4]
 
O estudante deve observar constantemente a sua “corrente no espaço”, cujo conteúdo é resultado dos seus pensamentos, sentimentos e ações. Mas a sua meta na vida deve ser nobre. Ele deve trabalhar para a humanidade e não para si mesmo.
 
A combinação de autorresponsabilidade e devoção a um ideal elevado irá ajudá-lo a fazer progresso de longo prazo no caminho para a sabedoria. A sua intenção e os seus esforços criam a atmosfera da teosofia em sua vida.
 
A melhora não é sempre visível. O progresso estará secretamente presente, se ações corretas forem desenvolvidas ao lado das práticas da auto-observação e do autoesquecimento. 
 
A autovigilância e a autonegação devem avançar inevitavelmente unidas. O motivo disso está no fato de que é necessário conhecer a si mesmo, para esquecer a si mesmo; e é necessário esquecer a si mesmo, para obter a sabedoria.
 
NOTAS:
 
[1] Veja em nossos websites associados o artigo “Aprendendo Com Cada Detalhe da Vida”, de Helena Blavatsky.
 
[2] Aforismos 33 e 34 do Livro II de “Aforismos de Ioga, de Patañjali”, versão de William Judge. A obra está disponível em nossos websites associados.
 
[3] Veja o artigo “O Grande Paradoxo”, de Helena P. Blavatsky, que pode ser encontrado em nossos websites associados.
 
[4] “Cartas dos Mahatmas Para A. P. Sinnett”, Ed. Teosófica, Brasília, dois volumes, 2001; volume II, “Primeira Carta para A. O. Hume”, p. 343.
 
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Uma primeira versão do texto “Vivendo na Atmosfera da Teosofia” foi publicada em inglês em nossos websites associados em dezembro de 2011. Título original: “Living in the Atmosphere of Theosophy”. 
 
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Em setembro de 2016, depois de cuidadosa análise da situação do movimento esotérico internacional, um grupo de estudantes decidiu formar a Loja Independente de Teosofistas, que tem como uma das suas prioridades a construção de um futuro melhor nas diversas dimensões da vida.
 
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